"Decifra-me ou te devoro!", dizia a Esfinge. E os algoritmos ouviram o apelo.
É o que dá a entender uma notícia otimista publicada hoje no jornal Folha de S. Paulo online. Sobre os benefícios da inteligência artificial, ela ensina: "recomendar produtos interessantes, mostrar as notícias mais importantes, sugerir restaurantes, mostrar a nova foto do amigo". E resume: "Todas essas ações rotineiras da internet alimentam um mesmo gigante: o chamado algoritmo" (http://www1.folha.uol.com.br/tec/2014/03/1432549-quem-decide-o-que-voce-ve-na-internet.shtml).
Parece bacana, não é mesmo? Só que não: "não é você, usuário, que decide o que vai enxergar na tela, mas sim esse
tal algoritmo, uma sequência de comandos capaz de definir critérios de
relevância para o serviço que você usa, seja ele um sistema de buscas ou
a página de uma rede social".
Então ler e ouvir o conteúdo de interesse implica, um tanto quanto contraditoriamente, numa relativa perda de autonomia de decisão por parte do usuário em termos do conteúdo que ele verá exposto diante de si? Grosseiramente falando, sim.
Mas quem se importa realmente com isso? Afinal, o algoritmo é quase um amigo: "no caso de sites de compra, por exemplo, o algoritmo é feito para
'pensar' como um amigo real do usuário. Ele considera idade, perfil,
hobby e gostos do cadastrado para sugerir uma compra", explica o cientista da computação Luiz Camolesi Jr., da Faculdade de
Tecnologia da Unicamp. Mas com uma diferença marcante, no meu entender: algoritmos não pedem dinheiro emprestado e somem no mundo; amigos, sim.
Pois se a tarefa do algoritmo
é hermenêutica - visto que ele "precisa traduzir a linguagem e o pensamento humano para a máquina" -. então rezo ao menos para que a tradução seja malfeita e que eu consiga pensar sem nenhuma previsibilidade e para muito além dos lucros de qualquer empresa. Afinal, em um mundo cercado de algoritmos, surpreender passa a ser uma tarefa de resistência inteligente - "naturalmente" inteligente, diga-se de passagem.
A autora criou esse blog para divagar sobre o que lê diariamente nos jornais, com foco principalmente (mas não exclusivamente) na cobertura diária de ciência. Suas principais armas são a ironia de inspiração machadiana e um computador bacaninha (ela tirou o escorpião do bolso e comprou um de verdade). Ao citar alguma passagem, por favor, dê créditos para a autora: até para as grandes bobagens o direito autoral é inalienável.
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