UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Haiti aqui e lá

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Haiti aqui e lá

Muito lúcida a tomada de posição do professor de História da Unicamp, Sidney Chalhoub, com relação à recente decisão do governo brasileiro de barrar a entrada de haitianos no Brasil: "O Brasil mantém a coerência histórica", afirma (http://oglobo.globo.com/ciencia/imigracao-seletiva-recorrente-na-historia-do-pais-3741847).

A tomada de posição de Chalhoub surge no esteio do novo plano migratório que o governo federal anunciou na semana passada. "Ao longo da última semana, o governo anunciou medidas para restringir a migração de haitianos e, ao mesmo tempo, informou estar estudando formas de facilitar a vinda de trabalhadores qualificados provenientes de países da Europa", informa a matéria publicada no O Globo online.

Na verdade, Chalhoub viu continuidade lá onde o governo só quis ver novidade: "Não estou dizendo que os europeus devam ser tratados a pontapés. Mas acolher europeus e criar embaraços maiores para haitianos me parece lamentável. Acho que todos deveriam ser tratados com generosidade, mas, se é para dar prioridade a alguém, vale lembrar que, no caso dos haitianos, se trata de uma emergência humanitária".

A querela entre barrar a entrada de negros e favorecer a entrada de europeus brancos é tão antiga quanto a história do país, que já foi considerado a Terra Santa da "democracia racial". A matéria prossegue dando voz ao especialista: "Em 1890, logo após a abolição da escravatura, uma lei tornou livre a imigração, 'excetuados os indígenas da África ou da Ásia', os quais 'somente mediante autorização do Congresso Nacional poderão ser admitidos'. Do século XVI ao XIX, calcula-se que 4,8 milhões de negros tenham sido trazidos ao Brasil como escravos. No entanto, com a proibição do tráfico e, depois, da própria escravidão, a ideia de receber os negros deixou de ser atrativa".

E se alguém acha que a coisa ficou lá no Séc. XIX, pode ir tirando o cavalinho da chuva. A história da política migratória brasileira está, ao que parece, intimamente ligada ao legado da escravatura no país. Rica em argumentos, a matéria prossegue citando trechos de documentos governamentais: "Em 1945, no governo de Getúlio Vargas, que, restringiu de maneira geral a entrada de imigrantes por conta de suas políticas nacionalistas, um decreto lei estabelecia que 'atender-se-á, na admissão dos imigrantes, à necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência europeia' ”.

A estocada final no peito da atual política migratória do governo federal é dada pelo professor de Antropologia da Unicamp, Omar Ribeiro Thomaz: "Dizer que 4 mil haitianos é um fluxo migratório é bizarro, esse número é muito baixo". E para sustentar tal argumento, nada melhor do que as próprias estatísticas oficiais: "O Brasil recebeu no ano passado 50 mil estrangeiros, a maioria portugueses, e isso não foi tema de discussão, ao contrário, foi visto como resultado do sucesso do país, que agora está atraindo mão de obra qualificada".

Moral da história: o governo resolveu levar ao pé da letra esta conversa de que o "Haiti não é aqui". Será? Há mais Haitis entre o céu e a terra do que julga a vã política de imigração brasileira.


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