UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: O blog da Dona Maria

segunda-feira, 21 de março de 2011

O blog da Dona Maria

Se tem uma coisa que me dá preguiça nessa vida é falso heroísmo. O blog orçado em R$ 1,35 milhão da Sra. Maria Bethânia, diva da MPB pela qual tenho (ou tinha até bem pouco tempo) o maior apreço, vem sendo um exemplo clássico disso (http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/890568-projeto-aprovado-pelo-minc-preve-r-600-mil-so-para-bethania.shtml). No projeto original, a justificativa para existência do seu blog de poesia rezava que "em meio a tantos absurdos do mundo moderno, a tantos problemas que cercam a vida de todos, nos propomos a revolucionar a vida cotidiana de cada um".

Em meio a tantos absurdos do mundo moderno, eis aqui mais um: a Dona Maria (Bethânia) arroja-se o direito de reivindicar um cachê de R$ 600 mil pela direção artística do projeto (o que equivale a um salário de R$ 50 mil durante o período de um ano), atividade esta que inclui: "direção artística, pesquisa e seleção de textos e atuação em vídeos". O que significa que seu cachê seria superior aos 467 mil previstos na produção dos próprios vídeos.

Já a Sra. Ana de Hollanda, atual ministra da Cultura, acredita não existir nada de errado no direito de captar tais recursos via política de renúncia fiscal (http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/891168-em-brasilia-ana-de-hollanda-minimiza-polemica-envolvendo-bethania.shtml). Nos dizeres da Ministra - que acha que "todos têm que tentar [aprovar seus projetos]. Se vão captar, é outra coisa" - o valor exorbitante de R$ 1,35 milhão não tem nada demais. Aliás, a defesa saiu pior do que qualquer soneto: ficou parecendo que as coisas foram resolvidas num café na cozinha dos Veloso com os de Hollanda, bem ao gosto das práticas de favorecimento da Casa Grande. Péssimo, péssimo, péssimo!

Mas convenhamos: é bem verdade que, conforme afirmou nossa ministra da Cultura, a aprovação para captação não signifca arrecadação efetiva. Eu mesma tenho uma amiga que comemorou com lágrimas nos olhos a aprovação de um projeto de R$ 250 mil para uma série de espetáculos de sua troupe de artistas. Mas meses depois ela não tinha conseguido captar nem dois pirulitos para a execução do seus espetáculos. É que os empresários andaram fechando as bolsas naquele custoso ano de PIB negativo que foi 2009.

Mas é aí que a aprovação de uma alta remuneração para uma artista de peso como a Dona Bethânia faz toda a diferença. Afinal, quem tem mais chances de captar recursos junto às grandes empresas: Dona Bethânia ou um simpático grupo de teatro de bonecos de BH? Advinhem!

A respeito do tal blog, tenho algumas pontuações a fazer: 1) adoraria ver a Dona Bethânia recitar na web; 2) acho que a poesia tem potencial revolucionário; 3) contudo, entretanto, porém... não com a grana retirada da renúncia fiscal. Isto é, não com aquela grana que poderia estar saindo das empresas devedoras de impostos e sendo potencialmente revertida em outra prioridades: inclusive em cultura, de forma mais honesta e mais democrática.

Cá pra nós: R$ 50 mil mensais para uma atividade que não é, nem será a única da artista em questão? Do meu bolso, não, criatura! Estamos falando de um país cujo salário mínimo é de R$ 545. E a dona Bethânia ainda manteve a discreta postura de não se pronunciar sobre o caso. Melhor mesmo. Aliás, nem sei! O que seria mais revolucionário: justificar publicamente uma descompostura dessas ou ficar quieta no seu canto? Se ela falasse, haveria mais sonetos mal-remendados, com certeza.

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