UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Decisões de ano novo

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Decisões de ano novo

Se tem duas classes de coisas nesse mundo com as quais eu vivo implicando são as chamadas "ambiguidades" e "obviedades". Ambas já foram tema de incontáveis comentários nesse blog, mas volta e meia ainda me pego franzindo a testa com uma ou outra. Ou ambas. Mas hoje foi a vez da obviedade ganhar destaque.

Foi o que aconteceu com esta matéria publicada hoje no O Globo online com o título de "Médicos dão dicas para colocar metas de ano novo em prática" (http://oglobo.globo.com/saude/medicos-dao-dicas-para-colocar-metas-de-ano-novo-em-pratica-3541330).

As principais decisões de ano novo apuradas na matéria envolvem, via de regra, decisões como "emagrecer, parar de fumar e beber, ou todos eles juntos". E as dicas, que devem ser garimpadas entre diversos casos de tomada de decisão deste tipo, são tão óbvias que nem precisava ser médico para dizê-las.

A primeira delas é determinação: "A determinação, eles garantem, não pode faltar. É ela que lhe garantirá uma vida mais saudável para ter fôlego de realizar outras metas". E a outra, de acordo com a psiquiatra Analice Gigliotti, chefe do setor de dependência química da Santa Casa da Misericórdia do Rio, é o auto-controle: "É fundamental a prática do autocontrole. Todo novo desafio nos fortalece internamente".

Fato: este é o tipo de receituário que deixa meus cabelos em pé. Ora, se determinação e auto-controle fossem qualidades amplamente disseminadas, práticas pouco saudáveis como comer excessiva e descontroladamente, beber demais ou fumar em excesso seriam problemas passageiros e facilmente superáveis.

Só que não são. E a razão para tanto é a seguinte: a receita para superar o problema nasce de uma contradição difícil de ser compreendida, quanto mais praticada. É que o pressuposto da cura é também o seu efeito imediato. Ou seja, aquilo que você precisa ter para encarar um determinado problema, você também alcançará gradativamente na medida em que mais passos são dados naquela direção.

Exemplo? Você precisa de auto-controle para executar uma determinada tarefa (para de fumar, por exemplo), mas o resultado prático disso é (além da saúde, claro) é mais auto-controle. E este auto-controle pode ser redirecionado para outros campos da vida. Trocando em miúdos, você estará lidando com qualidades que se intensificam à medida em que são acionadas. Mas se elas não forem acionadas, nada feito.

Obviamente, para entender o funcionamento desta lógica, a gente tem que deixar de lado uma noção de qualidade enquanto "riqueza finita". Determinação e auto-controle não se acabam porque você os utilizou em demasia. Ao contrário, eles só vão se exaurir quando você deixar de praticá-los. Difícil entender essa outra lógica em um sistema de troca capitalista, em que todo produto tem seu preço e um prazo de validade que lhe compete, do tipo "quando acabar, você compra mais". Mas isso, ninguém falou na matéria. E ninguém quer quebrar a cabeça tentando achar o que já carrega dentro de si. Melhor transferir a responsabilidade para fatores externos: um bom personal-trainner, um bom endocrinologista, um bom cardiologista, enfim: um bom especialista pago para te dizer o óbvio. Que a bola está no seu campo, você é quem chuta.

Felizmente, determinação e auto-controle não se vendem em pílulas. Se fossem vendidos, o receituário "determinação e auto-controle" para alavancar mudanças deixaria de ser óbvio. E, ao invés de óbvio, ele seria meramente um produto escasso, caro, piratado e traficado para as classes mais ricas. Sorte nossa que não é!

P.S. = Não tomei nenhuma decisão de ano novo, mas se fosse tomar alguma, talvez tentasse parar de implicar com obviedades e ambiguidades de todo tipo. Mas, haja determinação e auto-controle...

Nenhum comentário:

Postar um comentário