UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Convocatória

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Convocatória

A coisa mais frustrante do mundo deve ser o tal do recall - uma dessas palavrinhas importadas que ninguém teve a competência de traduzir para o português, mas que poderia ser substituída sem grandes danos por "convocatória". Já repararam que ninguém nunca faz recall de produto barato, descartável ou de segunda linha? É só com produto bacana que acontece o tal do recall. O que termina contribuindo ainda mais para a frustração do consumidor afetado.

Claro, tudo tem sua razão de ser: se vocês repararem bem, o recall acontece justamente naquela fase em que o usuário, de posse da sua nova aquisição, vive o auge do seu furor exibicionista. Só que aí um defeito grave é detectado no produto, a empresa convoca os consumidores, e estes têm de enfiar o rabinho entre as pernas e ir até a assistência técnica autorizada para trocar seu gadget - por sinal, outra palavrinha metida a besta que não deixa nada a dever para "engenhoca", com o complicador de que somente os leitores das histórias do Professor Pardal terão ouvido falar deste termo.

Pensem bem: em um mundo em que "ter" coisas confere algum status social às pessoas, passar pela experiência do recall é, antes de tudo, uma puxada de tapete que ninguém nesse mundo há de gostar. E apesar do recall ser uma dor de cabeça sem grandes consequências monetárias, já que a empresa se prontifica a assumir o erro e repor o produto, ele produz na sua vítima um elevado teor de desconforto moral. Estudos impublicáveis em anais de pesquisa inexistentes apontam que o grau de frustração é comparável a ter o tão esperado e desejado doce retirado da sua boca justamente na hora em que você salivava tal qual um cão raivoso. Deve, portanto, reavivar altos traumas de infância, deixando o consumidor a beira de um colapso psico-existencial. Nada que dez anos de análise não possam agravar, obviamente...

Mas deixemos a divagação de lado e voltemos aos fatos: hoje a Folha online publicou uma notícia que contradiz casos clássicos de recall. É que "a Apple vai trocar unidades do iPod Nano de primeira geração, que podem ter problemas de sobreaquecimento de bateria" (http://www1.folha.uol.com.br/tec/1006323-apple-anuncia-recall-do-ipod-nano-de-1-geracao.shtml). Até aí, nada de anormal. A informação seguinte é que me pareceu curiosa, dado o tipo de produto que está sendo requerido e o perfil do seu público-alvo: "Os modelos afetados foram vendidos entre setembro de 2005 e dezembro de 2006".

Ora, para quem gosta de desfilar com o último modelo de qualquer coisa, pedir para achar aquele modelo comprado em longas filas nas Lojas Americanas nos idos de 2005 e 2006 é a comparável a fazer um recall de gramofones: alguém aí ainda tem um? 30% dirão que já perderam o seu; outros 40% tiveram o seu exemplar roubado; e os 30% restantes alegarão tê-lo visto sendo babado ou pela irmã mais nova, ou pelo seu animal doméstico, ou ambos.

Aqui vai uma prova de que não estou falando mentira. Em comunicado à imprensa, é a própria Apple que afirma que "a possibilidade de acidente é rara, mas ela aumenta à medida que a bateria vai se tornando obsoleta". Ora, se a bateria está obsoleta, o que não dizer então do produto?

E tem mais: se alguém aí esperava sair da assistência técnica com outro brinquedinho na mão, pode ir tirando o cavalinho da chuva que cai lá fora. "O consumidor deve obter a unidade de troca em, aproximadamente, seis semanas após a Apple receber o iPod Nano com defeito". E, para encerrar o assunto, a última má notícia do dia: "A Apple não informa qual modelo de iPod Nano o consumidor deve receber na troca".

Portanto, preparem-se: mais dez anos de análise estão por vir!

Nenhum comentário:

Postar um comentário