UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Jornalismo de ciência: pequeno manual de erros básicos

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Jornalismo de ciência: pequeno manual de erros básicos

Pois é, garotada. Quem de nós, ligados de uma forma ou de outra ao universo da pesquisa científica, não reclama constantemente da pouca visibilidade dada a questões  científicas que afetam potencialmente a vida de milhares (quiça milhões) de pessoas?

No entanto, a falta de visibilidade de determinadas questões que envolvem conhecimento científico é só uma parte do problema. A outra parte diz respeito a aquilo que é dito constantemente nos jornais sobre a ciência. Ao ler uma notícia intitulada "Cientistas finalmente descobrem por que homens existem", publicada hoje no jornal O Globo online, acabei me deparando com um rosário de lugares-comuns nas matérias de ciência que deveriam ser cuidadosamente evitados (http://ela.oglobo.globo.com/vida/cientistas-finalmente-descobrem-por-que-homens-existem-16193597).

A primeira delas é a construção do texto em torno do pressuposto de que uma publicação em periódico com revisão de pares significa consenso científico. A notícia supracitada não faz rodeios e tasca a pérola logo nas primeiras maltraçadas linhas: "Por décadas, cientistas se viram em torno de uma questão que também já passou pela cabeça de muitas mulheres: para que, afinal, servem os homens? Somente agora, graças a um estudo publicado na revista científica Nature, foi encontrada uma justificativa satisfatória para a existência do sexo masculino".

Bola fora! O máximo que um artigo científico faz é explicitar uma tomada de posição dentro de um campo de conhecimentos instável, aberto a críticas, revisões e embates. Com isso, a ideia apregoada é que a tal "comunidade científica" é uma entidade sobrenatural, onisciente e onipresente, que tudo sabe e tudo vê e, portanto, não tem dúvida de nada.

O outro erro comum é a generalização de achados de pesquisa de um contexto para outro, sem as devidas precauções metodológicas. Nessa matéria, por exemplo, o estudo tomado como ponto de partida para provar que "por que homens existem" (como sugere o próprio título da notícia) é, na verdade, um estudo sobre o comportamento sexual "de uma colônia de besouros ao longo de 10 anos, dentro de condições controladas no laboratório."

Bem, até onde eu sei, "macho" e "homem" não são sinônimos (apesar de alguns indivíduos da nossa espécie insistirem na equivalência). Mas não precisa ir muito longe para entender a razão para o uso de generalizações dessa natureza. O que se quer é fazer o leitor passar da leitura do título para a leitura do conteúdo. Só que a tática comporta lá os seus riscos: pode funcionar em um primeiro momento, mas frustra um leitor mais criterioso em um segundo momento.

Por fim, temos a velha tendência de centrar a cobertura da ciência em torno da comunicação de resultados, normalmente entendida como a publicação de artigo em um periódico internacional, sem dar à conhecer a riqueza dos processos que levaram à consolidação do conhecimento em um peça de literatura científica que convencionamos chamar de "artigo". Mas este papo, infelizmente, é longo e vai ter que ficar para outro dia. Falar dos processos que ocorrem nos bastidores é sempre mais complexo do que falar da ponta do iceberg.

Diante disso, concluo esse breve manual de desastres com uma pergunta que não deixa de ser uma provocação: interessa aos pesquisadores mostrar os bastidores das suas pesquisas? Até que ponto? Essas são questões sobre as quais adoraria ver a tal "comunidade científica" se debruçar.

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