UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: O ônus da prova

sexta-feira, 18 de março de 2011

O ônus da prova

Saiu na Folha Online hoje: justiça condena o Banco do Estado de Santa Catarina e a Empresa de Segurança Orcali em primeira instância por instar cliente de agência bancária a tirar suas roupas (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/890671-banco-e-condenado-por-pedir-a-cliente-para-tirar-roupa-em-sc.shtml). Segundo a matéria, depois da porta giratória ter travado diversas vezes (mesmo com a deposição de objetos metálicos na caixa coletora), a bolsa da cliente acabou sendo revistada por um policial militar que estava na agência. Mas nada foi encontrado.

Bem, se vocês acharam que o desconforto da cliente já tinha sido suficiente, esperem só para ler o prosseguimento do relato, que cita o texto da condenação: "Ainda assim, o funcionário disse que só autorizaria a entrada da cliente se ela tirasse a roupa, segundo o texto. A condenação diz que a 'situação virou um circo' e que várias pessoas na fila disseram 'tira, tira' ". É... Como diria minha finada avó: "eita nós!" Aviltante? Para a cliente em questão, tenho certeza que sim.

Mas existe um aspecto nas portas giratórias que a maior parte das pessoas desconhece. Estas são acionadas, no mais das vezes, de maneira totalmente arbitrária, com base em uma prática informal de perfilamento. Vejam bem: eu disse prática "arbitrária" e não "aleatória". O que isso quer dizer? É que a porta giratória nem sempre (aliás, creio eu que na maioria das vezes não) emperra por conta da presença de objetos metálicos: ela é muitas vezes acionada arbitrariamente por alguém que estipula se você é ou não suspeito. O modo de aferição? Um método cientficamente fundamentado chamado "espiadela".

E sabem como eu sei disso? Eu acabei fazendo a prova sem querer! Na condição de frequentadora mensal daquelas agências de recarga de cartões de ônibus, lá ia eu com mochila, laptop, celular, chaves nos bolsos. No início, nada acontecia. Depois de um tempo, começaram a me barrar sempre que eu estivesse de mochila (com ou sem laptop dentro). Depois de ter de abrir várias vezes a minha mochila e mostrar aquela divisória onde ficam os absorventes íntimos, comecei a achar menos graça na trava automática. Assim, por achar essa revista indelicada, passei a ir só de pochete, mas com celular e chaves devidamente inseridos lá dentro. Até aí, eu já tinha ficado mais diligente e começado a depositar o conteúdo suspeito na caixinha destinada a este fim. Até que um dia... eu esqueci de tirar a parafernália. E não fui barrada! Diante de tantos testes empíricos, ficou a amarga sensação de que a seleção deve ser mesmo arbitrária.

Quanto aos bancos e outras instituições afeitas à porta automática, bem... Sabemos que as vítimas preferidas costumam ter mais melanina no corpo. Querem uma prova? Um aposentado de 47 anos foi baleado após uma discussão com um vigia de banco (http://noticias.r7.com/sao-paulo/noticias/corpo-de-aposentado-baleado-em-agencia-bancaria-de-sp-e-enterrado-20100514.html). Motivo no. 1: seu marca-passo havia acionado a porta giratória (argumento explicitamente defendido); motivo no. 2: ele por um acaso era negro (argumento implicitamente sabido, mas publicamente indefensável). Método de aferição? Perfilamento racial.

Quanto ao método científico da "espiadela", este já rodou mundo e virou matéria de formação de agentes de imigração nos EUA após atentado de 11 de setembro de 2001. Foda é que para condenar, uma boa espiadela basta. Agora, para se explicar... Guantânamo que o diga!

Nenhum comentário:

Postar um comentário