Defesa civil alertou para rajadas de vento que ocorreram hoje aqui na Roça Grande (http://www.hojeemdia.com.br/minas/defesa-civil-alerta-para-rajadas-de-vento-em-belo-horizonte-1.334502). Estima-se que os ventos tenham alcançado 40km/h.
E eu me pergunto: mas para onde será que eles me levaram, que eu nem consegui escrever meu comentário do dia?
Prometo fazer melhor amanhã!
A autora criou esse blog para divagar sobre o que lê diariamente nos jornais, com foco principalmente (mas não exclusivamente) na cobertura diária de ciência. Suas principais armas são a ironia de inspiração machadiana e um computador bacaninha (ela tirou o escorpião do bolso e comprou um de verdade). Ao citar alguma passagem, por favor, dê créditos para a autora: até para as grandes bobagens o direito autoral é inalienável.
quarta-feira, 31 de agosto de 2011
terça-feira, 30 de agosto de 2011
Grandezas em perspectiva
Engraçado. Pode até ser cisma de baixinho, mas sempre que os jornais resolvem registrar coisas fora da grandeza regular, eles normalmente privilegiam o tema pelo viés da superação: de tamanho, de peso e de distância. Mas nem sempre o final é feliz!
Se nos fiarmos em duas notícias publicadas hoje no jornal online Hoje em Dia, o grande pode virar facilmente sinônimo de grotesco. De um lado, tinha uma notícia exibindo a foto do que seria um rato de proporções estarrecedoras - 1 metro e meio de cumprimento, incluindo o rabo - e que fora achado no Brooklyn, em Nova Iorque (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/rato-monstro-e-encontrado-em-jardim-dos-eua-1.333612).
De outro lado, tinha também outra notícia exibindo foto de um sapo gigante achado na Malásia e que pesaria algo em torno de 20 kg, "o que é praticamente o tamanho de uma criança de quatro anos" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/sapo-gigante-de-20-quilos-aterroriza-malasia-1.333881).
Em ambos os casos, a morte foi o preço pago por ser uma excessão à regra: o roedor da primeira notícia terminou os seus dias na ponta do ancinho do jardineiro, enquanto o batráquio da segunda foi supostamente comido pelo seu descobridor.
Mas esta não é única forma de abordar coisas, fatos ou eventos de proporções aumentadas no noticiário cotidiano. Outra façanha envolvendo grandeza foi registrada na Folha Online, ainda que desta vez, o "objeto" não nos seja visível a olho nu: a descoberta, feita por uma equipe de astrônomos da Universidade La Serena, no Chile, de duas estrelas de proporções gigantescas, cuja massa é 80 vezes maior do que a do nosso sol (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/967252-astronomo-brasileiro-acha-estrelas-com-massa-de-80-sois.shtml).
Batizados de WR20aa e WR20c, os astros são raros por outros motivos também: "O que os cientistas não esperavam era encontrar essa dupla de estrelas isolada na galáxia. Como esse tipo de estrela vive pouco (alguns milhões de anos), em geral elas não têm tempo de se distanciar de onde se formaram". As duas estrelas constituem, portanto, aquilo que os astrônomos qualificam de "runaways": isto é, "objetos estelares que viajam a uma grande velocidade e se distanciam cada vez mais de onde nasceram".
Os três exemplos convidam a pensar, a partir de pontos de vista diferentes, no tratamento conferido a uma determinada classe de pessoas cujo talento se sobressai do seu entorno, quer seja pela sua grandeza, quer ser pela sua raridade, mas que são geralmente discriminadas em seu cotidiano pelas razões mais diversas: idade, origem, raça, gênero, preferências de toda ordem.
Uma das formas de tratamento emerge quando um ser humano supera seus congêneres ou então as expectativas que são criadas com relação a ele próprio em seu entorno social. Geralmente, em um ambiente organizacional em que práticas discriminatórias fazem parte do cardápio do dia, grandes talentos são desperdiçados com desfechos trágicos muito semelhantes ao daqueles dois animais de grande porte: ou se sacrifica a presa na ponta de um ancinho de inveja, já que o ser em questão traz consigo algo que outros anseiam, mas não conseguem alcançar pelos próprios méritos; ou se mata o bicho para comer sua carne, o que equivale, metaforicamente falando, numa tentativa vã de apropriação das suas características essenciais.
Vista a partir de outra perspectiva, e um pouco mais raros, estão os grandes talentos que conseguem sobreviver e progredir na condição de "runaways": estrelas que partem em disparada para crescer em outro lugar, distribuindo a sua luz a quem de direito. Com alguma sorte, estrelas dessa magnitude conseguem encontrar comparsas na mesma condição, potencializando seu talento em alcance e desdobramentos práticos.
Bem, ainda que a segunda solução seja a que mais favorece a sobrevivência dos grandes talentos, não se pode deixar de questionar o preço pago pelas pessoas portadoras de necessidades especiais ou, ainda, aquelas que são alvo de discriminações de toda sorte. Muitas vezes, a expectativa que o entorno social tem desses grupos é tão baixa que a trajetória delas acaba em um círculo vicioso: elas deixam de ter acesso a recursos porque são consideradas menores ou menos importantes; e quando elas contrariam expectativas que lhe são impostas, o "reconhecimento" é dado sob a forma de punição.
