UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: março 2013

sexta-feira, 29 de março de 2013

Atalhos sobrenaturais

Terminei o último dia útil desta Semana Santa sem forças sequer para manter os olhos abertos - quiças para escrever estas mal-traçadas linhas. Posto que escrita adiada é prazer interrompido, cá estou, em pleno feriado, para retomar o prazer de viver, de escrever, de descansar - porque ninguém é de ferro.

Fiquei sabendo ontem, por intermédia de uma notícia publicada no jornal Hoje em Dia online, que os famosos anéis de fada - "estes enigmáticos círculos de grama de 2 a 12 metros de diâmetro com o centro vazio" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/mundo/estudo-revela-aneis-de-fadas-da-africa-s-o-obra-de-cupins-1.106587) - não teriam nada de sobrenatural ou divino, conforme acreditavam os Himba, povo que vive na região de ocorrência dos anéis, na Namíbia. Pelo menos em princípio...

A opinião contrária aparace em artigo publicado na Revista Science pelo botânico Norbert Juerguens que revela que os anéis de fada, conhecidos também como "ciranda das bruxas", nada mais são do que cupins, que se "alimentam de raízes de grama, pastagens e outras plantas que acabam desaparecendo nestes locais".

Bem, os aneis podem até não ser de outro mundo, mas eles, no mínimo, surpreendem pela inteligência do seu propósito: "A falta de vegetação no interior dos círculos faz com que a água da chuva não evapore e fique armazenada na profundidade do solo arenoso. (...) Essa água permite que os cupins sobrevivam e se mantenham ativos durante a estação seca e também explica porque a vegetação pode crescer fora do círculo".

Longe de mim querer aderir à máxima criacionista, segundo a qual tudo o que existe nesse mundo tem um propósito inteligente e é fruto de intervenção sobrenatural. Mas não deixa de ser intrigante a constatação de que nossa existência é o trilhar de caminhos tortuosos, muitas vezes sem sentido aparente. E, como todo caminho percorrido por um ser vivo, ele é suscetível a atalhos imprevistos.

Exatamente como o atalho que dois cosmonautas russos e um astronauta americano tomaram para chegar à Estação Espacial Internacional, "um laboratório de pesquisa de US$ 100 bilhões que flutua a 400 km sobre a Terra" (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1254303-astronautas-pegam-atalho-e-chegam-a-estacao-espacial-em-tempor-recorde.shtml).

Eles tomaram um atalho espacial que lhes permitiu chegar à estação em pouco mais de seis horas, com ganhos evidentes: "A rota expressa, utilizada pela primeira vez por uma nave tripulada para chegar à estação, reduziu cerca de 45 horas o tempo de viagem do três viajantes - o astronauta da Nasa Chris Cassidy, e os cosmonautas russos Pavel Vinogradov e Alexander Misurkin - até a estação".

Agora, o que esses três que farão com as 45 horas que ganharam de presente, eu não faço a menor ideia. Espero, sinceramente, que consigam fazer bom uso das horas economizadas. Exatamente como os aneis de fada, pouco importa se o atalho foi algo deste mundo ou de outro: importa apenas a inteligência do propósito que será foi confiado.

Ou não, como diria Caetano Veloso...

quinta-feira, 28 de março de 2013

Outonal

Este ano, foi só virar a página do calendário para ver o outono chegar aqui na Roça Grande. De fato, ele foi quase pontual, pois acabou chegando um dia antes do início oficial do outono, quando temperaturas mais amenas substituíram o calor intenso que persistia desde dezembro do ano passado.

Mas é somente agora que passou o susto, o sufoco e a insatisfação com o calor que se pode falar dele. Pois bem: "levantamento inédito feito pelo GLOBO com base nas temperaturas aferidas diariamente em três horários – às 9h, 15h e 21h – pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) em suas 765 estações em atividade no país" trouxe diversas conclusões com relação às ilhas de calor do Brasil, algumas delas totalmente previsíveis, outras nem tanto (http://oglobo.globo.com/ciencia/o-endereco-do-calor-no-brasil-7958356)

Primeiro, passemos pelas conclusões previsíveis: a cidade mais quente do Brasil, Bom Jesus, está localizada no clima semi-árido do Piauí, a 635 quilômetros ao sul da capital do estado, Teresina. As conclusões mais surpreendentes ficam por conta da posição do Rio de Janeiro no topo das capitais mais quentes, desbancandos Teresina e Palmas, duas capitais tão quentes que poderiam abrigar a casa de casa de praia do Tinhoso. "Os meteorologistas ouvidos pelo GLOBO esperavam que o semiárido monopolizasse o topo da lista, mas surpreenderam-se com a aparição da capital fluminense". 
O segredo desta última reside numa combinação de fatores que favorecem uma percepção mais realçada do calor: "no Rio, a sensação térmica, medida que combina umidade e temperatura, costuma atormentar os cariocas. Nesses dois fatores, a capital fluminense costuma registrar valores elevados, o que torna a sensação de calor maior do que a percebida no semiárido".

