UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Eros e Tânatos

quarta-feira, 6 de março de 2013

Eros e Tânatos

A cobertura jornalística online de hoje comprova, mais uma vez, que sexo e morte constituem mesmo duas pulsões básicas da psiquê humana. Falo especificamente de duas notícias que foram publicadas hoje e que muito me chamaram a atenção, mesmo se, aparentemente, elas não guardam nenhuma relação entre si.

A primeira notícia fala da boneca Valentina, atração principal da 1ª Mostra Internacional de Bonecas Infláveis, e que está tendo sua virgindade leiloada no site de produtos eróticos Sexônico: "Quem der o lance final conseguirá dar um encontro e tanto para Valentina", explica notícia publicada hoje no jornal Folha de S. Paulo online (http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/1241253-leilao-de-virgindade-de-boneca-inflavel-tem-lances-de-mais-de-r-100-mil.shtml).

O pacote inclui - além da boneca, obviamente - "uma noite em suíte 'Presidencial' de um motel, jantar com champanhe francês, passagem aérea - caso o sortudo não seja de São Paulo -, lingerie especial para a estreante e ainda uma câmera digital", pois, segundo os termos da própria notícia, "uma noite dessas não pode deixar de ser registrada e compartilhada com os amigos." A  motivação maior para tamanho feito? Colocar em  prática fantasias irrealizadas, já que "muitos homens têm o sonho de ser o primeiro 'amor' de uma garota".

Na outra ponta da reflexão, uma notícia trágica, que mistura morte e indigência: "Após 17 anos buscando o pai, a auxiliar administrativa Solange Brito, 38, teve uma surpresa ao descobrir que o corpo de Osvaldo Brito, morto em 2005, fora levado para o laboratório de anatomia da Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná), em Cascavel (a 498 km de Curitiba)." (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1241088-apos-17-anos-filha-encontra-corpo-do-pai-em-laboratorio-universitario.shtml).

Separado da família desde 1996, Osvaldo Brito morava sozinho em Santa Izabel do Oeste. Aos 54 anos, Brito sofreu enfarto quando já estava acometido de uma pneumonia. Mas "como ninguém reclamou o corpo, o IML, com autorização judicial, fez a doação para a Unioeste". Só nesta última 6a feira, dia 1º de março, é que a filha encontrou o corpo do pai e pôde enterrá-lo.

Bem, se você achou que as notícias falam de realidades antagônicas, então você se enganou redondamente. As duas histórias testemunham um misto de solidão e indigência, pois, no fundo, no fundo, a lingerie, o champanhe francês e a câmera digital estão lá por um único motivo: para compensar um "despossuído" e ajudar a compor o cenário de uma realidade que não chegou a se concretizar: a fantasia frustrada, o amor que não veio no tempo desejado, a vaidade de saber inesquecível até o último dia de vida da deflorada.

Na outra ponta do elo noticioso, que fala da tristeza da perda de um ente querido, a solidão acena para uma indigência explícita, mas nem por isso menos austera. Ao corpo doado à revelia, dissecado e retalhado para fins científicos, só resta ser repatriado e enterrado junto com as lembranças dos seus. O amor, aqui também, segue irrealizado, porque foi interceptado pelo destino e pela morte.


No frigir dos ovos, o ganhador do leilão e a filha do defunto suspiram de amor e zelam, cuidadosamente, pela realização dos seus respectivos rituais. Mas a inércia dos objetos amados assusta: afinal, deflorar uma boneca inflável não deve ser lá tão diferente de dissecar um cadáver inerte.

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