UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Nós e os peixes morremos pela boca!

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Nós e os peixes morremos pela boca!

Gostei de ver o rebu gerado na imprensa com a divulgação da pesquisa "Análise de Consumo Alimentar Pessoal no Brasil, da Pesquisa de Orçamentos Alimentares 2008-2009", encabeçada pelo Instituto Brasileiro e de Geografia e Estatística (IBGE). Partindo de um universo de 34 mil respondentes, a pesquisa solicitou que cada um relatasse, individualmente, tudo o que foi comido e bebido ao longo de dois dias não consecutivos.

Logo de partida, uma constatação digna de nota: o tema recebeu tratamentos bastante diferenciados da parte de alguns veículos informação que consultei.

A ênfase conferida pelo Jornal Hoje em Dia (http://www.hojeemdia.com.br/2.268/2.273/parcela-mais-pobre-da-populac-o-tem-dieta-mais-saudavel-1.316987), por exemplo, recai sobre a dismistificação da ideia de que pessoas de renda mais alta (superior a R$ 1.089) têm necessariamente uma alimentação melhor do que as de rendas mais baixa (até R$ 296). A matéria cita a avaliação deAndré Martins, pesquisador do IBGE: "Como [as pessoas de menor renda] não têm disponibilidade para comprar tanto, têm uma alimentação mais básica. E a alimentação mais básica tem melhor qualidade nutricional", relata Martins. Por sinal, o Hoje em Dia foi o único veículo aqui analisados a consultar um especialista que trabalha junto ao órgão que gerou os dados.

A avaliação de Martins deixaria qualquer um aliviado, se uma ressalva importante não fosse feita: "Nos rendimentos mais baixos, você tem muita presença de carboidrato. Já tem também açúcar e gorduras, mas nem tanto quanto os de maior renda porque não tem disponibilidade para ficar comprando batatinha [industrializadas]. Mas mesmo na classe menos favorecida você já tem inadequação de gordura e açúcares". Conclusão: na escola da alimentação saudável, todo mundo tomou bomba!

A matéria da Folha Online, por sua vez, começa dando ênfase às diferenças de idade, renda e região (http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/950721-mais-velhos-e-mais-ricos-comem-mais-salada-no-brasil.shtml). "Os brasileiros mais velhos comem mais salada do que os mais jovens", avisa. As discrepâncias de renda são abordadas não pelas diferenças, mas pelo seus pontos fortes: "Os indivíduos que se encontram entre os 25% mais pobres comem mais arroz e feijão --alimentos que podem compor uma dieta saudável-- do que os mais ricos. No entanto, os de maior renda também relataram maior consumo de frutas e verduras".

Mais uma vez, quem se animou com esses resultados iniciais ganhou uma ducha de agua fria nas linhas subsequentes. É que os hábitos do população, vista como um todo, estão muito longe dos patamares ideiais: 1) "Mais de 90% dos brasileiros consomem menos frutas, legumes e verduras do que o recomendado pelo Ministério da Saúde"; 2) "O consumo de fibras ficou abaixo do recomendado para 68% dos brasileiros"; 3) "açúcares e gorduras saturadas, o consumo é em excesso, respectivamente, entre 61% e 82% da população"; 4) tudo isso, sem contar as taxas insuficientes de consumo de vitamina A, D e E, cujos resultados também beiram a calamidade pública.

No que se refere ao O Globo Online (http://oglobo.globo.com/vivermelhor/mat/2011/07/27/brasileiro-mantem-tradicao-do-arroz-feijao-mas-prefere-alimentos-com-baixo-teor-nutritivo-924989034.asp#ixzz1TSU62mIt), a matéria prioriza uma visão de conjunto da população brasileira, que vive, ao que parece, uma verdadeira crise de identidade entre a alimentação dita "tradicional" (arroz, feijão, carne, café, turbérculos) e uma alimentação industrializada, rica em açúcar e gorduras saturadas e insuficiência de fibras: "o brasileiro combina a dieta tradicional à base de arroz e feijão com alimentos de teor reduzido de nutrientes e de alto nível calórico. Faltam frutas, legumes e verduras, que são consumidos em quantidades adequadas às recomendações do Ministério da Saúde por menos de 10% das pessoas".

Para quem gosta de gráfico, a matéria do O Globo é um prato cheio. Ela apresenta dados referentes ao consumo diário em gramas dos principais alimentos da mesa do brasileiro: feijão, arroz, carne, sucos, refrigerantes, café e sopas e caldos. Ela também traz uma radiografia do que é mais consumido fora de casa: cerveja, salgados fritos e assados, salgadinhos industrializados, salada de frutas, chocolates, refrigerantes, bebidas destiladas, pizzas e sanduíches. Informações referentes às diferenças entre zona rural e zona urbana, bem como os principais problemas da alimentação do brasileiro (açúcar livre, gordura saturada e fibra) também são reproduzidas em gráficos.

Mas o mais interessante mesmo foi perceber o óbvio: que uma diversidade de abordagens é tanto mais possível quando a fonte inicial não é uma agência de notícias. Explico: a crítica de que as agências homogeinizam a informação numa escala global, deixando os jornalistas locais cada vez mais preguiçosos e presos ao texto fornecido pela agência, é antiga, mas nunca me pareceu tão real como agora. A novidade aqui é a verificação do mal causado pelas agências a partir de um contra-exemplo: uma notícia nacional - a divulgação de uma pesquisa sobre os hábitos alimentares no Brasil - recebendo uma ênfase totalmente diferenciada de cada veículo onde foi abordado.

Ficam aqui alguns vislumbres de esperança no horizonte jornalístico: a diversidade de abordagens - pelo menos no dia de hoje - ainda pareceu ser possível.

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