Apesar da humidade contribuir diretamente com a percepção do calor, a segunda surpresa no mapa do calor - a cidade do Guarujá, no litoral paulista - acabou colocando em xeque a acuidade dos aparelhos de medição: "sua estação meteorológica na Ilha da Moela, a 2,5 quilômetros da costa, registrou 27 vezes as temperaturas mais tórridas do Brasil — o que faz o próprio Inmet cogitar uma manutenção daquele posto".

Enfim, em que pesem à percepção subjetiva do calor e à objetividade duvidosa dos instrumentos do Instituto Nacional de Metereologia, uma coisa é certa: se o Tinhoso quiser mesmo sua casa de praia no Rio de Janeiro, ele vai ter que esperar passar a Copa do Mundo e torcer para que a especulação imobiliária lhe permita adquirir ao menos um barracãozinho de zinco na Baixada Fluminense. Do contrário, o jeito vai ter que se virar com uma casa de campo em Bom Jesus.

Para os mais curiosos, segue o link para o ranking: http://oglobo.globo.com/infograficos/cidades-mais-quentes-verao/.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Coco de embolada

Digamos assim: o mote era bom, mas a voz desafinou. Ou pior: a letra não fez jus ao mote. E a voz só desafinava...

Metaforicamente falando, foi exatamante o que aconteceu com esta notícia publicada no jornal Hoje em Dia online: trouxe um bom mote, mas a redação feita pelos cocos deixou os fatos narrados a tal ponto incompreensíveis que ela acabou realmente embolando... o meio de campo (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/bizarro/camera-perdida-atravessa-o-pacifico-e-volta-para-sua-dona-apos-seis-anos-1.105960).

Melhor ir por partes. Para início de conversa, o mote. O título "Câmera perdida atravessa o Pacífico e volta para sua dona após seis anos" tem lá seus atrattivos. Exatamente como reza o manual de redação, ele convida os olhos a prosseguirem nas linhas subsequentes: "Enquanto mergulhava na ilha de Maui, no Havaí, em 2007, a americana Lindsay Crumbley Scallan perdeu sua câmera fotográfica com proteção a prova d'água", relata a notícia.

O desastre narrativo começa na linha seguinte: "seis anos depois, já esquecida a perda do aparelho e os registros dos momentos daquela viagem, Lindsay foi surpreendida por um anúncio de uma companhia aérea de Taiwan, que procurava a dona da câmera perdida". Perguntas pulularam: como ela soube deste anúncio? Por que a companhia aérea faria um anúncio desta natureza?

Alguns ensaios de resposta são dados no parágrafo seguinte:"Um gerente da China Airlines, Douglas Cheng, encontrou a máquina enquanto caminhava em uma praia da costa leste de Taiwan, a mais de 9.600 km de distância do local onde o aparelho foi perdido. O cartão de memória que se mantinha a salvo e resistente ao mar, ainda guardava as últimas fotografias de Lindsay". Bem, se a câmera foi perdida a quase 10 mil km do local onde ela foi perdida, onde o anúncio da câmera, bancado pela companhia aérea, estaria sendo veiculado: nos EUA? Em Taiwan?

O desfecho desta história mal-contada foi mal-sucedido, que ele conseguiu levantar mais dúvidas do que explicações: "As imagens divulgadas pela mídia foi o que levou Cheng a encontrar a dona do aparelho, que acabou ganhando da American Airlines uma viagem de ida e volta para Taiwan para buscar sua câmera fotográfica". Que imagens "divulgadas pela mídia" seriam essas: as imagens da câmera reencontrada? As imagens fotografadas pela proprietária da foto? E que interesse teria a American Airlines de financiar esta viagem, se o anúncio teria sido feito pela China Airlines? E, finalmente, o que haveria nestas fotos que garantisse o reconhecimento da proprietária pelo gerente da China Airlines?
 