Certamente, a vida das "runaways", essas estrelonas donas de luz própria, não deixa de ser sofrida: o distanciamento de suas origens é apenas um dos preços a pagar pela sua própria sobrevivência. E não é todo dia que as "runaways" são encontradas aos bandos. A regra que prima é a da solidão, não a da partilha.
Minha sensação de esses três exemplos nos ajudariam a refletir não só sobre as expectativas que nós mesmos nutrimos com relação às pessoas que saem corriqueiramente dos padrões de "normalidade" socialmente criados. Esses exemplos convidam a pensar também sobre as condições de acesso e aprimoramento que abrimos em determinadas circunstâncias, sem levar em consideração uma diversidade de talentos e grandezas que se espalham pelo mundo afora. Fica aqui a dica. Que tem olhos para ver, que veja. Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça.
Se nos fiarmos em duas notícias publicadas hoje no jornal online Hoje em Dia, o grande pode virar facilmente sinônimo de grotesco. De um lado, tinha uma notícia exibindo a foto do que seria um rato de proporções estarrecedoras - 1 metro e meio de cumprimento, incluindo o rabo - e que fora achado no Brooklyn, em Nova Iorque (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/rato-monstro-e-encontrado-em-jardim-dos-eua-1.333612).
De outro lado, tinha também outra notícia exibindo foto de um sapo gigante achado na Malásia e que pesaria algo em torno de 20 kg, "o que é praticamente o tamanho de uma criança de quatro anos" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/sapo-gigante-de-20-quilos-aterroriza-malasia-1.333881).
Em ambos os casos, a morte foi o preço pago por ser uma excessão à regra: o roedor da primeira notícia terminou os seus dias na ponta do ancinho do jardineiro, enquanto o batráquio da segunda foi supostamente comido pelo seu descobridor.
Mas esta não é única forma de abordar coisas, fatos ou eventos de proporções aumentadas no noticiário cotidiano. Outra façanha envolvendo grandeza foi registrada na Folha Online, ainda que desta vez, o "objeto" não nos seja visível a olho nu: a descoberta, feita por uma equipe de astrônomos da Universidade La Serena, no Chile, de duas estrelas de proporções gigantescas, cuja massa é 80 vezes maior do que a do nosso sol (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/967252-astronomo-brasileiro-acha-estrelas-com-massa-de-80-sois.shtml).
Batizados de WR20aa e WR20c, os astros são raros por outros motivos também: "O que os cientistas não esperavam era encontrar essa dupla de estrelas isolada na galáxia. Como esse tipo de estrela vive pouco (alguns milhões de anos), em geral elas não têm tempo de se distanciar de onde se formaram". As duas estrelas constituem, portanto, aquilo que os astrônomos qualificam de "runaways": isto é, "objetos estelares que viajam a uma grande velocidade e se distanciam cada vez mais de onde nasceram".
Os três exemplos convidam a pensar, a partir de pontos de vista diferentes, no tratamento conferido a uma determinada classe de pessoas cujo talento se sobressai do seu entorno, quer seja pela sua grandeza, quer ser pela sua raridade, mas que são geralmente discriminadas em seu cotidiano pelas razões mais diversas: idade, origem, raça, gênero, preferências de toda ordem.
Uma das formas de tratamento emerge quando um ser humano supera seus congêneres ou então as expectativas que são criadas com relação a ele próprio em seu entorno social. Geralmente, em um ambiente organizacional em que práticas discriminatórias fazem parte do cardápio do dia, grandes talentos são desperdiçados com desfechos trágicos muito semelhantes ao daqueles dois animais de grande porte: ou se sacrifica a presa na ponta de um ancinho de inveja, já que o ser em questão traz consigo algo que outros anseiam, mas não conseguem alcançar pelos próprios méritos; ou se mata o bicho para comer sua carne, o que equivale, metaforicamente falando, numa tentativa vã de apropriação das suas características essenciais.
Vista a partir de outra perspectiva, e um pouco mais raros, estão os grandes talentos que conseguem sobreviver e progredir na condição de "runaways": estrelas que partem em disparada para crescer em outro lugar, distribuindo a sua luz a quem de direito. Com alguma sorte, estrelas dessa magnitude conseguem encontrar comparsas na mesma condição, potencializando seu talento em alcance e desdobramentos práticos.
Bem, ainda que a segunda solução seja a que mais favorece a sobrevivência dos grandes talentos, não se pode deixar de questionar o preço pago pelas pessoas portadoras de necessidades especiais ou, ainda, aquelas que são alvo de discriminações de toda sorte. Muitas vezes, a expectativa que o entorno social tem desses grupos é tão baixa que a trajetória delas acaba em um círculo vicioso: elas deixam de ter acesso a recursos porque são consideradas menores ou menos importantes; e quando elas contrariam expectativas que lhe são impostas, o "reconhecimento" é dado sob a forma de punição.
Certamente, a vida das "runaways", essas estrelonas donas de luz própria, não deixa de ser sofrida: o distanciamento de suas origens é apenas um dos preços a pagar pela sua própria sobrevivência. E não é todo dia que as "runaways" são encontradas aos bandos. A regra que prima é a da solidão, não a da partilha.
