UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Obviedades: uma grandeza escalar

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Obviedades: uma grandeza escalar

Por mais que digam, que façam e que aconteçam, o "óbvio" para mim continua sendo um mistério. Já havia falado de obviedades ululantes aqui em outra ocasião (http://cronicasdejuvenal.blogspot.com/2011/07/meias-verdades-e-o-obvio-ululante.html) e seu eterno confronto com as meias-verdades. No entanto, não vou esconder que as primeiras continuam me interpelando mais do que estas últimas. É estranho ver, por exemplo, as coisas que considero como sendo de uma obviedade crassa precisarem ser repetidas reiteradamente, ao passo que outras, vistas como consensuais, acabam produzindo erros grosseiros (e muitas vezes irreparáveis) de julgamento.

Com base nessas variações - e tentando tornar as coisas um pouco menos complicadas no mundo em que vivemos - decidi propor uma grade para a avaliação das obviedades de acordo com uma escala crecente que vai de 1 a 3. As obviedades mais óbvias e incontroversas - isto é, aquelas que você só ignora porque quer - serão marcadas com grau 1. As medianas e que comportam alguma variação em termos de coesão de crenças e de adesão serão marcadas com grau 2. As obviedades absurdas ou nada óbvias, ou seja, aquelas que fundadas em um pré-conceito sobre uma dada situação e que podem induzi-lo a um grave erro de julgamento, serão qualificadas com o grau 3.

Um ótimo exemplo de obviedade de tipo 1 é a predominância dos nomes Maria e José no Brasil (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1013281-maria-e-jose-sao-os-nomes-mais-comuns-no-brasil-veja-lista.shtml). De acordo com um levantamento realizado pela empresa de análise de crédito ProScore, com base na análise de cerca de 165 milhões de CPFs, "o nome Maria é usado por mais de 13 milhões pessoas, enquanto José, o segundo colocado, tem mais de 8 milhões de registros".

Ou seja, nem os enlatados americanos, nem os ídolos do pop mundial conseguiram emplacar nomes internacionais que fossem capazes de reverter esta obviedade de tipo 1: Maria e José continuam sendo o casal da moda quase dois mil anos após o seu falecimento. Com isso, os humoristas nacionais pouco têm o que temer: Dona Maria e Seu Zé continuarão sendo os brasileiros clássicos, uma espécie de tipo ideal weberiano que ajuda bastante na hora de contar uma piada.

Já a matéria intitulada "As dicas de como agir e o que evitar nas festas de fim de ano", publicada no O Globo online de hoje, traz uma lista de obviedades de tipo 2 (http://oglobo.globo.com/emprego/as-dicas-sobre-como-agir-o-que-evitar-nas-festas-de-fim-de-ano-3293605#ixzz1f2F2oLmI). Na verdade, a matéria apresenta uma lista de conselhos para situações de festa que eu mesma ficaria constrangida de repetir em voz alta, tão grande a evidência do seu conteúdo. São algumas das dicas propostas: usar roupas discretas; não beber demais (mesmo estando acostumado); respeitar os horários indicados no convite e não levar penetras; não falar só de trabalho e não exagerar na dose de piadas (mesmo aquelas com os tipos ideais Dona Maria e Seu Zé).

Mas... muito mais contrangedor do que repetir o que se deveria fazer, via regra, o ano inteiro é ter que admitir que, por mais óbvia que a lista seja, sempre haverá alguém para extrapolar. Ou seja, por mais óbvias que as "dicas" do presente caso pareçam, elas ainda comportam algum grau de incerteza. E aqui o óbvio acaba se perdendo entre a transgressão mais ou menos intencional e a contingência de um erro imprevisto.

Fico aqui pensando - sinceramente - no valor de uma lista deste feitio para transgressores eventuais ou reincidentes. Ela certamente não acrescentaria nenhuma informação realmente nova ao seu arcabouço comportamental, nem sequer os impediria de cometer algumas das gafes que se busca evitar. É que os transgressores de obviedades tipo 2 têm o espírito aventureiro e só acreditam nelas quando a bobagem está feita. Fazer o quê? Bater a cabeça na parede? Ajoelhar sobre grãos de milho? Nada disso. O melhor caminho é evitar ser atropelado por uma obviedade de tipo 3, da qual falaremos a seguir.

As obviedades de tipo 3 são perigosas: elas partem da descrição de uma dada situação para produzir uma generalização falaciosa. Exemplo trágico é esta notícia publicada na Folha online, segundo a qual um motorista de ônibus acabou sendo linchado após bater em três carros e quatro motos na Zona Leste de São Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1013050-motorista-bate-onibus-e-linchado-e-morre-na-zona-leste-de-sp.shtml).

Os algozes do motorista infrator partiram de um esboço de situação que lhes pareceu dos mais óbvios: o acidente só poderia ter sido resultado de imperícia, imprudência ou má fé do motorista. Com base nesta conclusão, "várias pessoas que estavam em um baile funk invadiram o coletivo e agrediram o motorista", que acabou falecendo ao dar entrada no Pronto-socorro Sapopemba.

No entanto, "uma testemunha disse à Policia Civil que o motorista sofreu um mal súbito e bateu nos veículos que estavam estacionados nas ruas Torres Florêncio e Rielli". Tarde demais. É que as obviedades de tipo 3 são cruéis, pois funcionam ao avesso e acabam produzindo o mesmo efeito que se condenava em princípio: violência, incompreensão, intolerância. Cínicas, as obviedades desta classe são como julgamentos sumários com pena de morte. Pode-se morrer de morte matada ou morte morrida: pouco importa quando já se está morto.

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