UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Travessia

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Travessia

A célebre canção de Milton Nascimento, "Travessia", prima pela intensidade dramática, mas nada que se compare à hipótese da travessia que explica o povoamento das Américas por primatas africanos.

Tal hipótese parece ter sido reforçada após a descoberta recente de uma espécie de macaco denominada Perupithecus ucayaliensis, identificada a partir de fósseis de 36 milhões de anos. A análise de quatro molares do bichinho foi suficiente não apenas para descrever uma nova espécie, como também para reforçar a conexão dos macacos sul-americanos com seus antepassados africanos (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2015/02/1586526-macaco-mais-velho-das-americas-teria-atravessado-o-atlantico-diz-estudo.shtml).

Apesar de identificada recentemente, a espécie Perupithecus ucayaliensis é supostamente o macaco mais antigo das Américas, razão pela qual sua anatomia é de especial interesse para paleontólogos: "Extraindo o máximo de informações dos molares, os paleontólogos verificaram que o p. ucayaliensis não se parece muito com os macacos sul-americanos modernos, mas lembra um primata da Líbia que viveu na mesma época, o Talahpitecus". A semelhança entre as duas espécies reforça a hipótese de que esses macacos atravessaram o Atlântico saltando de ilha em ilha, em um período em que os continentes ainda não eram tão afastados como hoje.

Mesmo assim, foi necessário um quinhãozinho a mais de risco e sofrimentos de uns para que a espécie pudesse proliferar - ou melhor, do sofrimento de umas, para ser mais específica.  "Parece absurdo, mas estudos com outros grupos de animais mostraram que isso [a travessia] é possível - basta que uma fêmea grávida encarapitada em uma palmeira, por exemplo, seja arrastada para o mar aberto durante uma tempestade."

Não se sabe ao certo quantas fêmeas grávidas tiveram que passar por tormentas e outros suplícios da grande travessia para chegarem até aqui. Mas este foi, a meu ver, o melhor argumento científico para reconhecer o valor das grávidas aventureiras para a perpetuação das espécies.

Portanto, cara leitora, se você está grávida e pense em coroar sua história pessoal com um grande feito, a dica já foi dada: basta ir encarapitando em cima de uma palmeira à espera da próxima tormenta. Com alguma sorte, você colonizará a Antártica e fundará uma nova linhagem de Homo sapiens estressados com o som do primeiro trovão.   

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