Minha sensação de esses três exemplos nos ajudariam a refletir não só sobre as expectativas que nós mesmos nutrimos com relação às pessoas que saem corriqueiramente dos padrões de "normalidade" socialmente criados. Esses exemplos convidam a pensar também sobre as condições de acesso e aprimoramento que abrimos em determinadas circunstâncias, sem levar em consideração uma diversidade de talentos e grandezas que se espalham pelo mundo afora. Fica aqui a dica. Que tem olhos para ver, que veja. Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça.
segunda-feira, 29 de agosto de 2011
Cão na linha
Nada como a Justiça brasileira para ir na contramão de todas as teses catastróficas de que o mundo vai acabar em breve porque está girando mais rápido. Chamada no topo da página do O Globo online no início desta tarde de segunda-feira me fez rir muito: "Justiça Brasileira ficou mais lenta em 2010". O lead explica tudo (ou quase tudo): "taxa de congestionamento chegou a 70%, contra 67% em 2009, revela CNJ" (http://oglobo.globo.com/).
Mas basta entrar na página da notícia para se ter certeza absoluta de que catástrofe e lentidão também podem andar de de mãos dadas: "Levantamento divulgado nesta segunda-feira pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que, a cada 100 processos que chegaram ao Judiciário em 2010, 70 ficaram por mais de um ano aguardando decisão" (http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/08/29/pesquisa-do-cnj-revela-que-sete-em-cada-dez-processos-aguardam-decisao-da-justica-925234769.asp#ixzz1WR5t1A8m). Se quiserem saborear mais dados sobre este pequeno "armagedom" que acontece todos os anos, aqui vai mais uma amostra-grátis: "Em todo o Judiciário, havia, em 2010, 59,2 milhões de processos aguardando julgamento nos tribunais brasileiros". Ufa!
Mas a descrição do estado calamitoso que grassa no Poder Judiciário não se esgota nessas maltraçadas linhas e até nas ressalvas que faz, a matéria publicada no O Globo online é temperada de desesperança. É que logo após revelar que a taxa de congestionamento das execuções fiscais chegava a 91% (!!!), uma suposta "boa notícia" é anunciada: "Apesar da má notícia, há um dado alentador: pela primeira vez, desde 2004, os tribunais brasileiros receberam menos processos em relação ao ano anterior".
E por que a notícia não é necessariamente boa? Bem, se pensarmos que as "prisões subiram 315% com a Lei Maria da Penha" (http://www.hojeemdia.com.br/minas/agressor-de-mulher-sera-vigiado-por-tornozeleira-1.333015), então acredito que o mesmo raciocínio possa ser extrapolado para a dinâmica do Judiciário como um todo. Isto é, o aumento do número de processos pode ser um sintoma de mudanças mais gerais, relacionadas, entre outras coisas, com alterações no quadro jurídico (vide Lei Maria da Penha), aumento da conscientização e da informação pertinentes aos afetados, aumento da confiança das pessoas nas instituições (pois se tem gente que acredita em gnomo...), etc, etc. Todos estes fatores podem ser indícios de amadurecimento institucional em um contexto democrático. O que me leva a crer que a queda no número de processos só pode ser comemorada se estreitarmos muito a viseira e nos ativermos estritamente ao problema das "taxas de congestionamento".
Bom, já que até a "boa notícia" do dia pode não ser lá tão boa assim, o que nos resta ainda como consolo nessa tarde de segunda-feira? Aqui vai uma dica: apesar dos atrasos e da lentidão provocados pela sua presença dos trilhos da linha de metrô Barra Funda-Itaquera, em São Paulo, o cachorro-kamikase acaba de ser retirado de lá com vida: "A energia dos trilhos foi desligada e a circulação de trens interrompida para o resgate do cão, que não ficou ferido" (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/966902-cachorro-nos-trilhos-provoca-atrasos-no-metro-de-sp.shtml).
Moral do dia: se há alguma coisa para se celebrar na iminência desses atrasos que ocorrem todos os dias na nossa vida, então pelo menos que seja algo em prol da conservação de uma vida. E mesmo que isto custe ainda mais alguns congestionamentos adicionais ao longo do dia.
Mas basta entrar na página da notícia para se ter certeza absoluta de que catástrofe e lentidão também podem andar de de mãos dadas: "Levantamento divulgado nesta segunda-feira pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que, a cada 100 processos que chegaram ao Judiciário em 2010, 70 ficaram por mais de um ano aguardando decisão" (http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/08/29/pesquisa-do-cnj-revela-que-sete-em-cada-dez-processos-aguardam-decisao-da-justica-925234769.asp#ixzz1WR5t1A8m). Se quiserem saborear mais dados sobre este pequeno "armagedom" que acontece todos os anos, aqui vai mais uma amostra-grátis: "Em todo o Judiciário, havia, em 2010, 59,2 milhões de processos aguardando julgamento nos tribunais brasileiros". Ufa!
Mas a descrição do estado calamitoso que grassa no Poder Judiciário não se esgota nessas maltraçadas linhas e até nas ressalvas que faz, a matéria publicada no O Globo online é temperada de desesperança. É que logo após revelar que a taxa de congestionamento das execuções fiscais chegava a 91% (!!!), uma suposta "boa notícia" é anunciada: "Apesar da má notícia, há um dado alentador: pela primeira vez, desde 2004, os tribunais brasileiros receberam menos processos em relação ao ano anterior".
