UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Grandezas em perspectiva

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Grandezas em perspectiva

Engraçado. Pode até ser cisma de baixinho, mas sempre que os jornais resolvem registrar coisas fora da grandeza regular, eles normalmente privilegiam o tema pelo viés da superação: de tamanho, de peso e de distância. Mas nem sempre o final é feliz!

Se nos fiarmos em duas notícias publicadas hoje no jornal online Hoje em Dia, o grande pode virar facilmente sinônimo de grotesco. De um lado, tinha uma notícia exibindo a foto do que seria um rato de proporções estarrecedoras - 1 metro e meio de cumprimento, incluindo o rabo - e que fora achado no Brooklyn, em Nova Iorque (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/rato-monstro-e-encontrado-em-jardim-dos-eua-1.333612).

De outro lado, tinha também outra notícia exibindo foto de um sapo gigante achado na Malásia e que pesaria algo em torno de 20 kg, "o que é praticamente o tamanho de uma criança de quatro anos" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/sapo-gigante-de-20-quilos-aterroriza-malasia-1.333881).

Em ambos os casos, a morte foi o preço pago por ser uma excessão à regra: o roedor da primeira notícia terminou os seus dias na ponta do ancinho do jardineiro, enquanto o batráquio da segunda foi supostamente comido pelo seu descobridor.

Mas esta não é única forma de abordar coisas, fatos ou eventos de proporções aumentadas no noticiário cotidiano. Outra façanha envolvendo grandeza foi registrada na Folha Online, ainda que desta vez, o "objeto" não nos seja visível a olho nu: a descoberta, feita por uma equipe de astrônomos da Universidade La Serena, no Chile, de duas estrelas de proporções gigantescas, cuja massa é 80 vezes maior do que a do nosso sol (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/967252-astronomo-brasileiro-acha-estrelas-com-massa-de-80-sois.shtml).

Batizados de WR20aa e WR20c, os astros são raros por outros motivos também: "O que os cientistas não esperavam era encontrar essa dupla de estrelas isolada na galáxia. Como esse tipo de estrela vive pouco (alguns milhões de anos), em geral elas não têm tempo de se distanciar de onde se formaram". As duas estrelas constituem, portanto, aquilo que os astrônomos qualificam de "runaways": isto é, "objetos estelares que viajam a uma grande velocidade e se distanciam cada vez mais de onde nasceram".

Os três exemplos convidam a pensar, a partir de pontos de vista diferentes, no tratamento conferido a uma determinada classe de pessoas cujo talento se sobressai do seu entorno, quer seja pela sua grandeza, quer ser pela sua raridade, mas que são geralmente discriminadas em seu cotidiano pelas razões mais diversas: idade, origem, raça, gênero, preferências de toda ordem.

Uma das formas de tratamento emerge quando um ser humano supera seus congêneres ou então as expectativas que são criadas com relação a ele próprio em seu entorno social. Geralmente, em um ambiente organizacional em que práticas discriminatórias fazem parte do cardápio do dia, grandes talentos são desperdiçados com desfechos trágicos muito semelhantes ao daqueles dois animais de grande porte: ou se sacrifica a presa na ponta de um ancinho de inveja, já que o ser em questão traz consigo algo que outros anseiam, mas não conseguem alcançar pelos próprios méritos; ou se mata o bicho para comer sua carne, o que equivale, metaforicamente falando, numa tentativa vã de apropriação das suas características essenciais.

Vista a partir de outra perspectiva, e um pouco mais raros, estão os grandes talentos que conseguem sobreviver e progredir na condição de "runaways": estrelas que partem em disparada para crescer em outro lugar, distribuindo a sua luz a quem de direito. Com alguma sorte, estrelas dessa magnitude conseguem encontrar comparsas na mesma condição, potencializando seu talento em alcance e desdobramentos práticos.

Bem, ainda que a segunda solução seja a que mais favorece a sobrevivência dos grandes talentos, não se pode deixar de questionar o preço pago pelas pessoas portadoras de necessidades especiais ou, ainda, aquelas que são alvo de discriminações de toda sorte. Muitas vezes, a expectativa que o entorno social tem desses grupos é tão baixa que a trajetória delas acaba em um círculo vicioso: elas deixam de ter acesso a recursos porque são consideradas menores ou menos importantes; e quando elas contrariam expectativas que lhe são impostas, o "reconhecimento" é dado sob a forma de punição.

Certamente, a vida das "runaways", essas estrelonas donas de luz própria, não deixa de ser sofrida: o distanciamento de suas origens é apenas um dos preços a pagar pela sua própria sobrevivência. E não é todo dia que as "runaways" são encontradas aos bandos. A regra que prima é a da solidão, não a da partilha.

Minha sensação de esses três exemplos nos ajudariam a refletir não só sobre as expectativas que nós mesmos nutrimos com relação às pessoas que saem corriqueiramente dos padrões de "normalidade" socialmente criados. Esses exemplos convidam a pensar também sobre as condições de acesso e aprimoramento que abrimos em determinadas circunstâncias, sem levar em consideração uma diversidade de talentos e grandezas que se espalham pelo mundo afora. Fica aqui a dica. Que tem olhos para ver, que veja. Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça.

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