UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Jornando no asteróide

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Jornando no asteróide

Pronto, passou! E nada de anormal aconteceu. Não que não tenha acontecido eventos trágicos, impestivos ou tristes ao longo do dia de hoje. Mas isso sempre acontece, com ou sem a passagem do asteróide 2005 YU55, aquele que passaria (e de fato passou) a uma distância menor do que a que separa a Terra da lua.

Pois eu posso dizer que no espaço dos 325 mil km que nos separaram do 2005 YU55 precisamente às 21h28 (horário de Brasília) faltou mesmo foi lirismo (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1003781-em-rara-aproximacao-asteroide-passa-a-300-mil-km-da-terra-diz-nasa.shtml). Isso mesmo! Faltou poesia, versinhos, sonetos, operetas ou cantigas de ninar que falem de um asteróide esférico, cor de carvão, pobre fragmento errante que viaja só desde a formação do Sistema Solar há cerca de 4,5 bilhões de anos (http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2011/11/08/asteroide-passa-de-raspao-pela-terra-pouco-mais-de-325-mil-km-h-925766185.asp).

É muita solidão para um pequenino astro. Estava então prestes a imaginar um diálogo enternecido com o pobre 2005 YU55, quando uma coletânea de poemas de Wislawa Szymborska me cai no colo (obra do acaso quântico escondido na poeira do asteróide? Talvez). O problema é que alguém muito mais genial do que eu - a autora em questão - já tinha imaginado um diálogo com uma pedra. Neste diálogo entre uma poeta curiosa e um pedra durona, o desfecho é surpreendente.

O poema é o seguinte:

"Conversa com a Pedra

Bato à porta da pedra.
- Sou eu, me deixa entrar.
Quero penetrar no teu interior
olhar em volta,
te aspirar como o ar.

- Vai embora - diz a pedra. -
Sou hermeticamente fechada.
Mesmo partida em pedaços
seremos hermeticamente fechadas.
Mesmo reduzidas a pó
não deixaremos ninguém entrar.

Bato à porta da pedra.
- Sou eu, me deixa entrar.
Venho por curiosidade pura.
A vida é minha ocasião única.
Pretendo percorrer teu palácio
e depois visitar ainda a folha e a gota d'água.
Pouco tempo tenho para tudo isso.
Minha mortalidade devia te comover.

- Sou de pedra - diz a pedra -
e forçosamente devo manter a seriedade
Vai embora.
Não tenho o músculo do riso.

Bato à porta da pedra.
- Sou eu, me deixa entrar.
Soube que há em ti grandes salas vazias,
nunca vistas, inutilmente belas,
surdas, sem ecos de quaisquer passos.
Admite que mesmo tu sabes pouco disso.

- Salas grandes e vazias - diz a pedra -
mas nelas não há lugar.
Belas, talvez, mas para além do gosto
dos teus pobres sentidos.
Podes me reconhecer, nunca me conhecer.
Com toda a minha superfície me volto para ti
mas com todo o meu interior permaneço de costas.

Bato à porta da pedra.
- Sou eu, me deixa entrar.
Não busco em ti refúgio eterno.
Não sou infeliz.
Não sou uma sem-teto.
O meu mundo merece retorno.
Entro e saio de mãos vazias.
E para provar que de fato estive presente,
não apresentarei senão palavras,
a que ninguém dará crédito.

- Não vais entrar - diz a pedra. -
Te falta o sentido da participação.
Nenhum sentido te substitui o sentido da participação.
Mesmo a vista aguçada até a onividência
de nada te adianta sem o sentido da participação.
Não vais entrar, mal tens ideia desse sentido,
mal tens o seu germe, a sua concepção.

Bato à porta da pedra.
- Sou eu, me deixa entrar.
Não posso esperar dois mil séculos
para estar sob o teu teto.

- Se não me acreditas - diz a pedra -
fala com a folha, ela dirá o mesmo que eu.
Com a gota d'água, ela dirá o mesmo que a folha.
Por fim pergunta ao cabelo da tua própria cabeça.
O riso se expande em mim, o riso, um riso enorme,
eu que não sei rir.

Bato à porta da pedra.
- Sou eu, me deixa entrar.

- Não tenho porta - diz a pedra."

(Wyslawa Szymborska, Poemas. São Paulo, Companhia das Letras, 2011: 33-35).

Senhoras e senhores, uma coisa é certa: eu hoje daria tudo para ser esta pedra!

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