E por que a notícia não é necessariamente boa? Bem, se pensarmos que as "prisões subiram 315% com a Lei Maria da Penha" (http://www.hojeemdia.com.br/minas/agressor-de-mulher-sera-vigiado-por-tornozeleira-1.333015), então acredito que o mesmo raciocínio possa ser extrapolado para a dinâmica do Judiciário como um todo. Isto é, o aumento do número de processos pode ser um sintoma de mudanças mais gerais, relacionadas, entre outras coisas, com alterações no quadro jurídico (vide Lei Maria da Penha), aumento da conscientização e da informação pertinentes aos afetados, aumento da confiança das pessoas nas instituições (pois se tem gente que acredita em gnomo...), etc, etc. Todos estes fatores podem ser indícios de amadurecimento institucional em um contexto democrático. O que me leva a crer que a queda no número de processos só pode ser comemorada se estreitarmos muito a viseira e nos ativermos estritamente ao problema das "taxas de congestionamento".
Bom, já que até a "boa notícia" do dia pode não ser lá tão boa assim, o que nos resta ainda como consolo nessa tarde de segunda-feira? Aqui vai uma dica: apesar dos atrasos e da lentidão provocados pela sua presença dos trilhos da linha de metrô Barra Funda-Itaquera, em São Paulo, o cachorro-kamikase acaba de ser retirado de lá com vida: "A energia dos trilhos foi desligada e a circulação de trens interrompida para o resgate do cão, que não ficou ferido" (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/966902-cachorro-nos-trilhos-provoca-atrasos-no-metro-de-sp.shtml).
Moral do dia: se há alguma coisa para se celebrar na iminência desses atrasos que ocorrem todos os dias na nossa vida, então pelo menos que seja algo em prol da conservação de uma vida. E mesmo que isto custe ainda mais alguns congestionamentos adicionais ao longo do dia.
sexta-feira, 26 de agosto de 2011
Com o pé nas montanhas
quinta-feira, 25 de agosto de 2011
Viés na amostra
É muito comum vermos, no noticiário cotidiano, certas conclusões sendo tiradas tendo como base a interpretação de dados mais ou menos estatisticamente significativos. Mas muito comum também é vermos certas matérias veicularem conclusões parciais, generalizadas a partir de um universo restrito, com pouca representatividade da realidade à qual tais conclusões remetem.
Exemplo provocador de generalização indevida foi veiculado hoje na Folha Online. Sob o atraente título de "Pesquisa mostra febre romântica entre os homens", a matéria comenta dados levantados pelo site de encontros "Par Perfeito" sobre comportamento e preferências de homens e mulheres (http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/964697-pesquisa-mostra-febre-romantica-entre-os-homens.shtml). Com base em uma amostra de 18 mil respondentes, "a pesquisa mostra uma mudança no comportamento do homem", de acordo com os dizeres do presidente do site de relacionamento, Claudio Gandelman.
Para chegar a esta conclusão, a pesquisa toma como premissa alguns indicadores de mais "romantismo" entre os homens: 1) duração ideal de um casamento: "Enquanto 59% deles acham que o casamento dura para sempre, 51% das mulheres pensam assim"; 2) desejo de ter filhos: "67% dos homens querem ter filhos, contra 43% das mulheres; 16% deles e 32% delas não querem ter"; 3) realização de programas individuais: "Quase a metade dos homens (46%) disse não fazer questão de programas individuais quando está namorando (contra 35% das mulheres)".
Antes de discutir sequer a pertinência dos resultados, duas informações básicas nos ajudam a matar a xarada. A primeira crítica tem a ver com a representatividade da amostra: a própria matéria informa que a pesquisa foi feita entre os usuários do site, o que, em si, já indica uma pré-seleção importante da amostra. A segunda é um desdobramento da anterior e tem a ver com o perfil do usuário: "praticamente todos os usuários (99% dos homens e 98% das mulheres) se acham românticos e a maioria procura relacionamento sério".
Trocando em miúdinhos: não precisa nem ir muito longe para perceber que a argumentação de representatividade é frágil. Primeiro, porque o próprio site já pré-seleciona o perfil dos usuários de acordo com os objetivos aos quais se presta (afinal, ele é um site de encontros). Em segundo lugar, a suposta diferença nas estatísticas entre mulheres e homens também pode estar relacionada ao perfil das mulheres que buscam sites de encontro - o que não significa, necessariamente, que estas mulheres tenham o mesmo perfil do universo da população feminina. Talvez, como o próprio presidente do site conclui, o próprio ambiente de encontros virtuais favoreça um determinado perfil de mulheres, "mais práticas, imediatistas" (os termos são dele, não meus).
No final das contas, o máximo que os dados permitem concluir é que se estes indicadores forem mesmo representativos do perfil do homem romântico (polêmica que não quero encarar no dia de hoje), uma quantidade razoável dos seus representantes estão naquele site.
Em contrapartida, uma outra notícia publicada no jornal Hoje em Dia online revela outras mazelas da interpretação interpretação estatística. Aqui, temos um caso típico em que um comportamento desviante passa a favorecer justamente "presas" com pouca "representatividade" estatística.
