Já vai longe o tempo em que "fato científico" era sinônimo absoluto de "consenso". Aliás, se essa ideia se manteve em alta durante desde o Séc. XIX até bem recentemeente, dentro de uma visão positista de ciencia, isso se deu muito mais em função de anseio profundo de que esses consensos fossem realmente absolutos, do que pela verificação empírica da existência de consenso.
Na melhor das hipóteses, como nos lembra Foucault, os consensos (quando existem) são fabricados às custas da exclusão de várias outras possibilidades. Não que a ideia de consenso como fundamento científico tenha caído totalmente por terra. Mas o próprio processo de construção desses consensos (fabricados) passaram a ser objeto de reflexão crítica.
Enfim, conquanto essa visão venha se alterando com o passar dos anos, não são muito frequentes as matérias que fazem jus à ideia de ciência enquanto um debate aberto em constante evolução. E para falar que nem só de críticas irônicas e cínicas vive esse blog, cá tenho nas mãos (ou melhor, diante dos olhos, em outra janela do computador) um raro exemplar dessa visão menos consensual de ciência.
Mas a matéria faz muito mais do que isso. Ela ecoa uma interpretação dissonante sobre os recentes deslocamentos de eixo da Terra que aconteceram em consequência de terremotos de grande proporção como os do Japão. Tal interpretação vai justamente na contramão da "indústria-midiática-do-fim-do-mundo" que vem tomando vulto nos últimos tempos.
A matéria em questão foi veículada no New York Times e reproduzida na Folha Online (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/908469-terremotos-alteram-eixo-da-terra-mas-nao-mudam-clima.shtml). A controvérsia surge entre os pesquisadores do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL), da Nasa, e os do Centro de Pesquisa de Sistemas Climáticas, da Universidade Columbia. Enquanto os primeiros alegam que o deslocamento de cerca de 16,5 cm do eixo da Terra ocorrido com o último terremoto do Japão, "alterando levemente a distribuição de massa no planeta", os pesquisadores da Columbia oferecem uma interpretação divergente quanto à intensidade dessas mudanças.
De acordo o pesquisador Allegra N. LeGrande, as "alterações naturais na massa da Terra na atmosfera e oceanos também causam mudanças de aproximadamente 99 centímetros no eixo rotacional todo ano". Ou seja, "as mudanças ligadas a terremotos são muito menores do que as alterações imperceptíveis que acabam ocorrendo todos os anos". A questão, portanto - como eu já venho defendendo com alguma insistência, especialmente em comentários como os do dia 17 de março deste ano - passa a ser de perspectiva: "as alterações que acontecem todo ano com a obliquidade são tão minúsculas que não percebemos", ressalta o pesquisador.
No final das contas, vale a máxima do Lulu Santos: "tudo muda o tempo todo no mundo". Vê caos e destruição quem por isso espera, ou melhor: quem acha que sai ganhando uma certa forma de precaução emocional com isso. Ou por pura catarse, vai saber. Por mim, já tá decidido: "fim do mundo, pode vir quente que eu já tô fervendo!"
P.S. 1= Putz, acabei de citar o Roberto Carlos! Deve ser mesmo o fim do mundo!!!
A autora criou esse blog para divagar sobre o que lê diariamente nos jornais, com foco principalmente (mas não exclusivamente) na cobertura diária de ciência. Suas principais armas são a ironia de inspiração machadiana e um computador bacaninha (ela tirou o escorpião do bolso e comprou um de verdade). Ao citar alguma passagem, por favor, dê créditos para a autora: até para as grandes bobagens o direito autoral é inalienável.
Tenho certo receio de consensos, Ju. Posso indicar seu blog para um amigo? Beijo e saudade!
ResponderExcluirPris, vai fundo: recomende para qualquer um que achar que "toda unanimidade é burra". Nossa, hoje eu sô toda citações... Creeedo!
ResponderExcluirRecomendado!
ResponderExcluirBeijo e namastê!