Enquanto dentro das fronteiras do País da Mil e Uma Plásticas, também conhecido como Brasil, a 2ª feira transcorreu morosa em ritmo de (quase) feriado, lá fora o mundo chacoalhava sem dó. Prova disso foram os pronunciamentos públicos de medidas enérgicas sendo tomadas aqui e acolá no combate ao contrabando de alguma coisa: de pessoas ou de prestigio comercial.
Duas notícias publicadas hoje mostram, contudo, o quão paradoxais podem ser as estratégias anunciadas. De um lado, tivemos a popular rede social Facebook fazendo alarde de sua nova política de combate às "curtidas falsas": "O Facebook diz que sua luta contra as curtidas falsas está dando tão
bons resultados que muitas pessoas que construíram negócios com essa
estratégia estão fechando seus empreendimentos", relata notícia publicada hoje no jornal Folha de S. Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/tec/2015/04/1618919-facebook-amplia-combate-a-vendedores-de-curtidas-falsas.shtml).
O bloqueio de curtidas falsas tem o objetivo de inibir a ação de empresas/pessoas/softwares contratados para forjar as tão almejadas "curtidas", que, por sua vez, são uma espécie de moeda de troca de reputação e prestígio público bastante valorizada atualmente - talvez até mais do que qualquer diploma nacional de ensino médio completo.
Interessante notar que o pronunciamento realizado por Kerem Cevahir, engenheiro de segurança do Facebook, em nenhum momento especificou que estratégias seriam essas. Como o segredo deve fazer parte do show, a tática adota é a comunicação de resultados: "Nos últimos seis meses, o Facebook triplicou o número de curtidas falsas
detectadas e bloqueadas antes de chegar às páginas, segundo Cevahir."
Lógica inversa parece estar sendo utilizada pela União Europeia (UE) diante do elevado número de mortes decorrente de naufrágios de embarcações clandestinas que levavam africanos ao Continente Europeu:
"Um dia depois de mais uma tragédia no Mediterrâneo, a Comissão Europeia
apresentou aos chanceleres do bloco um plano com dez pontos para reduzir
a crise migratória, que já causou mais de 1.800 mortes este ano", relata notícia publicada hoje no jornal O Globo online (http://oglobo.globo.com/mundo/ue-propoe-plano-de-acao-imediata-com-10-pontos-contra-morte-de-imigrantes-no-mediterraneo-15927197).
Como as políticas migratórias de lá têm produzido resultados vergonhosos na região mediterrânea - estima-se entre 700 e 950 pessoas tidas como mortas em naufrágio perto da costa da
Líbia, no domingo, e mais 500 pessoas em outros três barcos, nesta segunda-feira - o foco do pronunciamento, neste caso, passou dos resultados para a estratégia. De acordo com Thomas de Maiziere, ministro das Relações Exteriores da
Alemanha, "o plano de ação imediata apresentado na reunião de emergência inclui
redobrar o financiamento e o número de barcos envolvidos nas operações
de busca e resgate".
Note-se que o recente pronunciamento surge na senda dos efeitos de políticas anteriores, dentre as quais a desastrosa "Operação Triton", cujo objetivo foi reduzir o patrulhamento com fins humanitários na área costeira. No entanto, "parar o resgate de imigrantes em perigo não levou a uma diminuição do
fluxo migratório, nem a menos contrabando, mas apenas a mais mortes no
mar, como mostra esta tragédia recente".
A autora criou esse blog para divagar sobre o que lê diariamente nos jornais, com foco principalmente (mas não exclusivamente) na cobertura diária de ciência. Suas principais armas são a ironia de inspiração machadiana e um computador bacaninha (ela tirou o escorpião do bolso e comprou um de verdade). Ao citar alguma passagem, por favor, dê créditos para a autora: até para as grandes bobagens o direito autoral é inalienável.
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