Mulher de 22 anos, grávida de oito meses, foi presa em flagrante conduzindo 125 kg de drogas ilícitas no carro (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/2.349/gravida-de-8-meses-e-presa-com-125-quilos-de-drogas-1.331425). Viajando sozinha até o Rio de Janeiro, a mulher em questão foi abordada por uma blitz da Polícia da Polícia Rodoviária Federal, no interior de São Paulo. "No banco traseiro e no porta-malas do veículo ela espalhou diversos brinquedos para tentar driblar uma eventual fiscalização. Após retirar os brinquedos, os policiais encontraram 25,1 quilos de cocaína pura e 101 quilos de mistura para a droga (bicarbonato, cafeína, lidocaína, etc.)".
A lógica da pouca "representividade" do universo criminoso, aqui usada como álibi pela mulher grávida, acabou sendo invertida pelos policiais: afinal, se eles acreditassem piamente nas aparências, não teriam parado o carro e revistado seu interior. Fato é que a estatística só veio a complicar a vida da fulana: contra sua pouca "representatividade" do universo dos marginais, pesou contra ela o princípio da "aleatoriedade" da seleção dos possíveis revistados.
No entanto, o flagrante não inviabiliza o raciocínio que está por trás do uso de pessoas para "além de qualquer suspeita" como mulas do tráfico. Ao contrário: o fato de mais e mais velhinhas e mulheres grávidas estarem sendo pêgas com a boca na botija só vem a confirmar a premissa de que pessoas com estas características levantam, geralmente, menos suspeitas do que homens em idade entre 20 e 45 anos.
Enfim, diante de tantas mazelas estatísticas, quem saiu ganhando mesmo foi o presidente do site "Par Perfeito", ao conseguir a atenção midiática que precisava para atrair mais adeptos ao seu site. Moças casadoiras desse meu Brasil: corram para o site "Par Perfeito" e nunca contem com a sorte em blitz. Nem quando engravidarem!
Exemplo provocador de generalização indevida foi veiculado hoje na Folha Online. Sob o atraente título de "Pesquisa mostra febre romântica entre os homens", a matéria comenta dados levantados pelo site de encontros "Par Perfeito" sobre comportamento e preferências de homens e mulheres (http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/964697-pesquisa-mostra-febre-romantica-entre-os-homens.shtml). Com base em uma amostra de 18 mil respondentes, "a pesquisa mostra uma mudança no comportamento do homem", de acordo com os dizeres do presidente do site de relacionamento, Claudio Gandelman.
Para chegar a esta conclusão, a pesquisa toma como premissa alguns indicadores de mais "romantismo" entre os homens: 1) duração ideal de um casamento: "Enquanto 59% deles acham que o casamento dura para sempre, 51% das mulheres pensam assim"; 2) desejo de ter filhos: "67% dos homens querem ter filhos, contra 43% das mulheres; 16% deles e 32% delas não querem ter"; 3) realização de programas individuais: "Quase a metade dos homens (46%) disse não fazer questão de programas individuais quando está namorando (contra 35% das mulheres)".
Antes de discutir sequer a pertinência dos resultados, duas informações básicas nos ajudam a matar a xarada. A primeira crítica tem a ver com a representatividade da amostra: a própria matéria informa que a pesquisa foi feita entre os usuários do site, o que, em si, já indica uma pré-seleção importante da amostra. A segunda é um desdobramento da anterior e tem a ver com o perfil do usuário: "praticamente todos os usuários (99% dos homens e 98% das mulheres) se acham românticos e a maioria procura relacionamento sério".
Trocando em miúdinhos: não precisa nem ir muito longe para perceber que a argumentação de representatividade é frágil. Primeiro, porque o próprio site já pré-seleciona o perfil dos usuários de acordo com os objetivos aos quais se presta (afinal, ele é um site de encontros). Em segundo lugar, a suposta diferença nas estatísticas entre mulheres e homens também pode estar relacionada ao perfil das mulheres que buscam sites de encontro - o que não significa, necessariamente, que estas mulheres tenham o mesmo perfil do universo da população feminina. Talvez, como o próprio presidente do site conclui, o próprio ambiente de encontros virtuais favoreça um determinado perfil de mulheres, "mais práticas, imediatistas" (os termos são dele, não meus).
No final das contas, o máximo que os dados permitem concluir é que se estes indicadores forem mesmo representativos do perfil do homem romântico (polêmica que não quero encarar no dia de hoje), uma quantidade razoável dos seus representantes estão naquele site.
Em contrapartida, uma outra notícia publicada no jornal Hoje em Dia online revela outras mazelas da interpretação interpretação estatística. Aqui, temos um caso típico em que um comportamento desviante passa a favorecer justamente "presas" com pouca "representatividade" estatística.
Mulher de 22 anos, grávida de oito meses, foi presa em flagrante conduzindo 125 kg de drogas ilícitas no carro (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/2.349/gravida-de-8-meses-e-presa-com-125-quilos-de-drogas-1.331425). Viajando sozinha até o Rio de Janeiro, a mulher em questão foi abordada por uma blitz da Polícia da Polícia Rodoviária Federal, no interior de São Paulo. "No banco traseiro e no porta-malas do veículo ela espalhou diversos brinquedos para tentar driblar uma eventual fiscalização. Após retirar os brinquedos, os policiais encontraram 25,1 quilos de cocaína pura e 101 quilos de mistura para a droga (bicarbonato, cafeína, lidocaína, etc.)".
A lógica da pouca "representividade" do universo criminoso, aqui usada como álibi pela mulher grávida, acabou sendo invertida pelos policiais: afinal, se eles acreditassem piamente nas aparências, não teriam parado o carro e revistado seu interior. Fato é que a estatística só veio a complicar a vida da fulana: contra sua pouca "representatividade" do universo dos marginais, pesou contra ela o princípio da "aleatoriedade" da seleção dos possíveis revistados.