Quer saber? Para justificar a hilação dos fatos, só pode haver uma explicação: a tal Lindsay, neste caso, era a Lohan! Ela e o(a) redator(a) da notícia teriam se embriagado horrores até o fechamento desta matéria.

terça-feira, 26 de março de 2013

Beleza pura

Gosto de desafios porque são eles que fazem a vida valer a pena. Mas Kei Akatsu, um estudante da Universidade de Ciência de Tóquio, elegeu um para si um desafio que é bem maior do que ele imagina: "ele quer viajar o mundo para tirar fotos de mulheres bonitas e montar uma espécie de catálogo" (http://oglobo.globo.com/megazine/estudante-tem-projeto-de-rodar-mundo-catalogando-garotas-bonitas-7939547).

Aliás, seu "catálogo" já tem nome: Beauty World Map, um site que apresenta fotos, organizadas "por locais de origem", das beldades que ele encontrou em suas viagens fora do Japão. Além de situar suas modelos geograficamente, "cada sessão de fotos vem também acompanhada de um perfil da gata", conforme explica notícia publicada hoje no jornal O Globo online.

Aparentemente, o maior desafio de Akatsu é a obtenção de financiamento para sua empreitada: após transformar seu intento em projeto e inscrevê-lo em um site de crowdfunding, "até agora, o rapaz conseguiu arrecadar aproximadamente US$ 800 (cerca de R$ 1.600), o que ainda é pouco perto da quantia que ele precisa: US$ 11 mil (R$ 22 mil)".

Não que o montante fosse absurdamente elevado. O problema, no meu entender, é de ordem metodológica, o que pode tornar o intento mais difícil (para não dizer inalcançavel). O primeiro passo previsto no projeto prima pela obviedade: "Durante as jornadas, ele se aproximaria de várias garotas bonitas e pediria para tirar suas fotos". Desnecessário dizer que o consentimento das fotografadas é essencial para a concretização do projeto (a menos, claro, que ele queira arriscar o próprio bolso se defendendo de ações judiciais movidas por uso indevido de imagens).

Já o segundo passo comporta riscos alguns evidentes: "O estudante ainda pretende documentar essas tentativas de aproximação com as garotas (o que deve gerar vídeos muito engraçados)". Fora sua pretensão documental, o que dá um certo ar de "making of" à empreitada, existe a expectativa de gerar novos subprodutos impressos com o material coletado. Isto é, "na medida em que produzir o material, ele fará o upload dos vídeos e fotos para o 'Beauties World Map'. As coleções de fotos de garotas e também paisagens bonitas poderão ser compiladas em livros no futuro", explica a notícia.

Agora, quando o assunto é capacitação para concretizar o projeto, então as palavras-chave são "desastre à vista": "Segundo o site 'Rocket News 24', depois de passar seis meses em Vancouver conhecendo meninas e fotografando-as de improviso, ele aperfeiçoou as habilidades necessárias para realizar seu projeto". Mas quais seriam essas habilidades?

Sinto muito, mas a notícia não fala. Em contrapartida, ela deixa muito claro que a estratégia do jovem está alicerçada sobre uma série de equívocos: para ir de encontro à beleza mais pura, ele não precisa rir de si mesmo, nem muito menos fazer com que as outras pessoas riam com ele da sua própria sorte. Primeiro, porque diante da beleza mais genuína, hão de lhe faltar palavras. Segundo, porque as belezas mais comoventes fazem chorar e não rir.

Meu conselho? Que ele largue a mão de ser besta e dê-se o tempo de ouvir e refletir sobre esta receita que Caetano Veloso nos legou em tempos mais inspirados, quando ainda não existia crowdfunding e era de bom tom enaltecer "todos os búzios" e "todos os ócios".

Fonte: http://youtu.be/zjb1ZYz8RlU

sexta-feira, 22 de março de 2013

A extinção

Senhoras e senhores:

Interrompemos a nossa programação para comunicar que os dinossauros não foram extintos em função da queda de um meteoro. Mais informações no parágrafo seguinte.

A "revelação" - que não há de mudar a sua vida, nem a minha, e muito menos a sorte dos dinossauros - foi divulgada hoje em notícia do jornal O Globo online: "Uma equipe de cientistas que participou da 44ª Conferência de Ciência Lunar e Planetária, nos Estados Unidos, conclui agora que a rocha espacial acusada de extinguir os dinossauros, há cerca de 65 milhões de anos, não era um meteoro, mas sim um cometa" (http://oglobo.globo.com/ciencia/cientistas-estimam-que-cometa-nao-meteoro-extinguiu-dinossauros-7917537).

