UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Ócio

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Ócio

Queridos amigos: a vida é mesmo cheia de imprevistos, surpresas e incertezas. Por isso mesmo, nunca deixo de me surpreender com as frases de duplo sentido que aparecem diariamente na nossa prezada mídia de massa.

Ora, vejam só: título de notícia publicada hoje no jornal Hoje em Dia online anuncia - com todas as letras - que a "Câmara aprova o fim do crime de vadiagem" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/politica/camara-aprova-fim-do-crime-de-vadiagem-1.20407).

Muito obrigada! Tenho certeza de que muita gente aprova também. O problema é que o resto da reportagem contradiz em parte a informação que aparece logo no título. Na verdade, o "Plenário aprovou, nesta quarta-feira (8), um projeto de lei, (Lei 4668/04) que retira da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688/41) o crime de vadiagem".

Ah, se as coisas fossem simples assim! Como se bastasse a câmara aprovar o fim de alguma coisa para esta mesma coisa deixar de existir. Na verdade, está acontecendo justamente o contrário: por ter se tornado tão amplamente difundida, a vadiagem adquiriu caráter crônico e deixou de ser obra pura e simples da vontade individual de cada um.

Vadiagem aqui, vale registrar, significa se entregar "habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover a própria subsistência mediante ocupação ilícita". Aliás, se levarmos o texto a sério, entenderemos que quem for pego se entregando "habitualmente à ociosidade", poderá pegar prisão simples por um período que varia de 15 dias a 3 meses.

Para quem ainda não pegou o espírito da coisa, a definição é ampla o bastante para incluir nela toda forma de mendicância - o que seria totalmente risível em um país com a população de rua que nós temos. Isto soa, no mínimo, engraçado: a vadiagem deixou de ser uma transgressão porque ela se tornou demasiadamente comum para ser reprimida pelas vias oficiais. E digo "oficiais" porque vira e mexe aparece um pobre coitado desses aí, que vive na rua, espacado ou com o corpo queimado covardemente por gente sem um pingo de humanidade.

Por hora, a matéria foi apenas aprovada em votação simbólica pela Câmara, devendo passar ainda pelo Senado. Mas a questão agora é: o que esta alteração no nosso quadro jurídico muda na prática?


Acho que muito pouca coisa. Quem já estava vivendo nas ruas não sairá delas porque a vadiagem simplesmente deixou de ser contravenção. Na melhor das hipóteses - e com alguma sorte e presença de espírito - mudaremos talvez nossa concepção de ócio.

Enquanto este dia não chega, fecho os olhos e fico aqui pensando em uma das minhas atividades ociosas preferidas: dança a dois, de rosto colado, ao som de uma canção que é, para mim, um hino ao ócio contemplativo.

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