No entanto, o flagrante não inviabiliza o raciocínio que está por trás do uso de pessoas para "além de qualquer suspeita" como mulas do tráfico. Ao contrário: o fato de mais e mais velhinhas e mulheres grávidas estarem sendo pêgas com a boca na botija só vem a confirmar a premissa de que pessoas com estas características levantam, geralmente, menos suspeitas do que homens em idade entre 20 e 45 anos.
Enfim, diante de tantas mazelas estatísticas, quem saiu ganhando mesmo foi o presidente do site "Par Perfeito", ao conseguir a atenção midiática que precisava para atrair mais adeptos ao seu site. Moças casadoiras desse meu Brasil: corram para o site "Par Perfeito" e nunca contem com a sorte em blitz. Nem quando engravidarem!
quarta-feira, 24 de agosto de 2011
No topo da lista
A lista das 100 mulheres mais poderosas do mundo, divulgada pela Revista Forbes e amplamente comentada pela mídia nacional no dia de hoje, é um convite para se pensar nos parodoxos da questão de gênero no Brasil e - por que não? - no resto do mundo.
Listas que classificam as pessoas em mais ou menos poderosas, em mais ou menos elegantes ou em mais ou menos aptas a desempenhar determinada tarefa sempre em intrigaram. Claro, os editores da Forbes sabem muito bem disso e fazem questão de publicar a lista com nota explicativa: "nossa lista reflete os caminhos diversos e dinâmicos em direção ao poder para as mulheres hoje, seja liderando uma nação ou definindo a pauta de questões críticas da nossa época", revela Moira Forbes, presidente e editora da ForbesWoman (http://www1.folha.uol.com.br/poder/964606-dilma-e-gisele-integram-lista-de-mulheres-mais-poderosas-da-forbes.shtml).
Ao lado do potencial de liderança e da contribuição crítica, outros critérios se desenham no horizonte da lista da Forbes: "Ao longo das múltiplas esferas de influência, essas mulheres alcançaram o poder por meio da conectividade, habilidade de construir uma comunidade ao redor de organizações que elas supervisionam, países que lideram, causas que encabeçam e marcas pessoais" (http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/08/24/dilma-a-terceira-mulher-mais-poderosa-do-mundo-925195268.asp#ixzz1VyhBulQQ)
Bem, diante disso, que a nossa presidente(a) Dilma Roussef apareça em terceiro lugar na lista (atrás apenas da chanceler alemã Angela Merkel e da ex-secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton) é um fato que em nada me surpreende: quer queiram, quer não, ela é "a primeira mulher a comandar a maior economia da América Latina" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/2.347/dilma-e-a-3-mulher-mais-poderosa-do-mundo-diz-revista-1.330981). Não é por acaso também que das 100 mulheres listadas, "oito chefes de Estado e 29 presidentes-executivas estão na lista das 100 mulheres mais poderosas do mundo" (http://www1.folha.uol.com.br/poder/964606-dilma-e-gisele-integram-lista-de-mulheres-mais-poderosas-da-forbes.shtml). A questão é saber, com base nesses mesmos critérios, o que estão fazendo lá: 1) as cantoras Lady Gaga (11º lugar) e Beyoncé Knowles (18º), além da modelo brasileira Gisele Bündchen (60º).
Uma coisa é certa: ao conferir glória e notoriedade a um número restrito de mulheres com maior ou menor visibilidade nos meios de comunicação, essa lista favorece à construção e à preservação da imagem daquelas que ela tenta descrever objetivamente: mulheres no topo do poder.
Mas tudo o que sobe, também pode descer e vice-versa. Como lembra muito oportunamente a matéria do O Globo (op. cit.), "na lista do ano passado, divulgada em outubro, Dilma ocupava a 95ª posição". Este ano, a Dilma obteve uma ascensão meteórica. Mas se os critérios de seleção continuarem sendo aplicados com a mesma elasticidade, Dilma poderá em breve estar entre as 10 mais na próxima lista das 100 cantoras contemporâneas mais espalhafatosas ou, ainda, na lista das 100 modelos mais bem pagas do mundo. Enfim... Nunca se sabe...
Listas que classificam as pessoas em mais ou menos poderosas, em mais ou menos elegantes ou em mais ou menos aptas a desempenhar determinada tarefa sempre em intrigaram. Claro, os editores da Forbes sabem muito bem disso e fazem questão de publicar a lista com nota explicativa: "nossa lista reflete os caminhos diversos e dinâmicos em direção ao poder para as mulheres hoje, seja liderando uma nação ou definindo a pauta de questões críticas da nossa época", revela Moira Forbes, presidente e editora da ForbesWoman (http://www1.folha.uol.com.br/poder/964606-dilma-e-gisele-integram-lista-de-mulheres-mais-poderosas-da-forbes.shtml).