Para chegar a esta conclusão, os cientistas andaram fazendo medições da quantidade de irídio presente na região de uma cratera de aproximadamente 180 quilômetros de diâmetro, denominada Chicxulub, no México. "Em Chicxulub, o nível do irídio 'extraterrestre' era insuficiente para corresponder a de um meteoro que produzisse uma cratera tão grande". A partir daí, concluiu-se que o impacto que deu origem à cratera foi causado por um corpo menor, mas muito mais veloz. Ou seja: um cometa, que nada mais são do que "bolas de poeira, pedras e gelo."
 
Mesmo se, tecnicamente falando, a substituição de um meteoro por um cometa, na teoria da extinção dos dinossauros, parece afetar a minha vida em dois aspectos distintos. Em primeiro lugar, ela me faz refletir sobre as mortes súbitas, os fins trágicos, causados por coisas pequenas, mas velozes. "Morrer de cometa deve ser mais assustador do que morrer de meteoro", concluímos, solidarizados com as vítimas já extintas.
 
Em segundo lugar, ela me lembra que tenho que fazer mais medições de irídio extraterrestre nos meus objetos pessoais. Eles podem ter sido trazidos em alguma calda de cometa, pela via Láctea, estrada mais bonita. Provavelmente, a concentração de irídio dos meus pertences ultrapassará, em muito, os níveis da cratera Chicxulub.
 
Absorta em devaneios desta monta, e pronta para desmontar na cama, eu me despeço, senhoras e senhores, desta semana tumultuada que finda aqui, agora, com meteoro ou cometa, pouco importa! E um bom fim de semana para quem me leu.

Realidade aumentada


A classe média alta brasileira deveria se manter bem longe dos free shops da Florida no próximo verão do hemisfério norte. Notícia publicada hoje no jornal O Globo online dá razões de sobra para os brasileiros passarem bem longe da Disney e imediações.


Imaginem fugir da "pobreza", do "calor" e da "dengue" - características comumente associadas ao nosso país pelos brasileiros abastados - para ir dar de cara com o Psorophora ciliata, uma espécie de pernilongo que quase só tem desvantagens (http://oglobo.globo.com/ciencia/mosquito-gigante-promete-tomar-florida-no-verao-do-hemisferio-norte-7893587). "A espécie é comum em toda a costa leste americana, mas as chuvas tropicais registradas ao longo do ano na região criaram o ambiente ideal para a proliferação do mosquito", explica a notícia.

Para início de conversa, sua "fêmea pode atingir 20 vezes o tamanho de um mosquito comum", um dado que não é nada negligenciável. "Pior que isso, tem um ferrão capaz de atravessar uma camisa e fincar na pele produzindo uma dor descrita pelas vítimas como a de uma facada". E como se tudo isso não fosse suficiente, a larva do bicho é também é voraz, já que "sua espécie é uma das poucas descritas que, quando larva, é predadora de outras larvas que estiverem pelo caminho".


Com tanta desvantagem no ar, na terra e na larva, existe alguma coisa que ainda salva no Psorophora ciliata? A resposta é sim, ao menos uma vantagem ele tem: "Apesar de tudo, fora a dor de sua picada, o bicho não representa uma ameaça à saúde pública, pois não são vetores de doenças. Neste caso, o nosso Aedes aegypti é muito mais aterrorizante e letal".

De qualquer forma, se o viajante brasileiro ainda estiver em dúvida, sugerimos às instâncias sanitárias de ambos os países organizarem um campeonato em pleno Fort Lauderdale, para que o Psorophora ciliata e o Aedes aegypti  posso concluir, de comum acordo, quem é que vai tirar o sono dos que sonegam impostos e dormem de consciência limpa.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Riscos existenciais

"Alerta para a ameaça emergente de novos riscos existenciais" era o título da entrevista. Li e fiquei me perguntando o que estaria por vir. Logo entendi que a manobra era de ordem epistemológica: "Martin Rees, um dos cientistas mais importantes da atualidade, que acaba de criar na Universidade de Cambridge um centro para estudos sobre o que chama de riscos existenciais" (http://oglobo.globo.com/ciencia/alerta-para-ameaca-emergente-dos-novos-riscos-existenciais-7848708).

Presidente da Sociedade Real de Astronomia, Rees tem um projeto robusto pela frente: "saber diferenciar o que são ameaças genuínas do que é ficção científica" quando se trata de ações do homem na natureza. "Não queremos impedir os avanços da ciência, nem podemos. Precisamos garantir que podemos maximizar os benefícios das descobertas e minimizar os riscos".

