UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Identidades roubadas

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Identidades roubadas

Alguém aí lembra uns dias atrás todo a celeuma criada em torno de uma suposta blogueira lésbica síria - Amina Abdallah - que teria sido também supostamente sequestrada por criticar o presidente Bashar al-Assad? Não? Então nem precisa lembrar! Mesmo porque ela não existe. Isso mesmo: ela foi a criação literário-ficcional de uma estudante americano de 40 anos, Tom MacMaster (http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2011/06/13/estudante-americano-assume-autoria-de-blogueira-gay-siria-que-teria-sido-sequestrada-924669270.asp).

Bem, todos sabemos que usar pseudôminos é coisa mais velha do que andar para frente. Assim fez Tomás Antônio Gonzaga com as os poemos satíricos Cartas Chilenas, numa estratégia deliberada para criticar o então governador de Minas Gerais, Luís da Cunha Menezes. A lista de adeptos de pseudônimos é extensa e nela entram outros nomes famosos como Emily Dickinson, Fernando Pessoa e até o grande mestre (salve, salve!) Machado de Assis. Até Cazuza já usou o Codinome Beija-flor em prosa e verso. O grande problema, a meu ver, da farsa identitária idealizada pelo americano mitômano não está no uso do pseudômino em si, mas em outros deslizes éticos que ele andou cometendo.

Em primeiro lugar, o blogueiro disfarçado de lésbica andou roubando a foto de uma mulher britânica para utilizá-la em seu blog, obviamente sem o consentimento da mesma (!!!!!). Desse deslize, ele se defende dizendo que já pediu desculpas.

Em segundo lugar, vem o argumento utilizado para justificar a utilização de uma identidade forjada. A matéria do O Globo transcreve o depoimento dado pelo blogueiro à BBC da seguinte forma: "Há alguns anos, em discussões sobre o Oriente Médio nos EUA, eu reparava que sempre que eu apresentava a minha opinião, alguém reagia, perguntando por que eu era antiamericano ou antisemita. Então, eu inventei essa personagem, para que as pessoas parassem de se importar com o interlocutor e começassem a prestar atenção nos fatos em si".

Se levarmos a sério o argumento, entenderemos que a idealização da identidade em questão - uma militante lésbica, crítica de um regime autoritário - foi utilizada como um subterfúgio para defender das possíveis críticas às suas posições. Aí, vocês poderiam dizer que até aqui a estratégia do blogueiro em nada difere daquela adotada nas Cartas Chilenas. E eu diria que sim, com uma única ressalva: Tomás Antônio Gonzaga o fez num contexto de dominação política em que a crítica era punida com a morte; o senhor MacMaster o fez com medo de responder pelo teor das suas próprias posições em um país laico e democrático (bem, pelo menos em princípio...). Entre um exemplo e outro, existe, portanto, duas diferenças básicas: o sistema político em voga em cada contexto e a responsabilidade assumida pelo autor pelos próprios atos. Essas duas "pequenas" diferenças separam um herói de um impostor.

Mas o mais grotesco mesmo dessa estratégia deliberada de querer se passar pelo que não é reside na dimensão ética dessa "adoção" identitária : utilizar da vulnerabilidade de uma determinada identidade em um dado contexto sócio-político - ser mulher e lésbica em um país muçulmano - para se promover. Pior, MacMaster quis vitimizar essa posição "subalterna" - já que uma suposta "prima" da falsa blogueira havia publicado um comentário no blog, dizendo que Amina havia sido sequestrada por seguranças do presidente Assad - para promover as suas próprias ideias acerca do regime sírio.

Moral da história: o que está a prêmio agora não é a cabeça da blogueira lésbica, mas a do próprio MacMaster, que desagradou profundamente os verdadeiros ativistas e blogueiros pró-direitos humanos sírios. O depoimento a seguir é atribuído a Sami Hamwi, ele próprio adepto de um pseudônimo e editor do site GayMiddleEast.com: "Os blogueiros na Síria estão tentando divulgar ao máximo o que está acontecendo no país. Temos que lidar com problemas muito maiores do que você (MacMaster) pode imaginar. Você nos prejudicou, colocou a vida de nós (ativistas) em perigo e nos deixou receosos em relação à nossa própria causa". É... Tem doido e mau-caráter para tudo neste mundo...

Nenhum comentário:

Postar um comentário