UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: No túnel do tempo da publicidade 8

quinta-feira, 23 de junho de 2011

No túnel do tempo da publicidade 8

Publicidade e questões de gênero são, sem dúvida, temas que dão muito pano para manga.

No último comentário que fiz sobre publicidades de cigarro voltadas especificamente para o público feminino, lembrei que a indústria do tabaco passou a privilegiar as mulheres em função da sua maior propensão ao vício com o cigarro (http://cronicasdejuvenal.blogspot.com/2011/06/no-tunel-do-tempo-da-publicidade-7.html).

Bem, por mais excusos que fossem os motivos que levassem a indústria do tabaco a privilegiar o público consumidor feminino, ao menos em um aspecto aquelas publicidades eram mais respeitossas do que outras veículadas na mesma época: nas primeiras, a mulher era considerada um pólo decisório importante no processo de consumo, ao passo que, nas últimas, ela encarnava o próprio objeto de desejo, numa complexa rede de significados que a relacionavam com um produto específico.

As publicidades que mostrarei mais abaixo foram veículadas no início dos anos 1980 e dão uma dimensão do ponto ao qual a associação entre a mulher e o objeto de consumo pode chegar. Na verdade, essas publicidades constroem, expressam e reforçam um determinado imaginário masculino. O expectador ideal dessas publicidades, claro, são homens, ou melhor: elas se dirigem a uma parcela de homens com um perfil bastante definido. Vejamos como é esse imaginário por meio de alguns exemplos.

Exemplo 1: o homem potente (Revista Isto É, 23-10-85, p. 45)

Esta interessante publicidade de secadores da Philips consegue um feito publicitário inédito: associar, numa mesma publicidade, a potência sexual masculina a dois produtos diferentes - moto e secador de cabelo. Isso equivale a acender uma vela para o santo e outra para o diabo na mesma publicidade. Na pior das hipóteses, foram as motos que ganharam uma publicidade involuntária.

Reparem em duas sutilezas que fazem o elo com a potência sexual masculina: estar em cima de uma moto de 450cc a 140km/h; estar embaixo dos 1300 watts de potência do "hot machine". Alguma dúvida sobre a associação entre as duas experiências (estar ora embaixo, ora em cima) com a potência sexual do homem? Então dêem uma olhada na ilustração do secador: o cabo dobrável do secador remete a uma ereção. É muita sutileza para uma publicidade só, credo em cruz!

Exemplo 2: o homem poligâmico (Revista Isto É, 22-08-84, p. 12)

Senhoras e senhores: se nos fiarmos a esta publicidade da vodka Eristoff, o homem poligâmico é, antes de tudo, um homem ousado, um homem que consegue "sentir o prazer de seguir os próprios impulsos".

Compromissos? Só com ele mesmo, ressalta a publicidade. Basta olhar para a foto para concluir: "uma experiência é sempre uma experiência a mais". E s'imbora que a fila tá andando!

Exemplo no. 3: o homem de perspectiva (Revista Veja, 06-01-82, p. 5)

O Homem ao qual apela esta publicidade é basicamente um homem de perspectiva. E enquanto tal, ele sabe colocar seu objeto de interesse na posição que mais lhe convém.

A foto desta publicidade do jeans de lycra Beltramo não deixa a menor dúvida! Contra um bumbum desprevenido, nada como um expectador atento, cuidadoso e bem intencionado: "é bom prevenir os traseiros que usam jeans" contra "o falso índigo" que "desbota nas lavagens", alerta o reclame. Ai, ai... É tanto altruísmo que chega a me encher os olhos de lágrimas!... Passemos então à próxima publicidade.

Exemplo no. 4: o homem apaixonado por futebol (Revista Veja, 04-03-81, p.5)

Homem que é homem adora futebol! E homem que é homem mesmo, de verdade, vivencia sua paixão por futebol em todas as situações possíveis: até na hora de obter sua declaração de renda!

Essa pérola publicitária do Banco Bradesco é, sem dúvida, um hino de amor ao futebol. Aliás, esse banco só escala craque que "está treinado, atende rápido e domina a área". Alguma dúvida? Olhe bem para a moça da foto e veja se ela não te inspira confiança. A assinatura da marca diz tudo: "garantia de bons serviços". Com uma atendente dessas, derrubou na área do cliente Bradesco, é pênalti!

Passemos agora ao último exemplo da série.

Exemplo 5: o bom condutor (Revista Isto é, 21-10-81, p. 54)

A máxima da publicidade que apela ao protótipo do bom condutor é: "hay que endurecer, pero sin perder la ternura". Trocando em miúdos: até o mais macho dos machos deve saber ser bonzinho quando a ocasião lhe for favorável.

Portanto, machos do mundo inteiro, aprendam com a publicidade do cinturaço Pirelli, aquele que "é forte, mas ao mesmo tempo macio, segura bem nas curvas e ajuda a economizar combustível"! Tá aí a Kate Lyra que não me deixa mentir: "que categoria"!

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