UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Fosso digital

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Fosso digital

O lançamento do Índice Integrado de Telefonia, Internet e Celular (Itic) hoje pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro, acabou me remetendo a uma antiga discussão sobre a distância infraestrutural entre países "ricos" e "pobres". "O Brasil está na média mundial quando o assunto é acesso a tecnologias da comunicação, mas as desigualdades internas são grandes: o acesso em Moema, bairro nobre da zona sul da capital paulista, é tão bom quanto na Holanda" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/economia-e-negocios/inclus-o-digital-espelha-desigualdades-do-brasil-1.16864).

Utilizando dados de pesquisa global do ano passado do instituto Gallup e do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, o índice da FGV "mede o acesso das pessoas com mais de 15 anos de idade a celular, internet via computador, telefone fixo e computador sem acesso à rede".

Bem, que o Brasil é país de contrastes de diversas ordens - sociais, culturais, econômicas - isso é um fato que nem o umbigo da vedete mais exibida consegue ignorar. Obviamente, essas diferenças se expressam não somente no ambito das áreas urbanas e rurais do país (como já era de se esperar, aliás), como também revelam discrepâncias entre bairros de uma mesma cidade.

Não é de se surpreender, portanto, que diferenças de acesso atinjam cidades de grande porte, como é o caso de São Paulo ou Rio de Janeiro: o " Itic de Moema - considerando a região administrativa - é 93%, contra 83,9% na região administrativa da Lagoa - que engloba Leblon e Ipanema, entre outros bairros -, melhor índice do Rio. Se fosse um país, Moema seria quinta colocada no ranking mundial, atrás da Nova Zelândia e acima da Holanda", descreve matéria publicada hoje no jornal Hoje em Dia online.

É interessante notar que, em escala nacional, as cidades com maior taxa de acesso são São Caetano do Sul (82,6%), Santos (78,2%), Florianópolis (77%), Vitória (76,6%) e Niterói (76%). Curiosamente, são cidades que "já se destacam em termos de renda per capita e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)", de acordo com o pesquisador do CPS/FGV e coordenador do estudo, Marcelo Neri. O que termina, a meu ver, derrubando um velho "adágio", segundo o qual as tecnologias de comunicação e informação impulsionariam o desenvolvimento econômico e cultural e permitiram a redução de diferenças - ou "fossos" - econômicos, culturais, sociais existentes em áreas ricas e pobres.

O tal "adágio", contudo, nasceu de um contexto histórico preciso, no início da década de 1970, mais especificamente, quando se acreditava que as diferenças em termos de infraestrutura de comunicação e informação entre países ricos e pobres aumentavam a distância econômica e social eles. Além disso, a polarização da produção cultural de massa nos chamados países de "primeiro mundo" e sua concomitante difusão para os países receptores do "terceiro mundo", tornavam desigual a circulação dos fluxos comunicacionais entre os diversos países, colaborando, entre outras coisas, para a projeção e permanência  de estereótipos culturais dos primeiros com relação aos últimos.

Munida da esperança de que ver o aumento do acesso às tecnologias de comunicação e informação solucionar esses problemas, a década de 1970 viu nascer o NOMIC - Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação - um projeto de países "não alinhados" que previa a reorganização dos fluxos mundiais de comunicação, coom ampla participação de governos e terceiro setor.

Apesar do NOMIC ter caído no esquecimento nas décadas subsequentes muito em função do lobbying das grandes corporações privadas de comunicação, seu argumento de base permanece latente nas políticas sociais de expansão do acesso às novas mídias: a revolução digital colaboraria para aumentar o acesso à informação e, consequentemente, alavancaria a mudança social.

O índice da FGV vem, no entanto, mostrar que o "fosso digital" vem se complexificando cada dia mais e exigindo novas estratégias para sua superação. Entre as diversas conclusões do estudo, o pesquisador Marcelo Neri destaca "a abrangência do celular em países como o Brasil. Excluído do índice o acesso à celular, o Itic do Brasil cai para 39,3%, mas sobe para 70º no ranking global".

Contrariamente à lógica do NOMIC, que prevê a ampliação do acesso lá onde ele não existe, as novas políticas devem tirar proveito da infraestrutura adquirida. É o que dá a entender o pesquisador da FGV, que "defendeu a importância de se utilizar os telefones móveis nas políticas de inclusão digital, em vez, por exemplo, de universalizar o acesso a computadores". O argmento agora é outro: "Dois terços dos pobres do Brasil têm celular. O celular é um dispositivo que está onde as pessoas estão", ressalta Neri em seu depoimento.

Finado o NOMIC, é a vez dos fabricantes e operadoras de celulares deitarem e rolarem em cima das nossas pequenas - mas muito bem preservadas - diferenças.

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