UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Azmodan

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Azmodan

Sincerologia é a arte de ser sincero quando tudo pesa em contrário. De difícil execução, a arte demanda treinamento contínuo até que esta maravilhosa competência técnica seja plenamente desenvolvida e incoporada ao modus operandi de cada um.

Pois bem: uma versão kamikase da sincerologia é o sincericídio. E aqui peço licença aos amigos Tuca e Rachel pela apropriação indébita de termo tão austero. Sincericídio é a sinceridade abusiva, deslavada, sem papas na língua. O sincericídio é uma forma de suicídio perante a opinião pública, ato  do qual só os mais destemidos (ou inconsequentes) são capazes.

Pois bem, a Folha de São Paulo acabou cometendo um sincericídio de grandes proporções hoje por meio de comentário publicado no "Blog de Tec", um blog dedicado à tecnologia no mundo virtual. O comentário em questão dá voz aos discontentes com a dublagem adotada no jogo (ou "game", na versão dos mais frescos e aversos à belezas da nossa Flor do Lácio) "Diablo 3" (http://blogdetec.blogfolha.uol.com.br/2012/04/24/fas-reclamam-de-demonio-com-sotaque-carioca-em-diablo-3/).

A bem da verdade, não se trata de descontentamento com a tradução como um todo, mas especificamente com o sotaque carioca atribuído ao monstro Azmodan, personagem do jogo. A polêmica é descrita da seguinte forma pelo comentário do blog: "A polêmica surgiu em um post no site oficial da Blizzard, que mostra os primeiros vídeos do jogo dublados para o português. Em meio à elogios, algumas pessoas reclamam do suposto 'carioquês' do personagem Azmodan."

O sincericídio acontece justamente quando os comentários dos descontentes são reproduzidos aos quatro ventos, incentivando novas ondas de protesto da parte dos cariocas no próprio blog da Folha. Pouco importa. O sincericídio já havia sido impetrado: e o erro do blog foi justamente dar vazão a comentários bairristas como os que se seguem:

“caraca!! sotaque carioca pesado no Asmodan, hein? triste. nada contra os cariocas, mas em um jogo que vai ser vendido para todo brasil, deveriam usar sotaques mais neutros…”

“AAAF esse sotaque carioca acabou com o game, é muito puxado jesus, porque vocês não pegaram o sotaque paulista que é o sotaque mais comum do Brasil? WHY GOD WHY?”

Depois do estrago feito, só nos resta a sinceridade como consolo. Primeiro, porque "neutralidade" em sotaque é como cabeça de bacalhau:  dizem que existe, mas eu nunca vi. Em segundo lugar, afirmar que o sotaque paulista é o "mais comum do Brasil" é esquecer que este país é um imenso continente formado por grandes ilhotas culturais, mais ou menos isoladas nas suas próprias referências. E se o sotaque paulista ficou "comum" para o resto do país, isso se deve tão somente ao fato de os programas e novelas veiculados em rede nacional serem produzidos quase exclusivamente no eixo Rio-São Paulo. Finalmente, para o resto do país, sotaque paulista e sotaque carioca são o que são: sotaques de outras regiões, nem melhores, nem piores do que os nossos.

Finda a aula de sincerologia aplicada, vou dormir. Boa noite para quem fica!

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