UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: O melhor dos mundos

sexta-feira, 15 de março de 2013

O melhor dos mundos

Li e tive calafrios com a defesa que o sociólogo italiano Domenico De Masi faz de um argumento no mínimo espinhoso:  "o Brasil não é o melhor dos mundos possíveis, mas é o melhor dos mundos existentes", revela em reportagem publicada no caderno "Mercado" do jornal Folha de S. Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1244862-brasil-e-o-melhor-dos-mundos-existentes-diz-sociologo-domenico-de-masi.shtml).

Vejam bem: não que eu faça parte do coro dos catástroficos que pensam que a grama é sempre mais verde no quintal do país vizinho. Mas antes de saber se eu vou me alinhar ou não com alguém que pensa que este país "é o melhor dos mundos", preciso fazer a seguinte pergunta: o melhor dos mundos para quem?

A pergunta é vagamente respondida em uma seção intitulada "Desafios" da matéria: "Os desafios aqui são o analfabetismo, a violência e a desigualdade. É realizar esta redistribuição mais igualitariamente em comparação a outros países e manter a melhor relação entre economia e felicidade".

Pois o problema do argumento, a meu ver, começa justamente quando o acadêmico começa a lançar mão das comparações para amparar seu argumento. "O Brasil é quase tão grande como a China, mas é uma democracia. O Brasil é quase três vezes maior que a Índia, tem quase o mesmo número de etnias e de religiões, mas vive em paz interna e em paz com os países limítrofes", explica De Masi.

E aí, eu pergunto: paz interna? Onde ele leu isso? Basta pegar o relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) sobre o Racismo, a Pobreza e a Violência, de 2005, e ver que as condições de vida e de morte variavam de acordo com pertencimento racial: enquanto a taxa de homicídios entre jovens brancos entre 20 e 24 anos já era aberrante nos idos de 2001 — 102,3 por 100.000 habitantes —, a taxa de homicídios dos jovens negros era duas vezes mais elevada, isto é, 218,5 por 100.000 habitantes. Isto representava « … um risco equivalente ao de morar em países em guerra civil », nos dizeres do próprio relatório (está lá, na p.12, para todo mundo ler). Nem preciso me alongar muito para explicar que maior parte desses jovens mora nas favelas das grandes cidades brasileiras.

Para piorar ainda mais a linha de raciocínio do sujeito, ele resolve adotar ares ufanistas desses que só me lembro de ter lido nos livros de Moral e Cívica em circulação na época da ditadura militar: "O Brasil é o único país no mundo onde a cultura ainda mantém características de solidariedade, sensualidade, alegria e receptividade".

Bem, se avaliarmos a "cultura" brasileira com base no relatório sobre os Índices de Desenvolvimento Humano de 187 países, publicado hoje pelo mesmo PNUD, seremos levados a concluir que a cultura alheia tem sido bem mais eficaz em gerar índices mais robustos de "felicidade" e riqueza. Em outros termos, "o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil continuou a subir durante a primeira metade do governo Dilma Rousseff, mas em ritmo mais lento do que quase todos os países dos Brics e da América do Sul". Aliás, deste total de países, "O Brasil aparece no 85º lugar", bem próximo a países infinitamente menores e menos populosos como a Jamaica, a Armênia, o Omã e São Vicente e Granadinas.

Pelo visto, a perspectiva comparada de De Masi não suporta triangulação dos dados com fontes mais transversais. O que é plenamente compreensível quando se toma conhecimento do evento que trouxe aqui este professor de 75 anos da Universidade Romana de La Sapienza: "De Masi desembarca no país para participar da primeira edição do 'Refletir Brasil - Diálogo com a Brasilidade', em Paraty, de 20 a 22 de março", em um evento que reunirá "intelectuais e lideranças em mesas temáticas sobre cultura, educação, economia, criatividade e sustentabilidade".

Lamento informar mas, infelizmente, as discussões sobre "brasilidade" e "cultura nacional" quase sempre derrapam na curva das ideologias (de classe, de cor, de gênero...) e acabam capotando em uma ideia feliz de país que privilegia uma elite em detrimento de vários outros grupos. Não raro, a idolatria da pátria se mistura com um elevado grau de auto-indulgência. Ou seja: se minhas suspeitas sobre as tendências intelectuais do sociólogo estiverem realmente certas, ele está, definitivamente, no evento certo.   

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