UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: O sacrifício das galinhas

terça-feira, 16 de agosto de 2011

O sacrifício das galinhas

Nossas melhores amigas penosas - as galinhas - roubaram a cena em dois momentos cruciais no noticiário da Folha Online de hoje.

De um lado, temos uma cena hilária, registrada pelas lentes do fotógrafo Dwi Oblo, da Agência Reuters: a fotografia mostra galinha em fuga do seu sacrifício à beira da cratera do vulcão Monte Bromo, na Ilha de Java, na Indonésia (http://f5.folha.uol.com.br/bichos/959796-galinha-foge-ao-ser-oferecida-em-sacrificio-a-vulcao.shtml). Digna de um prêmio Pulitzer, a cena capta o momento exato em que um galinha branca bate suas asas para fugir de uma dúzia de pessoas que, prostradas de joelhos, tentam a todo custo impedir sua fuga.

No entanto, não é a cena em si, mas o texto que acompanha a foto, que denota o pleno sucesso da galinha na sua tentativa de evasão. Ou seja, a cena é muito mais eloqüente ao retratar o desespero daqueles que se preparavam para oferecê-la em sacrifício. Ora, sabemos que um sacrifício só funciona quando abrimos mão de algo em prol de outra coisa. A cena da fuga da galinha nos convida, portanto, a pensar não só nos sacrifícios diários, mas no que seria de nós se os "objetos" que viabilizam nossos sacrifícios se rebelassem e recusassem a nossa troca.

A outra notícia que coloca as galinhas sob os holofotes da mídia, mesmo que em um sentido estritamente figurado, é a entrevista com o biólogo americano, Thomas Lovejoy, a Folha (http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/960185-amazonia-e-a-galinha-dos-ovos-de-ouro-do-agronegocio-diz-biologo.shtml). Intitulada "Amazônia é a galinha dos ovos de outro do agronegócio, diz biológo", as conclusões centrais da entrevista são sintetizadas pela jornalista Anna Virginia Balloussier logo nas primeiras linhas: "O agronegócio sairia ganhando se visse a Amazônia como galinha dos ovos de ouro. Se a floresta morre, as chuvas na região secam, e o lucro evapora junto".

A entrevista - que toca rapidamente em tópicos-chave como o desmatamento, o código florestal, a atuação do governo Dilma na proteção da Amazônia e em outros tabus como a divisão internacional da proteção da Floresta Amazônica (os quais opto por não discutir nos limites deste breve comentário sobre galinhas) - culmina, a meu ver, na resposta dada pelo biólogo à seguinte pergunta: "O sr. conhece a senadora Kátia Abreu, uma das vozes da bancada ruralista?". Ao que ele responde: "Não conheço, mas diria a ela: Você precisa tomar cuidado para não matar a galinha dos ovos de ouro. E o ovo de ouro é a chuva".

Metaforicamente falando, a cena da galinha rebelde à beira do vulcão do Monte Bromo é muito fidedigna ao dilema da floresta amazônica, que vive seus dias de galinha à beira do sacrifício. Só que muito mais do que uma reles galinha, a floresta também bota ovos de ouro. Pouco importa! A bancada ruralista, ali representada de joelhos, permanece à beira do vulcão, ávida de lucros e prosperidade econômica.

Um exemplo de como os ovos de ouro da região amazônica tem virado omelete em beira de vulcão? Basta dar uma olhada nas últimas previsões realizadas pelo Instituto Nacional de Metereologia (Inmet), que alerta para as baixas na humidade relativa do ar no Amazonas. "Os índices por lá estão abaixo de 30%, situação igual, de acordo com o instituto, teria sido registrada naquele estado há mais de 100 anos" (http://www.hojeemdia.com.br/minas/tempo-seco-deixa-belo-horizonte-com-clima-de-deserto-1.326599).

O problema, como lembra o biólogo americano, é que essa quebra de recordes nas baixas taxas de humidade relativa do ar não favorece ninguém, nem mesmo o agronegócio, que precisa das chuvas para prosperar. Uma possível saída para o dilema da floresta amazônica é acreditar que, um dia, ela vai poder se rebelar sozinha. Uma outra saída, mais política e menos messiânica, é não esperar que a galinha rebelde bata asas e ganhe a liberdade por sua própria conta. Afinal, em um mundo de tantos sacrifícios mesquinhos, será que cabe somente à galinha impedir que sua imolação seja consumada?

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