UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Viés na amostra

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Viés na amostra

É muito comum vermos, no noticiário cotidiano, certas conclusões sendo tiradas tendo como base a interpretação de dados mais ou menos estatisticamente significativos. Mas muito comum também é vermos certas matérias veicularem conclusões parciais, generalizadas a partir de um universo restrito, com pouca representatividade da realidade à qual tais conclusões remetem.

Exemplo provocador de generalização indevida foi veiculado hoje na Folha Online. Sob o atraente título de "Pesquisa mostra febre romântica entre os homens", a matéria comenta dados levantados pelo site de encontros "Par Perfeito" sobre comportamento e preferências de homens e mulheres (http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/964697-pesquisa-mostra-febre-romantica-entre-os-homens.shtml). Com base em uma amostra de 18 mil respondentes, "a pesquisa mostra uma mudança no comportamento do homem", de acordo com os dizeres do presidente do site de relacionamento, Claudio Gandelman.

Para chegar a esta conclusão, a pesquisa toma como premissa alguns indicadores de mais "romantismo" entre os homens: 1) duração ideal de um casamento: "Enquanto 59% deles acham que o casamento dura para sempre, 51% das mulheres pensam assim"; 2) desejo de ter filhos: "67% dos homens querem ter filhos, contra 43% das mulheres; 16% deles e 32% delas não querem ter"; 3) realização de programas individuais: "Quase a metade dos homens (46%) disse não fazer questão de programas individuais quando está namorando (contra 35% das mulheres)".

Antes de discutir sequer a pertinência dos resultados, duas informações básicas nos ajudam a matar a xarada. A primeira crítica tem a ver com a representatividade da amostra: a própria matéria informa que a pesquisa foi feita entre os usuários do site, o que, em si, já indica uma pré-seleção importante da amostra. A segunda é um desdobramento da anterior e tem a ver com o perfil do usuário: "praticamente todos os usuários (99% dos homens e 98% das mulheres) se acham românticos e a maioria procura relacionamento sério".

Trocando em miúdinhos: não precisa nem ir muito longe para perceber que a argumentação de representatividade é frágil. Primeiro, porque o próprio site já pré-seleciona o perfil dos usuários de acordo com os objetivos aos quais se presta (afinal, ele é um site de encontros). Em segundo lugar, a suposta diferença nas estatísticas entre mulheres e homens também pode estar relacionada ao perfil das mulheres que buscam sites de encontro - o que não significa, necessariamente, que estas mulheres tenham o mesmo perfil do universo da população feminina. Talvez, como o próprio presidente do site conclui, o próprio ambiente de encontros virtuais favoreça um determinado perfil de mulheres, "mais práticas, imediatistas" (os termos são dele, não meus).

No final das contas, o máximo que os dados permitem concluir é que se estes indicadores forem mesmo representativos do perfil do homem romântico (polêmica que não quero encarar no dia de hoje), uma quantidade razoável dos seus representantes estão naquele site.

Em contrapartida, uma outra notícia publicada no jornal Hoje em Dia online revela outras mazelas da interpretação interpretação estatística. Aqui, temos um caso típico em que um comportamento desviante passa a favorecer justamente "presas" com pouca "representatividade" estatística.

Mulher de 22 anos, grávida de oito meses, foi presa em flagrante conduzindo 125 kg de drogas ilícitas no carro (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/2.349/gravida-de-8-meses-e-presa-com-125-quilos-de-drogas-1.331425). Viajando sozinha até o Rio de Janeiro, a mulher em questão foi abordada por uma blitz da Polícia da Polícia Rodoviária Federal, no interior de São Paulo. "No banco traseiro e no porta-malas do veículo ela espalhou diversos brinquedos para tentar driblar uma eventual fiscalização. Após retirar os brinquedos, os policiais encontraram 25,1 quilos de cocaína pura e 101 quilos de mistura para a droga (bicarbonato, cafeína, lidocaína, etc.)".

A lógica da pouca "representividade" do universo criminoso, aqui usada como álibi pela mulher grávida, acabou sendo invertida pelos policiais: afinal, se eles acreditassem piamente nas aparências, não teriam parado o carro e revistado seu interior. Fato é que a estatística só veio a complicar a vida da fulana: contra sua pouca "representatividade" do universo dos marginais, pesou contra ela o princípio da "aleatoriedade" da seleção dos possíveis revistados.

No entanto, o flagrante não inviabiliza o raciocínio que está por trás do uso de pessoas para "além de qualquer suspeita" como mulas do tráfico. Ao contrário: o fato de mais e mais velhinhas e mulheres grávidas estarem sendo pêgas com a boca na botija só vem a confirmar a premissa de que pessoas com estas características levantam, geralmente, menos suspeitas do que homens em idade entre 20 e 45 anos.

Enfim, diante de tantas mazelas estatísticas, quem saiu ganhando mesmo foi o presidente do site "Par Perfeito", ao conseguir a atenção midiática que precisava para atrair mais adeptos ao seu site. Moças casadoiras desse meu Brasil: corram para o site "Par Perfeito" e nunca contem com a sorte em blitz. Nem quando engravidarem!

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