A célebre canção de Milton Nascimento, "Travessia", prima pela
intensidade dramática, mas nada que se compare à hipótese da travessia
que explica o povoamento das Américas por primatas africanos.
Tal hipótese parece ter sido reforçada após a descoberta recente de uma espécie de macaco denominada Perupithecus ucayaliensis,
identificada a partir de fósseis de 36 milhões de anos. A análise de
quatro molares do bichinho foi suficiente não apenas para descrever uma
nova espécie, como também para reforçar a conexão dos macacos sul-americanos com seus antepassados africanos (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2015/02/1586526-macaco-mais-velho-das-americas-teria-atravessado-o-atlantico-diz-estudo.shtml).
Apesar de identificada recentemente, a espécie Perupithecus ucayaliensis é supostamente o macaco mais antigo das
Américas, razão pela qual sua anatomia é de especial interesse para
paleontólogos: "Extraindo o máximo de informações dos molares, os
paleontólogos verificaram que o p. ucayaliensis não se parece muito com os macacos sul-americanos modernos, mas lembra um primata da Líbia que viveu na mesma época, o Talahpitecus". A
semelhança entre as duas espécies reforça a hipótese de que esses
macacos atravessaram o Atlântico saltando de ilha em ilha, em um período
em que os continentes ainda não eram tão afastados como hoje.
Mesmo
assim, foi necessário um quinhãozinho a mais de risco e sofrimentos de
uns para que a espécie pudesse proliferar - ou melhor, do sofrimento de umas,
para ser mais específica. "Parece absurdo, mas estudos com outros
grupos de animais mostraram que isso [a travessia] é possível - basta
que uma fêmea grávida encarapitada em uma palmeira, por exemplo, seja
arrastada para o mar aberto durante uma tempestade."
Não
se sabe ao certo quantas fêmeas grávidas tiveram que passar por
tormentas e outros suplícios da grande travessia para chegarem até aqui.
Mas este foi, a meu ver, o melhor argumento científico para reconhecer o
valor das grávidas aventureiras para a perpetuação das espécies.
Portanto,
cara leitora, se você está grávida e pense em coroar sua história
pessoal com um grande feito, a dica já foi dada: basta ir encarapitando
em cima de uma palmeira à espera da próxima tormenta. Com alguma sorte,
você colonizará a Antártica e fundará uma nova linhagem de Homo sapiens estressados com o som do primeiro trovão.
A autora criou esse blog para divagar sobre o que lê diariamente nos jornais, com foco principalmente (mas não exclusivamente) na cobertura diária de ciência. Suas principais armas são a ironia de inspiração machadiana e um computador bacaninha (ela tirou o escorpião do bolso e comprou um de verdade). Ao citar alguma passagem, por favor, dê créditos para a autora: até para as grandes bobagens o direito autoral é inalienável.
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