UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Sono, balbúcia e sentido

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Sono, balbúcia e sentido

Além de sobrecarregar o fígado, dormir pouco e muito tarde tem outros efeitos colaterais perversos e de efeito imediato. Um deles é acordar procurando sentido nas coisas. O outro é procurar, procurar, procurar e não encontrar. Ou pior: recusar ver sentido em tudo o que parece claro e translúcido.

Esta notícia aqui publicada hoje na Folha online, por exemplo, toca em cheio na questão do sentido (e de onde ele emerge): mercado de brinquedos nos Estados Unidos acaba de ser apresentado a uma boneca que fala palavrões (http://www1.folha.uol.com.br/mundo/1010850-boneca-que-fala-palavrao-causa-indignacao-entre-pais-nos-eua.shtml).

A venda nas lojas "Toys 'R' Us", o brinquedo está sendo acusado de balbuciar as palavras "crazy bitch" (algo semanticamente próximo a "puta louca"). Questionada pela opinião pública por lá, a famosa rede de lojas de brinquedo se defende com um argumento no mínimo suspeito: "Um porta-voz da cadeia, contactado pela AFP, afirmou que a boneca não diz palavrões, apenas balbucia". Pelo visto, falar palavrão não pode, mas balbuciar, pode.

Enfim... Ainda que a marca ou o fabricante do produto não tenham sido revelados em nenhuma passagem da notícia (muito menos o que significa a sigla AFP), sabe-se pelo menos que ele faz parte de uma linha intitulada "You & Me Interactive Triplets". O que não ajuda muito na falta de sentido do brinquedo: se a linha cumprir a promessa que traz no seu nome (o que poderia ser traduzido como "tríade interativa 'Eu & Você' "), não quero nem ver que tipo de diálogo edificante e interativo o restante da trinca espera ensinar aos pobres lactentes daquele país.

E já que eu comecei a conversa hoje falando de sono (ou da falta dele), eis aqui outra matéria, publicada no mesmo jornal, que trilha a mesma senda de coisas que ora parecem sem sentido, mas depois deixam de ser: a mergulhadora italiana Cristina Zanato desenvolveu técnica única para imobilizar tubarões, colocando-os para dormir (http://f5.folha.uol.com.br/bichos/1010821-mergulhadora-desenvolve-tecnica-para-adormecer-tubaroes.shtml).

A técnica consiste em "ao esfregar com a mão suavemente sobre pequenas aberturas ao redor de sua boca e nariz, conhecidas como ampolas de Lorenzini". Se nos fiarmos nas fotos que o fotógrafo brasileiro Marcio Lisa tirou de uma sessão de adormecimento de tubarões promovida pela mergulhadora nas Bahamas, a técnica parece ser até bem eficaz: "ela induz os animais a um estado de paralisia, no qual eles ficam por até 15 minutos".

Como toda descoberta involuntária, a arte de transformar tubarões em Belas Adormecidas nasceu do susto e da total ausência de sentido: "Aprendi (a técnica) por acidente. O tubarão vinha alto em direção ao meu rosto. Eu o toquei para empurrá-lo para baixo, mas o tubarão parou de nadar. Foi um comportamento que nos maravilhou e não podíamos explicar".

Com o tempo, a mergulhadora descobriu que o sentido morava nas tais ampolas de Lorenzini, "órgãos sensoriais eletrorreceptores que ajudam os animais a detectar vibrações ao seu redor". O problema é que a hilação entre a massagem sobre o órgão e o efeito adormecedor pode ser tênue se você não conhecer suficientemente a anatomia do animal e - literalmente - errar a mão. Eu, cá do meu lado, jamais tentaria: antes sem sentido, do que sem a mão!

Bem, já que nada faz sentido para mim hoje, o melhor mesmo é eu ir andando. Está na hora de procurar o sentido da minha existência em outro lugar. E vamos ver se hoje eu durmo mais cedo, isto é, se os deuses se reunirem em conselho e aprovarem o meu pedido encaminhado em três vias autenticadas em cartório.

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