UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Multiculturalismo tropical

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Multiculturalismo tropical

Para quem achava que demandas multiculturalistas eram coisa de gringo e que o assunto "especificidade cultural" de minorias imigrantes já havia sido resolvido no modelo "republicano" e "laico" (se eu pudesse, colocaria até mais aspas) do Estado Novo, enganou-se redondamente!

Aqui, assim como no hemisfério norte, o conflito cultural emerge, uma vez mais, no campo das práticas religiosas. Não, não se trata aqui da velha reivindicação dos Testemunhas de Jeová de não receberem transfusão de sangue, nem tampouco do direito ao recolhimento entre o pôr do sol da 6a feira e o pôr do sol do sábado pelos Adventistas do Sétimo Dia. - só para mencionar dois casos com os quais estamos mais "acostumados". Agora, é a velha querela - e quando digo "velha", eu me refiro especificamente a Europa e a América do Norte - do porte do véu islâmico, meus amigos, que se faz presente entre nós.

Claro, como tudo o que acontece em Pindorama, a resolução desses conflitos é marcada pelas especificidades culturais e organizacionais locais. A demanda de reconhecimento em questão parte de seis detentas marroquinas de confissão islâmica, que arrogam o direito de fazer suas orações com a cabeça e o dorso cobertos pelo véu islâmico, conforme explica matéria veiculada hoje no O Globo Online (http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2011/08/05/presas-muculmanas-em-sp-trocam-veu-por-lencois-para-fazer-oracoes-925070455.asp).

A origem do conflito é descrita da seguinte forma: "Conforme a tradição muçulmana, nas orações, elas devem cobrir o corpo e a cabeça, mas a direção da cadeia explicou às detentas que elas não poderiam ficar o tempo todo cobertas por motivos de segurança". O caso foi parar na Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB-SP e contou com a mediação da advogada (também muçulmana Luciana Cury) e do Consulado do Marrocos.

As demandas das detentas - que cumprem pena por tráfico de drogas - são representadas , na matéria, pela presidente da comissão, Damaris Dias Moura Kuo, nos seguintes termos: "O que me foi informado é que elas não podiam se cobrir por razões de segurança. E que várias coisas podem ser escondidas por debaixo da roupa em uma penitenciária. Compreendo a questão da segurança. Mas por outro lado, a questão do sentimento religioso é importante. Segundo a tradição, se elas não se cobrem para a oração, Deus não as escuta. Há detentas condenadas a seis anos de prisão. Imagina, para elas, o que significa Deus ficar seis anos sem ouvir suas orações? - conta Damaris".

A solução dada ao impasse é que me pareceu um exdrúxula: "após reunião no presídio, chegou-se a uma solução aceita por todas as presas, que passaram a receber dois lençóis brancos nos horários de orações, para cobrir o corpo e a cabeça". Afinal, se a preocupação incial era a segurança dos carcereiros, a solução encontrada é um tanto tosca, já que umvéu islâmico é muito mais curto do que qualquer lençol de presídio. Até dos lençóis dos presídios brasileiros, imagino eu.

Também, pudera! Em um país que fazer "ensaio sensual" ficou quase tão banal quanto fazer álbum de festa de quinze anos, reivindicações como esta em que mulheres reclamam mais panos para se cobrir acabam sendo vistas com muita suspeição. Enfim, com ou sem lençol na cabeça, faço votos de que Alá as escute em suas preces mais elevadas. E para quem achava que o islamismo no Brasil estava historicamente em danças dramáticas como a Cavalhada, em que se encena a conversão dos mouros pelos cristãos, está passando da hora de rever suas ideias para entender a nova realidade (multi)cultural deste país.

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