Bem, antes de saber como evitar algo, é necessário saber ao certo o que se pretende evitar. Entende-se por riscos existenciais a energia nuclear "e novas tecnologias da biologia e da cibernética". Mas eles não se resumem a isso: na opinião de Rees, "não nos preocupamos suficientemente com problemas mais sérios, tão sérios que, se acontecerem uma única vez, podem desencadear uma grande catástrofe, como a rápida disseminação de epidemias nas cada vez maiores cidades do mundo em desenvolvimento, danos ambientais causados pelo crescimento populacional descontrolado, escassez de recursos e mudanças climáticas". Ao que parece, os riscos existenciais têm uma especificidade com relação a outras formas de risco: "embora tenham uma probabilidade pequena de se concretizar, têm consequências que podem ser desastrosas."  
Fiquei me lembrando daquele meme de estrondoso sucesso nas redes sociais, "O que queremos". Depois de tanta aflição com os chamados riscos existenciais, deu mesmo vontade de perguntar: afinal, o que queremos? Capacidade de antecipação do desconhecido, mesmo que pouco provável de vir a ocorrer, responde o cientista. E como queremos? 
Bem, aí é que a porca torce o rabo! Vou deixar para o presidente da Sociedade Real de Astronomia responder, pois a ideia de criar este grupo de pesquisa foi de seu presidente, Martin Rees, e não minha. Os grandes riscos existenciais - repito - eu deixo para os grandes cientistas, que se reúnem "em pequenos grupos" e "com especialização em áreas diferente." 
Para ser sincera, a esta hora da noite, estou menos preocupada com novos grupos de pesquisa do que com riscos existenciais de menor escala e com maior probabilidade de vir a acontecer: acertar na escolha do filme no sábado à noite, tomar a linha de ônibus mais rápida para o trabalho, evitar engarrafamentos em momentos de impaciência.
Delego, sem problemas, a este simpático grupo interdisciplinar o direito de pensar nos grandes riscos existenciais da Humanidade por mim. Mas lembro que, tal como Shiva, deus indiano que baila sobre castelos em chamas, não há passo que seja dado nessa vida sem desequilíbrio (mesmo que temporário).

quarta-feira, 20 de março de 2013

Águas de março

O último dia deste verão antecipou a chegada do outono. Eles não trouxe em abundância as águas de março, mas trouxe promessa de vida: aqui, no fundo dos oceanos e, à luz das últimas evidências, possivelmente em algum momento da história do planeta Marte.

Aliás, tanto aqui como em Marte, as evidências científicas encontradas alteram crenças sobre o caráter inóspito desses lugares. A começar pelas fossas Marianas, local mais profundo dos oceanos onde "não há luz do sol, e a pressão da água equivale a 1.100 quilogramas por centímetro quadrado, algo como um carro de passeio sobre o dedão do pé" (http://oglobo.globo.com/ciencia/equipe-encontra-vida-microscopica-no-local-mais-fundo-dos-oceanos-7869982).

"Até então, acreditava-se que o leito da Fossa das Marianas, no Oceano Pacífico, conhecido como Challenger Deep, era um lugar tão inóspito que praticamente nenhuma forma de vida seria possível." Pois os últimos achados científicos vêm provar que mesmo com a ausência de luz e sob uma pressão que, para nós, reles mamíferos terrestres, seria esmagadora: uma equipe internacional de cientistas da Dinamarca, Alemanha, Reino Unido e Japão "anunciou evidências de vida microscópica, e em abundância, no limite das profundezas dos mares, a 11 mil metros de profundidade."

Situação parecida está acontecendo com Marte, considerado até pouco tempo um planeta totalmente desprovido de condições para abrigar vida, em função do seu clima frio e seco. Mas o veículo da missão Curiosity acabou coletando despretenciosamente um indício valioso de que houve e há água naquele planeta, condição sine qua non para a existência de vida - ao menos, nos moldes como nós a conhecemos aqui na Terra. 
"Batizada pelos cientistas da Nasa como Tintina, a rocha mostrou uma cor branca e brilhante, indicando a presença de minerais hidratados que se formaram quando fluía água pela região em tempos remotos" (http://oglobo.globo.com/ciencia/robo-da-nasa-descobre-pedra-branca-brilhante-em-marte-7884818).
A rocha teria sido coletada casualmente pelas rodas do veículo Curiosity em um local conhecido como Cratera Gale. O "descuido" teve desdobramentos surpreendentes: "O cientista chefe da missão Curiosity, John Grotzinger, disse durante o evento que o local de pouso do robô é o primeiro classificado como 'verdadeiramente habitável' no Planeta Vermelho".

