Duas notícias hoje me fizeram pensar o quanto se pode chover no molhado, isto é: repetir em tom de novidade algo que não passa de um lugar-comum. É a lógica do famoso "segredo de Polichinelo": o bufão finge que grita um segredo e a gente finge que nunca ouviu antes.
A primeira dessas notícias replica declarações concedidas pelo Deputado Federal mais votado nas últimas eleições, o Sr. Tiririca, à Coluna da Mônica Bergamo (http://www1.folha.uol.com.br/poder/958001-tiririca-diz-que-camara-e-uma-fabrica-de-loucos.shtml). Tiririca avalia seus primeiros seis meses de mandato com uma série de lugares-comuns (com os quais não concordo necessariamente) sobre a atuação dos representantes da Câmara: deputado federal "é uma pessoa que trabalha muito e produz muito pouco", que as sessões atravessa a madrugada em discussões em que "ninguém escuta ninguém" e que a Câmara é "uma fábrica de loucos". Nossa, obrigada pela informação! Nunca tinha ouvido nada parecido!!!
O problema de declarações dessa natureza é que elas acabam respingando no seu próprio emissor. Fica aqui então minha pergunta para o nobre deputado Tiririca: em que medida a sua atuação parlamentar serviu para aumentar os níveis de discutibilidade entre os deputados? Infelizmente, a notícia não nos antecipou nenhuma sombra de resposta, alertando que a íntegra da coluna está disponível apenas para assinantes. Sorte (ou azar?) o deles!
A outra notícia replica achados de uma pesquisa liderada pelo pesquisador Craig Packer, da Universidade de Minnesota (EUA), e que foi publicada na Revista "PLoS ONE" (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/958041-leoes-tendem-a-atacar-mais-quando-luar-enfraquece.shtml).
Pelo que a matéria sugere (mais não afirma explicitamente), a pesquisa levou em consideração dados estatísticos dos ataques de leões a seres humanos na Tanzânia - mais de mil tanzanianos fora atacados entre 1988 e 2009, dois terços dos quais foram ataques fatais - além da frequência dos ataques de acordo com a fase da lua e da circunferência do abdômen dos leões antes e depois da lua cheia.
Dois achados da pesquisa me pareceram de uma evidência estarrecedora: em primeiro lugar, que "a vasta maioria das vítimas foi atacada depois de escurecer"; em segundo lugar, que "os leões são mais perigosos quando a luz da Lua está fraca", ou seja: na lua nova. Que surpresa! Quanto menor a visibilidade do predador, maior o maior perigo para a presa. E a conclusão vem seguida de um loooongo bocejo.
Coitadinho do pesquisador... Se ele soubesse que esse comportamento dos felinos já havia sido cantado em prosa e verso na canção "Arrumação", canção na qual o compositor Elomar narra poeticamente a morte do bode Seda Branca por uma onça sussuarana: "Lua nova sussarana vai passá/Sêda branca, na passada ela levô/Ponta d'unha, lua fina risca o céu/A onça prisunha, a cara de réu/O pai do chiquêro a gata comeu".
Claro, talvez tudo isso não passe de um problema de inacessibilidade de informações à pessoa certa, no momento certo: se, por um lado, Elomar não canta na língua do pesquisador da Universidade de Minnesota, por outro, o Sr. deputado Tiririca teve que suar para provar que sabe ler e escrever para então tomar posse do seu cargo. Para solucionar a primeira lacuna, bastaria o envio de um arquivo em mp3 com uma tradução da letra. Já para a segunda...
A autora criou esse blog para divagar sobre o que lê diariamente nos jornais, com foco principalmente (mas não exclusivamente) na cobertura diária de ciência. Suas principais armas são a ironia de inspiração machadiana e um computador bacaninha (ela tirou o escorpião do bolso e comprou um de verdade). Ao citar alguma passagem, por favor, dê créditos para a autora: até para as grandes bobagens o direito autoral é inalienável.
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