Ontem, quando falava do estado de "quase sonho" vivenciado pelo Internauta em estado de imersão nas redes sociais, fiquei me perguntando se a matéria em questão já não trazia em si um viés negativo contra o tal estado (http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/907408-usuarios-de-redes-sociais-exibem-ate-o-que-nao-querem-mostrar.shtml). Raciocinem comigo: por que alguém teria, supostamente, que falar mais bobagem só porque está meio adormecido?
Enfim, qualquer que seja a resposta, a premissa que ficou implícita ali foi a de que qualquer relaxamento da consciência é (ou deva ser encarado como) uma grande ameaça. Bem, o risco de embarcar nessa é achar que é possível se manter em estado de vigília constante e esquecer que dormir também faz parte.
O legal é ver o caminho que os cientistas fazem para chegar até essas conclusões. Hoje mesmo diversos jornais replicaram uma matéria da agência de notícias francesa AFP divulgando os achados de uma equipe de pesquisadores da Universidade de Wisconsin, sob a liderança da professora de psiquiatria Chiara Cirelli. (A mesma matéria pode ser acessada, sem nenhuma alteração subtantiva, no Hoje em dia - http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/vida/saude/cerebro-pode-ficar-acordado-e-adormecido-ao-mesmo-tempo-por-cansaco-1.271550 - e na Folha Online - http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/907944-cansaco-faz-cerebro-ficar-acordado-e-adormecido-ao-mesmo-tempo.shtml).
O interessante da pesquisa em questão é o caminho da demonstração. Ela conseguiu demonstrar, pelo intermédio de eletrodos acoplados nos cérebros de 11 camundongos voluntários, recrutados nas melhores unviersidades americanas, que do total de 20 neurônios monitorados, 18 permanceram em vigília, e 02 resolveram parar para tirar uma sonequinha. Isso mesmo: enquanto o estado geral dos camundongos em estado de fadiga acusava "awaken mode on", uma partezinha cansada daqueles cérebros resolveu fechar para balanço durante o expediente. Ou melhor, "nos outros dois, havia sinais de sono, com alternância entre períodos breves de atividade e períodos de silêncio".
Até aqui, a pesquisa acima confirma a equação "estado de quase sonho = bobobagem à vista". No mundo dos camundongos, as coisas não andaram melhores. "Os animais foram treinados por duas horas para realizar uma tarefa complicada: segurar uma bolinha de açúcar com uma única pata. Mas quanto mais cansados ficavam, mais difícil para os roedores se tornava o trabalho. Eles começaram a deixar cair as bolinhas, ou então não conseguiam pegá-las quando oferecidas", explica a matéria.
Mas como verdades científicas são voláteis e não me intimidam, prefiro me rebelar e seguir a senda das respostas menos prontas. Numa belezura de curso que fiz sobre "tradição ancestral brasileira", por exemplo, aprendi que na tradição dos índios tapuias o mundo "real" é o mundo dos sonhos. Os Krahô, por exemplo, consultam seus sonhos antes de sair para caçar. Diz-se que um bom caçador Krahô não sai para caçar: ele marca um encontro com a caça.
Na base dessa crença, subsiste uma confiança de que algo muito sábio permanece latente dentro de nós e que este "algo mais" pode ser acessado, de alguma forma, fora do estado de vigília. Essa visão é estritamente oposta à do camundongo cansado. Uma coísa é certa: a inabilidade dos camundongos se deve justamente ao fato de que eles não dormiram o suficiente para realizar suas tarefas. Isso nos lembra que, em vez de dar murro em ponta de faca, o caminho mais produtivo consiste em render-se para não "dormir no ponto". Com vocês, mais um paradoxo da vida moderna.
A autora criou esse blog para divagar sobre o que lê diariamente nos jornais, com foco principalmente (mas não exclusivamente) na cobertura diária de ciência. Suas principais armas são a ironia de inspiração machadiana e um computador bacaninha (ela tirou o escorpião do bolso e comprou um de verdade). Ao citar alguma passagem, por favor, dê créditos para a autora: até para as grandes bobagens o direito autoral é inalienável.
Ju,
ResponderExcluireste texto tem a ver com o que você descreveu, sempre atenta, coerente e afiada no seu racicínio. Descanso infelizmente tem se tornado sinônimo de preguiça. É uma pena.
http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESPS/Edicoes/51/artigo168446-1.asp
Beijo.
Pris: obrigadíssima pelos comentários e pela sugestão do link. Vou dar uma olhada nele agora mesmo. Bjs!
ResponderExcluir