Ao lado do potencial de liderança e da contribuição crítica, outros critérios se desenham no horizonte da lista da Forbes: "Ao longo das múltiplas esferas de influência, essas mulheres alcançaram o poder por meio da conectividade, habilidade de construir uma comunidade ao redor de organizações que elas supervisionam, países que lideram, causas que encabeçam e marcas pessoais" (http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/08/24/dilma-a-terceira-mulher-mais-poderosa-do-mundo-925195268.asp#ixzz1VyhBulQQ)
Bem, diante disso, que a nossa presidente(a) Dilma Roussef apareça em terceiro lugar na lista (atrás apenas da chanceler alemã Angela Merkel e da ex-secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton) é um fato que em nada me surpreende: quer queiram, quer não, ela é "a primeira mulher a comandar a maior economia da América Latina" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/2.347/dilma-e-a-3-mulher-mais-poderosa-do-mundo-diz-revista-1.330981). Não é por acaso também que das 100 mulheres listadas, "oito chefes de Estado e 29 presidentes-executivas estão na lista das 100 mulheres mais poderosas do mundo" (http://www1.folha.uol.com.br/poder/964606-dilma-e-gisele-integram-lista-de-mulheres-mais-poderosas-da-forbes.shtml). A questão é saber, com base nesses mesmos critérios, o que estão fazendo lá: 1) as cantoras Lady Gaga (11º lugar) e Beyoncé Knowles (18º), além da modelo brasileira Gisele Bündchen (60º).
Uma coisa é certa: ao conferir glória e notoriedade a um número restrito de mulheres com maior ou menor visibilidade nos meios de comunicação, essa lista favorece à construção e à preservação da imagem daquelas que ela tenta descrever objetivamente: mulheres no topo do poder.
Mas tudo o que sobe, também pode descer e vice-versa. Como lembra muito oportunamente a matéria do O Globo (op. cit.), "na lista do ano passado, divulgada em outubro, Dilma ocupava a 95ª posição". Este ano, a Dilma obteve uma ascensão meteórica. Mas se os critérios de seleção continuarem sendo aplicados com a mesma elasticidade, Dilma poderá em breve estar entre as 10 mais na próxima lista das 100 cantoras contemporâneas mais espalhafatosas ou, ainda, na lista das 100 modelos mais bem pagas do mundo. Enfim... Nunca se sabe...
terça-feira, 23 de agosto de 2011
Com teto e sem teto, com aspas e sem aspas
Estava aqui pensando em como a língua portuguesa, com toda a sua beleza, acaba criando verdadeiras armadilhas para o entendimento das massas. Quando li, esta tarde, notícia da Folha Online comentando a decisão do juiz do Tribunal Regional Federal, Olindo Menezes, a qual liberava os salários dos funcionários do Senado acima do teto de R$ 26,7 mil (http://www1.folha.uol.com.br/poder/963636-tribunal-aceita-recurso-do-senado-e-libera-salario-acima-do-teto.shtml), pensei: "Coitadinhos dos senadores. O salário deles aumentou tanto que acabou furando o teto". De onde tirei a conclusão, totalmente equivocada, de que os senadores seriam agora autênticos sem-teto.
A matéria, confesso, deixou margem para tanto equívoco. A meu ver, a jornalista Nádia Guerlenda foi, no mínimo, econômica nas aspas ao comentar a reação de Menezes à liminar concedida em junho deste ano pelo juiz Alaôr Piacini (já que esta última estipulava que as comissões, gratificações e horas extras dos funcionários do Senado não ultrapassassem o teto de R26,7 mil): "De acordo com Menezes, a liminar poderia lesar a 'ordem pública' porque, feito de forma abrupta, o corte nos salários poderia inviabilizar o funcionamento dos serviços públicos do Senado".
"E daí?", pergunta o leitor atento. Ora, ora, ora. É que as aspas - aquelas duas amigas inseparáveis que aparecem no início e no final de uma citação - servem para assinalar uma mudança de tom, isto é, a passagem do discurso próprio para um discurso citado. Sem elas, citador e citado ficam parecendo comadres de longa data: um se sente no direito de representar o que outro disse pelas próprias palavras. E o que é pior: sugere conivência.
Mas aí, o leitor atento - aquele mesmo que fez a objeção no início do parágrafo anterior - vira para mim e diz: mas o termo "ordem pública" aparece entre aspas. É verdade, mas a objeção só confirma a importância do uso das aspas, mesmo se com outra função: a de indicar ressalva. É que elas (as aspas) também podem servir para identificar a presença de um estranho no ninho: é por isso que aparecem entre aspas termos que remetem a estrangeirismos, neologismos, regionalismo ou, ainda, usos polêmicos ou próprios de determinados jargões profissionais.
E como "ordem pública" reúne preenche várias das condições anteriores - por ser considerado por muitos ali termo alienígena ao dia-a-dia de trabalho do Senado, desconhecido por alguns, inexistente na realidade de outros, além de altamente polêmico - seu uso só confima a regra. Portanto, ao ler o texto da Folha, fui quase levada a acreditar que a real preocupação do juiz Olindo Menezes era realmente a manutenção da "ordem pública" do país ao qual servem os funcionários do Senado.
Foi também graças à economia das aspas que quase me compadeci da sorte dos funcionários daquela Casa, ao acreditar que a continuidade de seus serviços pudesse estar sendo admoestada pela "restritiva" quantia de R$26,7 mil. Com uma particularidade: faço aqui uso deliberado das aspas como indicativo de ironia, pois o termo "restritivo" diz o oposto do que pretendo.
