UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Nobreza e reverência

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Nobreza e reverência

Assim... globalmente falando, eu tenho uma grande preguiça da nobreza!

Não acho a menor graça em casamentos reais, não acredito em linhagem, nem em privilégio de sangue. Acho que procedência é coisa para ser olhada, quando muito, em cavalo e boi; e por melhor que ela fosse, todo ser humano deveria ter chances iguais de se dar bem nesse mundo.

Porém, tem um sentido específico da palavra "nobreza" do qual não consigo me desvencilhar, apesar dos meus brios republicanos. Ele tem a ver com uma espécie de superioridade moral que, em princípio, não depende de hereditariedade, podendo (e devendo) ser cultivada pela vida afora. Com alguma licença poética, podemos até emprestar um sentido mais igualitário ao termo e nele ver um misto de elevação de sentimentos, generosidade e grandeza de espírito, totalmente livres das amarras da origem.

O mais interessante, a meu ver, é que "nobreza" guarda também uma conexão íntima com a palavra "reverência". Esta última, coitada, por ser injustamente associada à "submissão", corre o risco de acabar seus dias na lata de lixo dos usos e costumes. Acho, inclusive, que essa cassação sumária da "reverência" está assentada em um erro interpretativo crasso: porque se nos fiarmos naquela acepção mais iguálitária de nobreza que tanto gosto, nobre não é aquele aceita reverências; nobre é aquele que sabe fazê-las a quem de direito. Trocando em miúdos: reverenciar a grandeza alheia é também sinal de grandeza interior.

Isto posto, não posso deixar de dar crédito à reverência prestada pelos bombeiros do Rio de Janeiro na manhã desta 6a feira: 75 homens da corporação doaram sangue no Hemorio nesta manhã, em "agradecimento à população do Rio pelo apoio ao movimento da categoria, após a prisão de lideranças que reivindicavam reajuste salarial" (http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2011/06/24/estudante-que-disparou-chumbinho-em-criancas-mantinha-arsenal-de-verdade-em-casa-924761225.asp). Por ser a causa nobre e a greve justa, a população do Rio que contrariou o boicote de uma boa parte da imprensa nacional para se posicionar a favor da categoria. Palmas para ela. Nobre gesto digno de reverência.

Nada a ver, contudo, o gesto espúrio (pensei em outros termos mais vulgares, mas desistir de postá-los) do estudante de Direito Lucas Corrêa Bontempo Leite - guardem bem esse nome, pois daqui a alguns anos ele estará no mercado de trabalho (http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2011/06/24/estudante-que-disparou-chumbinho-em-criancas-mantinha-arsenal-de-verdade-em-casa-924761225.asp).

De linhagem (ao menos em princípio) "nobre" - dado que o meliante em questão é "filho de médicos", de acordo com a matéria do O Globo online - Leite prestou-se ao desserviço de "testar" uma arma carregada com chumbinho em três crianças que brincavam em um praça próxima de sua residência, em Santo André (SP). "Segundo testemunhas, ele disparou mais de uma vez em direção ao chafariz do parque, onde as crianças brincavam, e se escondeu".

Mas a bricandeira de mau-gosto não parou por aí. Numa varredura empreendida pela polícia militar, foi encontrado um verdadeiro arsenal na casa do infrator: "uma pistola automática, uma garrucha calibre 32, uma espingarda e um rifle para munição de chumbo. Também foram apreendidas uma máquina de choque, três punhais, cinco espadas, um machado de artes marciais, três canivetes e um soco inglês". É mole?

Se bem que o gesto irresponsável de Leite prestou ao menos um grande favor à população de Santo André. Visto que a atitude estúpida não deixou vítimas fatais, ela acabou possibilitando uma intervenção rápida e ativa da polícia. Afinal, antes agora do que mais tarde, quando ele obtivesse seu brevê de sniper.

Bom... se ele prestou mesmo um favor, que fique claro então que este foi totalmente destituído de nobreza. Sobrou-lhe arrogância e crença na impunidade. Duas atitudes, por sinal, bem características das pessoas que agem movidas por privilégios da origem... nada nobre!

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