UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Várias crateras e um censo

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Várias crateras e um censo

Para quem reclamava ontem da falta de assunto e da ausência de meteoros e cataclismas na pauta jornalística diária, a cobertura de hoje está um prato cheio. Lá tem de tudo, inclusive cataclismas dos mais variados, causados ou não pela queda de meteoros.

Comecemos, pois, pelos cataclismas mais simples, isto é, os de origem natural e que não dependem da interferência do homem - mesmo porque o homem ainda não existia. Estou falando especificamente da cratera de 10km de extensão que pesquisadores da Unicamp encontraram no Piauí e que teria sido formada na mesma época da extinção dos dinossauros (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1007265-piaui-pode-ter-cratera-formada-na-epoca-dos-dinossauros.shtml).

A cratera de Santa Marta, localizada no município de Gilbués (PI), pode ter sido formada há cerca de 65 milhões de anos, período análogo ao da famosa cratera de Chicxulub, no México, e a cujo surgimento está associado o desaparecimento dos dinossauros na Terra. A estrutura circular da cratera, por exemplo, é um indício de que ela tenha sido formada em consequência da queda de um meteorito, conforme explica o coordenador do projeto da Unicamp, Carlos Roberto Souza Filho, em geologuês fluente: "Encontramos praticamente todas as feições macroscópicas, como cones de estilhaçamento, e microscópicas, como deformações em quartzo, que sinalizam a passagem de ondas de choque e a deformação de materiais relacionadas a um impacto", relata o pesquisador.

A descoberta traz um elemento adicional às teorias sobre as alterações climáticas que resultaram no desaparecimento dos dinossauros e de cerca de 70% da biodiversidade da face da Terra pois correlaciona o surgimento da cratera de Santa Marta com a de Chicxulub, no México. Se comprovada, "essa identificação temporal é importante porque uma das hipóteses em debate hoje em dia considera que o impacto no México pode ter sido acompanhado por outros simultâneos em várias regiões da Terra", explica a matéria da Folha online.

Mas nem só de cataclismas naturais, dispersos no tempo, vive nosso rico país. Já me explico: é que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) liberou hoje de manhã os dados do Censo 2010. Nesse caso, o cataclisma é proporções políticas e sociais: com 84,4% dos seus 190,7 milhões de habitantes morando nas cidades, nosso país até tenta sair da cratera do subdesenvolvimento, mas o fosso é bem extenso do que a de Santa Marta.

Para início de conversa, disparidades de gênero, raça e localização geográfica ainda grassam nas estatísticas do nosso último decênio: brancos recebem 2,4 vezes mais do que negros em municípios de maior porte; homens recebem 42% a mais do que as mulheres, apesar destas últimas chefiarem atualmente 40% dos lares brasileiros; e os maiores índices de analfabetismo coincidem justamente com os menores de saneamento básico nos estados do Norte e Nordeste (http://oglobo.globo.com/pais/dados-do-censo-2010-confirmam-reducao-do-analfabetismo-3248285).

Essas duas últimas realidades - analfabetismo e saneamento básico - merecem aqui algumas considerações adicionais. Se, por um lado, é verdade que a taxa de analbafetismo para pessoas com 15 anos ou mais caiu de 13,6% para 9,6% no país, por outro, ele permanece elevado nas zonas rurais. Ao que parece, o analbabetismo está concentrado principalmente nas regiões Norte e Nordeste: "Alagoas foi o estado com maior percentual de analfabetismo das pessoas de 10 anos ou mais (22,5%), seguido de Piauí (21,1%), Paraíba (20,2%) e Maranhão (19,3%)".

Quanto ao saneamento básico, a taxa de acesso à rede de esgoto e fossa séptica passou, nos últimos dez anos, de 62,2% para 67,1% - um aumento relativamente tímido, se comparado ao "crescimento" econômico reivindicado em outros momentos pela mídia afora. E são justamente estas taxas que deixam às claras que o abismo regional persiste nos dias atuais: "enquanto no Sudeste o percentual é de 86,5% e no Sul, de 71,5%, no Centro-Oeste ele é de 51,5% e, no Nordeste, é de 45,2% -- ou seja, mais da metade dos domicílios no Nordeste não contam com rede de esgoto. No Norte, o percentual chega a ser pior: 32,8%, o que significa que cerca de 70% dos domicílios não têm rede de esgoto".

Diante de tanta disparidade, fica aqui a pergunta: o que fazer para superar esse quadro de diferenças abismais em termos de acesso a infra-estrutura básica e educação? Bem, é justamente nesse ponto que a metáfora do abismo perde sua potência expressiva. É que os dois tipos de crateras que marcam a história (antiga e recente) deste país também possuem as suas próprias singuralidades. E ainda que o impacto de um meteorito tenha "marcado o final do período Cretáceo, há 65 milhões de anos", segundo consta na matéria da Folha, não dá para esperar que um único meteorito caia hoje nessas regiões e acabe de vez com todos os cretinos - e aqui me refiro particularmente aos que se elegem às custas desse quadro de assimetria social e dele se beneficiam para continuar como estão: no poder. Basta dar uma olhada nos fósseis políticos que os estados de Alagoas, Maranhão e Piauí têm nos presenteado nos últimos anos...Melhor seria ameaçá-los de extinção!

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