UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Beatas da quermece mundial

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Beatas da quermece mundial

Quem, em sã consciência e algum resquício de contato com o entorno social, nunca viu uma beata rezando? Não estou perguntando se você freqüenta, está de acordo ou professa práticas que supostamente levam à beatitude, estou apenas perguntando se já viu...

Pois é, praticamente todo mundo já viu uma ou várias delas. O que ninguém parece ter reparado foi que a tchurma do FMI parece ter aderido ao movimento, só que rezando numa outra cartilha.

Essa matéria assinada pela Reuters e que foi publicada hoje no O Globo Online é um exemplo perfeito:“A economia mundial começou a melhorar, mas está cercada de problemas como alto desemprego e os preços em alta, o que pode aumentar o protecionismo e os problemas sociais, disse o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI) nesta terça-feira”, o digníssimo senhor Dominique Strauss-Kahn. (http://oglobo.globo.com/economia/mat/2011/02/01/desequilibrios-globais-do-periodo-pre-crise-estao-voltando-diz-fmi-923712465.asp). As analogias possíveis entre o FMI e as beatas não tem nada de sofisticada, como vocês verão a seguir. Traduzindo em miúdos: o rebanho de Deus começa a andar na linha, mas ainda tem muito vício na área (desemprego e preços em alta), o que pode corromper espíritos incautos, aumentando consideravelmente o número de pecadores (protecionismo e problemas sociais). Só que aqui o nó da retórica reside justamente em nivelar “protecionismo” e “problemas sociais”, como se o primeiro fosse causador do segundo. Ninguém precisa ser Manu Chao para saber que a onda da batatinha não é presença das barreiras alfandegárias ou qualquer outra forma de protecionismo de mercados nacionais: é sua ausência que causa estrago.

Mas para rezar na cartilha do FMI, é preciso ter uma imaginação fértil e olhos vigilantes, capazes de antever todas as ameaças do demo. Por exemplo, um dos perigos para o qual Strauss-Kahn alerta, e que estaria ameaçando a fé do seu rebanho, é justamente o crescimento dos países emergentes: “O primeiro [perigo] é a recuperação desigual entre países, com nações emergentes crescendo muito mais rápido que as economias desenvolvidas e possivelmente superaquecendo”. O segundo perigo seriam as “tensões sociais em países com desemprego elevado e desigualdade crescente de renda”. A estratégia de aproximar fenômenos de naturezas distintas permanece como no parágrafo anterior, só que com uma nuance suplementar: insinua-se nas entrelinhas uma relação de causalidade entre o crescimento de pobres (que deveriam permanecer pobres, já que deles é o Reino dos Céus) com o desemprego e a má distribuição de renda.

De uma certa forma, o Brasil tem demonstrado que o crescimento dos emergentes pode ser um antídoto ao desemprego. Mas como as circunstâncias práticas do mundo real desafiam qualquer clivagem maniqueísta, o temor de que o crescimento econômico não leve à distribuição de renda é pertinente. Longe de querer acender uma vela para o (meu) diabo nesse particular (no caso, o FMI), esta questão coloca-se como um desafio para todos os países emergentes, inclusive o nosso.

Enfim, com esta estranha mistura entre fanatismo neoliberal e preocupações altruístas com o desemprego elevado e ausência de distribuição de renda, a pregação prossegue. A bíblia deles data dos escritos apócrifos achados no Consenso de Washington nos idos de 1990. Até o hermeneuta mais iniciante é capaz de interpretar esse texto: para criar empregos, pobres do mundo inteiro, rezai na cartilha do FMI. Amém!

P.S.= Para aplacar a ira das Novas Beatas, estou postando esse vídeo dos Novos Baianos, um verdadeiro lenitivo para almas refinadas como a minha e a sua!

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