O problema é velho e muitas vezes evocado entre pesquisadores: nem sempre as notícias de jornal sabem citar as fontes de sua informações com o mesmo rigor do texto científico.
Notícia publicada hoje no jornal O Globo online quis destrinchar as astúcias das libélulas, tidas como "predadores mais vorazes da natureza", mas acabou trocando os pés pelas mãos e dando um mal exemplo de como dispor a informação científica (http://oglobo.globo.com/ciencia/libelulas-estao-entre-predadores-mais-vorazes-da-natureza-8005066).
A meu ver, o delito começou logo na primeira frase da notícia: "Aparentemente
delicadas e belas, as libélulas podem ser os caçadores
mais brutalmente eficazes do reino animal, sugere uma pesquisa
americana". Obviamente, não são as libélulas em si (ou o que
elas fazem), mas o fato de que terminamos de ler notícia sem saber, ao
certo, que "pesquisa americana" é essa.
O problema é que fontes são tão diversas e institucionalmente desvinculadas que fica
difícil entender realmente quem é a suposta "pesquisa". As credenciais dos pesquisadores, por si só, não explicitam nenhum vínculo de pesquisa: 1) Michael L.
May, professor emérito de entomologia da Universidade de Rutgers; 2)
Stacey Combes, estudioso pela Universidade de Harvard; 3) Robert M.
Olberg, da Faculdade Union, autor de artigo publicado no periódico da
“Proceedings of the National Academy of Sciences”; e 4) Paloma Gonzalez-Bellido, "uma das autoras do relatório". Ou seja, ao contrário do que anunciado no início da notícia, tudo leva a crer que não se tratava de uma única pesquisa, mas de várias.
Mas que relatório é esse? Mais uma pergunta sem resposta, pois não nenhuma outra menção sobre a existência de um relatório. Em contrapartida, informações científicas importantes são desvinculadas de suas devidas fontes, graças ao uso genérico que se faz do termo "pesquisadores": por exemplo, diz-se que "uma equipe de pesquisadores mostrou que o sistema nervoso de uma
libélula exibe uma capacidade quase humana de atenção seletiva"; ou então que "outros pesquisadores identificaram uma espécie de circuito mestre de 16
neurônios que conectam o cérebro da libélula ao seu centro motor de voo,
no tórax".
De qualquer forma, valeu a pena saber que, "com a ajuda de um pacote neuronal, uma libélula pode rastrear um alvo em
movimento, calcular uma trajetória para interceptá-lo e sutilmente
ajustar o seu caminho como necessário". Resta agora saber quantos pacotes neuronais serão necessários para que os jornalistas da grande imprensa associem adequadamente as informações que relatam às suas devidas fontes.
A autora criou esse blog para divagar sobre o que lê diariamente nos jornais, com foco principalmente (mas não exclusivamente) na cobertura diária de ciência. Suas principais armas são a ironia de inspiração machadiana e um computador bacaninha (ela tirou o escorpião do bolso e comprou um de verdade). Ao citar alguma passagem, por favor, dê créditos para a autora: até para as grandes bobagens o direito autoral é inalienável.
quarta-feira, 3 de abril de 2013
Pacotes neuronais
Libellés :
fonte,
texto,
vulgarização científica
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