UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Muamba humana

terça-feira, 21 de abril de 2015

Muamba humana

Enquanto dentro das fronteiras do País da Mil e Uma Plásticas,  também conhecido como Brasil, a 2ª feira transcorreu morosa em ritmo de (quase) feriado, lá fora o mundo chacoalhava sem dó. Prova disso foram os pronunciamentos públicos de medidas enérgicas sendo tomadas aqui e acolá no combate ao contrabando de alguma coisa: de pessoas ou de prestigio comercial.

Duas notícias publicadas hoje mostram, contudo, o quão paradoxais podem ser as estratégias anunciadas. De um lado, tivemos a popular rede social Facebook fazendo alarde de sua nova política de combate às "curtidas falsas": "O Facebook diz que sua luta contra as curtidas falsas está dando tão bons resultados que muitas pessoas que construíram negócios com essa estratégia estão fechando seus empreendimentos", relata notícia publicada hoje no jornal Folha de S. Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/tec/2015/04/1618919-facebook-amplia-combate-a-vendedores-de-curtidas-falsas.shtml).

O bloqueio de curtidas falsas tem o objetivo de inibir a ação de empresas/pessoas/softwares contratados para forjar as tão almejadas "curtidas", que, por sua vez, são uma espécie de moeda de troca de reputação e prestígio público bastante valorizada atualmente - talvez até mais do que qualquer diploma nacional de ensino médio completo. 

Interessante notar que o pronunciamento realizado por Kerem Cevahir, engenheiro de segurança do Facebook, em nenhum momento especificou que estratégias seriam essas. Como o segredo deve fazer parte do show, a tática adota é a comunicação de resultados: "Nos últimos seis meses, o Facebook triplicou o número de curtidas falsas detectadas e bloqueadas antes de chegar às páginas, segundo Cevahir."

Lógica inversa parece estar sendo utilizada pela União Europeia (UE) diante do elevado número de mortes decorrente de naufrágios de embarcações clandestinas que levavam africanos ao Continente Europeu:
"Um dia depois de mais uma tragédia no Mediterrâneo, a Comissão Europeia apresentou aos chanceleres do bloco um plano com dez pontos para reduzir a crise migratória, que já causou mais de 1.800 mortes este ano", relata notícia publicada hoje no jornal O Globo online (http://oglobo.globo.com/mundo/ue-propoe-plano-de-acao-imediata-com-10-pontos-contra-morte-de-imigrantes-no-mediterraneo-15927197).

Como as políticas migratórias de lá têm produzido resultados vergonhosos na região mediterrânea - estima-se entre 700 e 950 pessoas tidas como mortas em naufrágio perto da costa da Líbia, no domingo, e mais 500 pessoas em outros três barcos, nesta segunda-feira - o foco do pronunciamento, neste caso, passou dos resultados para a estratégia. De acordo com Thomas de Maiziere, ministro das Relações Exteriores da Alemanha, "o plano de ação imediata apresentado na reunião de emergência inclui redobrar o financiamento e o número de barcos envolvidos nas operações de busca e resgate".

 Note-se que o recente pronunciamento surge na senda dos efeitos de políticas anteriores, dentre as quais a desastrosa "Operação Triton", cujo objetivo foi reduzir o patrulhamento com fins humanitários na área costeira. No entanto, "parar o resgate de imigrantes em perigo não levou a uma diminuição do fluxo migratório, nem a menos contrabando, mas apenas a mais mortes no mar, como mostra esta tragédia recente".

No mundo do negócios, empresas como o Facebook sabem que sua reputação comercial depende em grande parte da exatidão dos seus indicadores de visibilidade e prestígio público, traduzidos, no caso, nas eventuais "curtidas" de página. Portanto, dizer publicamente que muito está sendo feito para o combate de curtidas falsas faz parte de um protocolo de legitimação do próprio negócio em jogo.
 
No mundo das políticas públicas, porém, não basta apenas anunciar que algo vai ser ou está sendo feito. Os resultados nefastos destas políticas não são nenhum segredo de estado e estiveram estampados nas capas dos principais jornais do mundo no dia de hoje. 
 
De acordo com o chefe para Direitos Humanos da ONU, Zeid Ra’ad Al Hussein, "a UE deveria abrir caminhos legais para autorizar a entrada de imigrantes e, ao mesmo tempo, reconhecer que precisa do trabalho de imigrantes pouco qualificados, que refugiados têm direito a buscar asilo e que famílias merecem viver juntas. A falta de tais caminhos legais criaram o problema do contrabando de pessoas". 
 
Paradoxos do contrabando!

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