UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: No túnel do tempo da publicidade 11

terça-feira, 19 de julho de 2011

No túnel do tempo da publicidade 11

Só hoje eu percebi - não sem alguma consternação - que quando falo de publicidade, apelo sempre para a descrição da norma. Mesmo quando uso exemplos cuidadosamente pinçados nos meus alfarrábios, sempre o faço para demonstrar aquilo que percebo como sendo uma tendência ou um padrão de representação, de linguagem, de visão de mundo. Pois bem. Diante dessa constatação, eu hoje eu vou fazer diferente: vou mostrar a tendência e o contra-exemplo.

O tema que servirá de pano de fundo para a minha demonstração é aquela velha mania que muitos de nós, brasileiros, temos de valorizar cultural, econômica e politicamente o que vem do Hemisfério Norte. Em priscas eras, essa mania ganhou um nome específico - "eurocentrismo" - por descrever prática comum nos tempos coloniais que, nem de longe, estavam restritas ao campo da publicidade.

Na publicidade brasileira, mais especificamente, não faltam exemplos de representações "eurocêntricas", como estas veiculadas no ano de 1979 :













Fontes: Revista Veja, 07-03-1979, p. 71; Revista Veja, 26-09-1979, p. 18; Revista Veja, 12-12-1979, p. 7; e Revista Veja, 10-10-1979, p.7.




Apesar de ser um termo velho e batido para alguns, suas implicações são ignoradas por muitos outros. Para estes últimos, fica aqui uma definição preliminar: eurocentrismo é "uma visão de mundo que tende a colocar a Europa (assim como sua cultura, seu povo, suas línguas, etc.) como o elemento fundamental na constituição da sociedade moderna, sendo necessariamente a protagonista da história do homem" (http://pt.wikipedia.org/wiki/Eurocentrismo).

Bem, um dos grandes problemas do "eurocentrismo" é que ele não acabou com o fim da era colonial. Mesmo depois de rompidos os laços políticos e econômicos de subordinação à "metrópole europeia", a supervalorização das referências culturais europeias gera efeitos de longo-prazo nas mentalidades de Pindorama. Ora, no caso específico da publicidade - que é o que por ora nos interessa mais de perto - já vem de longa data a acusação de que a publicidade brasileira privilegia principalmente padrões europeus de beleza e de sofisticação.

E por que, cargas d'água, isso seria um problema? Muito simples: o mundo não se resume à área territorial da Europa. E, por mera extensão do raciocínio, nem a dos Estados Unidos e do Canadá. Ou seja, exemplos positivos de riqueza (material e imaterial), de conhecimento e de beleza podem ser buscados em outras partes do mundo e reconhecidos enquanto tal.

Um bom contra-exemplo desta tendência é esta publicidade que, ao falar do Brasil e de seus produtos, reconhece valores, aquisições e projetos de vida de outras partes do mundo - para além da Europa, da América do Norte e do Japão (como costuma acontecer nas publicidades de produtos eletro-eletrônicos). Mas ela faz muito mais do que isso, se vocês tiverem o cuidado de ler atentamento o (longo, diga-se de passagem) texto da pagina direita do anúncio.

Fonte: Revista Veja, 28-02-1979, p. 42-43.

Em primeiro lugar, esta é uma das raríssimas publicidades que utilizam como protagonista um homem (ainda que a imagem traga um casal) africano, com vestes típicas de seu país.

Em segundo lugar, Femi Olusola, o protagonista do anúncio em questão, não é de forma alguma apresentado como refugiado, faminto, nem como objeto de nenhuma caridade ou ação assistencialista ou humanitária da parte de um país de primeiro mundo. Ao contrário, Olusola é um ícone do homem bem-sucedido: concluiu seu mestrado em física nuclear na Unicamp, fez estágio na Usina de Angra e está prestes a voltar ao seu país.

Em terceiro lugar, a Nigéria, seu país de origem, é descrito um dos países "mais desenvolvidos do mundo". No país de Olusola, existe espaço para sonho e para ascensão social: ele almeja uma bela casa em Lagos, onde viverá com esposa e um filho (nada de prole numerosa e faminta) e um Lisarb GT-2008.

Claro, se prosseguirmos a leitura do texto, veremos que a descrição é desinterrada: ela é um subterfúgio para falar que a aquisição do carro de luxo por Olusola em Lagos foi obra de um acordo comercial entre o Brasil e os países africanos. Em última instância, o texto faz apologia à política de industrialização e aproximação comercial com os países empreendida durante os anos do governo militar - política da qual o Banco do Brasil foi "agente ativo". Algo compreensível já que, afinal, a publicidade é assinada pelo Banco do Brasil e não pela marca de automóveis Lisarb.

Feitas todas estas ressalvas, fica aqui a grata sensação de ter visto, pela primeira vez na vida, uma publicidade que tenha, primeiramente, atribuído valor a um modelo social não-eurocêntrico (ainda que alguns possam protestar que este modelo de modernização é eurocêntrico, sim, que aquela ali não é "verdadeira" África, aquela das tradições e da cultura ancestral, mas essa querela prefiro deixar para outro dia). Além disso, esta é, sem dúvida, uma publicidade que resistiu bravamente à tentação de cair nos lugares comuns sobre a África (miséria e exotismo) e de representá-la para além de uma relação assistencialista ou de subordinação.

Difícil em se tratando da publicidade brasileira? Talvez. Mas certamente não é impossível. Aliás, já não era em 1979!

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