Pois é... Para você ver como esse mundão sem porteiras é atravessado por paradoxos incompreensíveis para pessoas comuns como eu e você: enquanto os funcionários do Senado querem que seus supersalários cresçam até furar o teto, os aposentados e pensionistas do INSS estão suando a camisa para saber se seu próximo vencimento virá corrigido pelo teto (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/963385-aposentados-podem-confirmar-se-irao-receber-revisao-pelo-teto.shtml).
Ao que parece, quando se trata de benefício de pensionista e aposentado, a banda toca outra música: "Inicialmente, o INSS divulgou que 117.135 aposentados, com benefício concedido entre 5 de abril de 1991 e 31 de dezembro de 2003, receberiam o aumento em setembro. O número, no entanto, mudou para 107.352, cerca de 10 mil a menos do que havia sido divulgado inicialmente". Além de um número menor de beneficiados com a revisão, o valor corrigido também será inferior ao inicialmente anunciado: "O reajuste médio no país será de R$ 175 por benefício. Antes, o INSS havia divulgado que seria de R$ 240".
Neste último caso, não se fala sequer em abalo da "ordem pública", já que os pensionistas e aposentados do INSS, contrariamente aos funcionários do Senado, não vão ficar sem teto. Alegrai-vos, pois, aposentados do meu Brasil: com esse teto, do que é que estão reclamando?
Com teto e sem teto, com aspas e sem aspas... No final das contas, a culpa deve ser mesmo da Flor do Lácio, que vive me dando umas rasteiras.
A matéria, confesso, deixou margem para tanto equívoco. A meu ver, a jornalista Nádia Guerlenda foi, no mínimo, econômica nas aspas ao comentar a reação de Menezes à liminar concedida em junho deste ano pelo juiz Alaôr Piacini (já que esta última estipulava que as comissões, gratificações e horas extras dos funcionários do Senado não ultrapassassem o teto de R26,7 mil): "De acordo com Menezes, a liminar poderia lesar a 'ordem pública' porque, feito de forma abrupta, o corte nos salários poderia inviabilizar o funcionamento dos serviços públicos do Senado".
"E daí?", pergunta o leitor atento. Ora, ora, ora. É que as aspas - aquelas duas amigas inseparáveis que aparecem no início e no final de uma citação - servem para assinalar uma mudança de tom, isto é, a passagem do discurso próprio para um discurso citado. Sem elas, citador e citado ficam parecendo comadres de longa data: um se sente no direito de representar o que outro disse pelas próprias palavras. E o que é pior: sugere conivência.
Mas aí, o leitor atento - aquele mesmo que fez a objeção no início do parágrafo anterior - vira para mim e diz: mas o termo "ordem pública" aparece entre aspas. É verdade, mas a objeção só confirma a importância do uso das aspas, mesmo se com outra função: a de indicar ressalva. É que elas (as aspas) também podem servir para identificar a presença de um estranho no ninho: é por isso que aparecem entre aspas termos que remetem a estrangeirismos, neologismos, regionalismo ou, ainda, usos polêmicos ou próprios de determinados jargões profissionais.
E como "ordem pública" reúne preenche várias das condições anteriores - por ser considerado por muitos ali termo alienígena ao dia-a-dia de trabalho do Senado, desconhecido por alguns, inexistente na realidade de outros, além de altamente polêmico - seu uso só confima a regra. Portanto, ao ler o texto da Folha, fui quase levada a acreditar que a real preocupação do juiz Olindo Menezes era realmente a manutenção da "ordem pública" do país ao qual servem os funcionários do Senado.
Foi também graças à economia das aspas que quase me compadeci da sorte dos funcionários daquela Casa, ao acreditar que a continuidade de seus serviços pudesse estar sendo admoestada pela "restritiva" quantia de R$26,7 mil. Com uma particularidade: faço aqui uso deliberado das aspas como indicativo de ironia, pois o termo "restritivo" diz o oposto do que pretendo.
Pois é... Para você ver como esse mundão sem porteiras é atravessado por paradoxos incompreensíveis para pessoas comuns como eu e você: enquanto os funcionários do Senado querem que seus supersalários cresçam até furar o teto, os aposentados e pensionistas do INSS estão suando a camisa para saber se seu próximo vencimento virá corrigido pelo teto (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/963385-aposentados-podem-confirmar-se-irao-receber-revisao-pelo-teto.shtml).
Ao que parece, quando se trata de benefício de pensionista e aposentado, a banda toca outra música: "Inicialmente, o INSS divulgou que 117.135 aposentados, com benefício concedido entre 5 de abril de 1991 e 31 de dezembro de 2003, receberiam o aumento em setembro. O número, no entanto, mudou para 107.352, cerca de 10 mil a menos do que havia sido divulgado inicialmente". Além de um número menor de beneficiados com a revisão, o valor corrigido também será inferior ao inicialmente anunciado: "O reajuste médio no país será de R$ 175 por benefício. Antes, o INSS havia divulgado que seria de R$ 240".
Neste último caso, não se fala sequer em abalo da "ordem pública", já que os pensionistas e aposentados do INSS, contrariamente aos funcionários do Senado, não vão ficar sem teto. Alegrai-vos, pois, aposentados do meu Brasil: com esse teto, do que é que estão reclamando?
Com teto e sem teto, com aspas e sem aspas... No final das contas, a culpa deve ser mesmo da Flor do Lácio, que vive me dando umas rasteiras.
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