UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Arroz aos porcos!

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Arroz aos porcos!

Se o problema do crescimento da obesidade entre populações de baixa renda já nos fez rever conceitos pré-estabelecidos sobre o padrão de alimentação nacional (http://cronicasdejuvenal.blogspot.com/2011/08/disseram-que-eu-voltei-americanizada.html), eis que o tema da alimentação nos convida mais uma vez ao exame de prioridades nacionais. Desta vez, o foco da atenção é o auxílio que será oferecido pelo poder público aos produtores de arroz no Rio Grande do Sul.

Notícia publicada hoje na Folha Online anuncia que "na tentativa de salvar a economia de partes do Sul do país, o governo federal vai começar a direcionar o arroz produzido para a alimentação de animais" (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/960824-para-segurar-preco-arroz-e-dado-aos-animais.shtml; mas já vou logo avisando que a íntegra da matéria está disponível apenas para assinantes).

Que o governo federal queira ajudar os arrozeiros, que afirmam sofrer com o ônus das supersafras e ver o preço do seu produto rebaixado para um nível abaixo do preço de custo pelo mercado, vá lá. E que o governo federal pareça estar preocupado com a saúde das aves e suínos deste país, ainda é aceitável.

Mas daí a querer presentear a indústria de aves e suínos com o arroz comprado com o dinheirinho suado dos nossos impostos, aí já é demais! O negócio é mais feio do que parece: segundo a Folha, dos R$ 60 milhões que o governo federal vai investir até o final deste mês, uma parte deles será destinada à compra de "um total de 500 mil toneladas" a ser "ofertado para indústrias de aves e suínos".

O problema não reside, a meu ver, na ajuda estatal aos produtores (isto, claro, se partirmos do pressuposto de que existe boa-fé na estipulação do preço de custo). O problema maior é o destino do arroz.

Para quem não sabe ou anda com a memória fraca, a erradicação da fome e da pobreza extrema até 2015 é um dos objetivos fixados pelo governo brasileiro para o Terceiro Milênio junto a instâncias internacionais (http://www.pnud.org.br/odm/objetivo_1/). Dentre os indicadores utilizados para se avaliar se o objetivo foi alcançado (ou não) estão: a) disponibilidade de kcal para consumo da população; b) prevalência de crianças (com menos de 2 anos de idade) abaixo do peso, por Regiões; c) prevalência de adultos (20 anos ou mais de idade) abaixo do peso.

Ora, em um país que, em 2008, possuía 8,9 milhões de brasileiros "com renda domiciliar inferior a US$ 1,25 por dia" (dados do PNUD), o custo do quilo de arroz tem impacto direto nesses três indicadores. Assim sendo, dar arroz para os porcos - com todo o respeito que tenho pelos mesmos - é mais do que um luxo: é uma inversão de prioridades. E nem precisa ter uma imaginação muito poderosa para pensar em um destino mais austero para tanto arroz: merenda escolar, por exemplo, seria um destino mais que razoável.

E já que estamos falando de metas difíceis de serem cumpridas, aqui vai mais uma: a Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE) alerta que, para o governo federal cumprir as metas do Novo Plano Nacional de Educação, "serão precisos R$ 100 bilhões a mais do que o previsto" para todo o decênio (http://oglobo.globo.com/educacao/mat/2011/08/17/para-cumprir-metas-do-novo-pne-serao-precisos-100-bilhoes-mais-do-que-preve-mec-diz-estudo-925144157.asp#ixzz1VJrElFGc). Ou seja, para se alcançar o patamar desejado, seria necessário destinar 10% do PIB, e não os atuais 7%, para a educação.

Diante da discrepância entre a realidade concreta e as metas estabelecidas, fica aqui uma nítida impressão: porcos e aves gordinhos e saudáveis, porque alimentados com arroz, serão os melhores candidatos a se sentarem nos bancos escolares nos próximos dez anos. E há quem diga que o que é do homem, o bicho não come!

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