UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Vazio ou cheio

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Vazio ou cheio

Sabem aquela história em que se pergunta se copo com água até a metade está vazio ou cheio? A resposta mais sábia reza que o copo pode ser os dois ao mesmo tempo, dependendo da perspectiva que cada um adota: cheio pela metade, se considerarmos o nível de água; ou vazio pela metade, graças à presença do ar.

A nova medida que prevê reserva de 50% das vagas das universidades federais para alunos oriundos de escola pública responde bem à comparação. "A presidente Dilma Rousseff sancionou na tarde desta quarta-feira (29) o projeto que reserva metade das vagas nas universidades federais e nas escolas técnicas do país para alunos que cursaram todo o ensino médio em colégios públicos" (http://www1.folha.uol.com.br/educacao/1145181-dilma-sanciona-projeto-de-cotas-para-alunos-do-ensino-publico.shtml).

Qualquer que seja a perspectiva adotada - a do copo vazio ou a do copo cheio - uma coisa é certa: o projeto de lei sancionado hoje promete virada histórica no perfil das universidades públicas federais. De acordo com notícia publicada hoje na Folha de S. Paulo online, dentre os alunos das escolas públicas, terão preferência negros, pardos e indígenas, respeitando-se regras de proporcionalidade dessas populações nos diferentes estados.

Além disso, o texto prevê a interseção dos critérios raciais com os de renda média familiar: "Ainda conforme o texto aprovado pelo Congresso, dos 50% reservados para cotas, metade das vagas será destinada a alunos com renda familiar de até R$ 933,00 por pessoa. Nesse grupo, também é preciso respeitar o critério racial. Assim, os 50% das cotas restantes podem ser ocupados por quem tem renda maior, desde que seja obedecido o critério racial".

De certa forma, o texto solapa pelo menos um dos principais argumentos que vinha sendo mobilizado para descreditar as políticas de cotas no ensino superior: a falta de interesse do governo em melhorar a qualidade do ensino público. Em primeiro lugar, porque a reserva de 50% das vagas para alunos oriundos de escolas públicas poderá, a curto e médio prazo, impactar na decisão de uma parcela de alunos que, de olho no vestibular, trocavam a escola pública pela rede privada. Agora, os alunos que quiserem otimizar suas chances de ingresso no nível superior tenderão a permanecer na rede pública, já que suas chances de seleção serão aumentadas.

Em segundo lugar, a decisão tem desdobramentos práticos também para aquela parcela de alunos que não têm outra opção senão a rede pública de ensino. Para estes também as chances de ingresso em uma insituição de ensino público superior de qualidade serão otimizadas. Com isso, ele terá um incentivo a mais para investir nos estudos, aumentando a qualidade da presença dos alunos na rede pública.

Para a universidade pública, dois desafios de extrema importância se colocam desde já. O primeiro diz respeito ao corpo docente, que terá que lidar a curtíssimo prazo com a mudança da realidade da sala de aula. Boa parte desses professores fazem parte de um grupo economicamente favorecido, que historicamente teve acesso privilegiado ao ensino superior. Portanto, não é de se espantar que eles sejam os primeiros reclamar do suposto "empobrecimento" do perfil médio dos alunos das federais em todos os seus níveis: socioeconômico, intelectual e até (na opinião de alguns) moral. Caberá a este professor buscar estratégias para se ajustar ao novo perfil discente. 

O segundo desafio diz respeito aos outros 50% que não foi contemplado pelas cotas. Muitos destes alunos terão que lidar com uma realidade de sala de aula que até então não tinha vivenciado: sentar-se lado a lado com alunos com com baixa renda e/ou negros, pardos e indígenas. Para outros tantos, será um exercício inédito de convivio com a diversidade humana em sua essência: cor, raça, credo, classe e origem social.

Mais uma vez, repito: a comparação da nova política de cotas com um copo com água pela metade é perfeita. Se quiserem focar nas deficiências de um grupo que não passou pelas melhores escolas da rede privada, basta lembrar que 50% do copo está vazio. Mas se quiserem lembrar que o aluno da rede pública pouca chances tinha de se formar nos centros uiversitários de maior qualidade e investimento nas atividades de pesquisa e extensão, então chegou a hora de perceber que o copo vai começar a ser preenchido agora.



Nenhum comentário:

Postar um comentário