UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Bipedalismo

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Bipedalismo

Engraçadinha essa matéria publicada hoje na Folha online e assinada por Reinaldo José Lopes, editor de "Ciência e Saúde" (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1031786-homem-se-tornou-bipede-para-evitar-superaquecimento-diz-estudo.shtml). Não que ela estivesse ruim, ao contrário: raro ver matérias desse gênero que lancem mão do humor de maneira mais ou menos equilibrada.

A matéria parte de um consenso - o bipedalismo - para mostrar como explicações divergentes têm se confrontado no campo científico: "Para os especialistas em evolução humana, andar com dois pés (em vez de usar quatro patas, como os outros primatas) é o que define a linhagem dos hominídeos", convergem os especialistas.

Daí por diante, porém, tudo parece ser desentendimento. A matéria recria um campo agonístico em que disputam seis hipóteses que explicariam o fato de termos adotado, há alguns milhões de anos, a postura ereta. O pano de fundo para esta transformação morfológica primeva seriam as savanas africanas, onde o sol já brilhava, inclemente, sob as cacundas dos nossos antepassados:

1) A primeira hipótese, intitulada na matéria de "eficiência energética", explica que os homens adotaram esta postura por ela ter se tornado o modo energeticamente mais econômico dos nossos antepassados se locomoverem de um grupo de árvores até o outro das savanas africanas.

2) A segunda, intitulada "em busca dos frutos", propõe que a postura ereta permitia o acesso aos frutos das árvores.

3) A terceira, cujo título provocativo de "alalaô, mas que calor", ensina que "a posição ereta facilitaria a dissipação do calor sob o sol quente da savana, evitando que o hominídeo cozinhasse".

4) A quarta, sob o título de "com as mãos livres", afirma que os homens teriam ficado de pé para ter as mãos livres para carregar "comida, objetos ou até bebês".

5) A quinta, "olha eu aqui", ensina que os homens ficaram de pé para intimidar predadores e aparentar um tamanho maior do que o que tinha sobre quatro patas.

6) E a sexta e última hipótese, intitulada "aquaman", propõe que o homem passava muito tempo na água "para usar recursos aquáticos".

Mas a explicitação das diversas hipóteses não é um fim em si mesma. Ela visa a contextualizar, na verdade, a contribuição que a publicação de um estudo pelos pesquisadores Graeme Ruxton, da Universidade de Glasgow, e David Wilkinson, da Universidade John Moores em Liverpool, têm a fazer neste campo tão contencioso.

Em artigo publicado na revista americana PNAS, os pesquisadores tentam derrubar a hipótese "alalaô, mas que calor", de que os homens teria ficado de pé para evitar um superaquecimento do corpo. Valendo-se de cálculos matemáticos, eles acreditam que, "em movimento e debaixo de sol, um hominídeo peludo como os chimpanzés atuais, mas bípede, conseguiria caminhar, no máximo, entre 10 e 20 minutos antes de superaquecer e ter um caso sério de insolação".

"É por isso que eles concluem que o caminhar com duas pernas em ambiente aberto exigiria o corpo relativamente pelado como pré-requisito. Do contrário, não teria sido favorecido pela seleção natural". Onclusão esta que abre caminho para uma segunda questão: "qual dessas características evoluiu primeiro"? Novas contendas à vista: as poucas evidências encontradas - como, por exemplo, a existência de piolhos pubianos nos pêlos humanos - indicam que a ausência de pelo parece ter acontecido "depois da invenção evolutiva do bipedalismo".

Bem, mas e daí? Ora, se cada hipótese dessas aponta para um caminho provável da evolução morfológica humana, imaginemos então como será o nosso futuro se as mesmas motivações se mantenham. O que acontecerá com nossos sucessores daqui a milhões de anos?

O futuro não me parece dos mais promissores:

1) Por um lado, se a "eficiência energética" continuar sendo um critério evolutivo, é quase certo que os habitantes das montanhas das Minas Gerais deixem de lado a posição ereta e só se locomovam por rolamento morro abaixo.

2) Outra coisa: se considerarmos, no contexto da vida moderna, que a tarefa primordial de buscar comida resume-se, na maior parte das vezes, ao ato singelo de abrir a geladeira, nossos sucessores terão a espinha dorsal totalmente curvada de tanto abrir a gaveta da geladeira.

3) Se a motivação de dissipar o "calor" se mantiver, nossas crianças não perderão mais tempo e já farão depilação à laser dentro do útero materno.

4) Em países mais corruptos, por outro lado, os novos futuros sucessores terão mais mãos, talvez em número de 6 ou 8, todas livres para se apropriarem indebitamente do que não lhes pertence.

5) Para assustar os predadores naturais do futuro, que provavelmente virão sob a forma de algum agente epidemiológico de grande proporção, nossos homens e mulheres do futuro deverão ficar microscópicos.

6) Finalmente, se a ideia for utilizar os recursos d'água de maneira mais adequada, os habitantes da Roça Grande já estão a anos-luz de evolução do resto dos seres humanos do nosso planeta: é que aqui, até o dia de ontem, já tinha chovido 77% do esperado para todo o mês de janeiro. Ou seja, somos a prova viva de que hipótese "aquaman" procede.

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