Portanto, caros leitores, fiquemos atentos aos sinais que nos chegam das profundezas do universo - o que inclui a Cratera Gale e o Challenge Deep: se há vida nos lugares mais insuspeitos e sob as condições mais adversas, por que não haveria de ter vida no nosso coração?

Com as bênçãos das águas de março, tudo é possível.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Primitivismo 2

Quem, em sã consciência, no auge do cansaço e do trabalho acumulado, nunca pensou em chutar o balde e fugir para o meio do mato? Eu mesma, a cada vez que a vontade bate, respiro fundo e repito para o meus botões que cachoeiras melhores virão. O negócio, minha gente, é que um filão de mercado está se formando para amparar mais almas sedentas como a minha. Ou melhor, muito mais sedentas do que a minha!

No mês passado, já havia comentado o caso do norte-americano Mark Sisson, autor intelectual do primal lyfestyle, uma linha de "primitivismo" regada a suplementos alimentares, livros e outros artigos de consumo de grande impacto comportamental (http://cronicasdejuvenal.blogspot.com.br/2013/02/consumismo-primitivo.html).

Agora, tem um outro sujeito dando curso de sobrevivência numa "selva" do Reino Unido: a grande sacada de Will Lord, 42 anos, é passar "boa parte do tempo caçando seu próprio alimento com um arco e flecha ou pescando" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/bizarro/fred-flintstone-da-vida-real-homem-volta-a-viver-na-era-da-pedra-1.102404).

Para dar credibilidade ao personagem, Lord adotou extensa gaforinha ruiva, roupas de peles e se especializou em um filão de mercado um pouco mais aventureiro do que o seu companheiro do Novo Mundo. Morador da pacata localidade de East Anglia, "aos fins de semana, ele oferece dias 'pré-históricos' para as pessoas. São lecionadas aulas sobre atividades do período Mesolítico - cerca de 6 mil a 12 mil anos atrás - como construir ferramentas de pedra e cozinhas (sic!) as presas em fornos de terra".

"Com mais de trinta anos dedicados ao tema", Lord milita pela fina "sintonia com o meio ambiente": ele lembra que "habilidades que foram cuidadosamente afinadas ao longo de milhares de anos se perderam em poucas gerações".

No fundo, no fundo, seu diagnóstico está corretíssimo: as habilidades de ganhar dinheiro, fama ou projeção social parecem ter suplantado todas as outras: "Agora, o sonho do homem é conseguir emplacar um programa de TV onde as pessoas tenham a chance de aprender mais como as coisas funcionavam na Era da Pedra."

O que nos leva a concluir que correr para a caverna é fácil: difícil é viver sem novela das oito!

sexta-feira, 15 de março de 2013

O melhor dos mundos

Li e tive calafrios com a defesa que o sociólogo italiano Domenico De Masi faz de um argumento no mínimo espinhoso:  "o Brasil não é o melhor dos mundos possíveis, mas é o melhor dos mundos existentes", revela em reportagem publicada no caderno "Mercado" do jornal Folha de S. Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1244862-brasil-e-o-melhor-dos-mundos-existentes-diz-sociologo-domenico-de-masi.shtml).

Vejam bem: não que eu faça parte do coro dos catástroficos que pensam que a grama é sempre mais verde no quintal do país vizinho. Mas antes de saber se eu vou me alinhar ou não com alguém que pensa que este país "é o melhor dos mundos", preciso fazer a seguinte pergunta: o melhor dos mundos para quem?

A pergunta é vagamente respondida em uma seção intitulada "Desafios" da matéria: "Os desafios aqui são o analfabetismo, a violência e a desigualdade. É realizar esta redistribuição mais igualitariamente em comparação a outros países e manter a melhor relação entre economia e felicidade".

Pois o problema do argumento, a meu ver, começa justamente quando o acadêmico começa a lançar mão das comparações para amparar seu argumento. "O Brasil é quase tão grande como a China, mas é uma democracia. O Brasil é quase três vezes maior que a Índia, tem quase o mesmo número de etnias e de religiões, mas vive em paz interna e em paz com os países limítrofes", explica De Masi.

E aí, eu pergunto: paz interna? Onde ele leu isso? Basta pegar o relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) sobre o Racismo, a Pobreza e a Violência, de 2005, e ver que as condições de vida e de morte variavam de acordo com pertencimento racial: enquanto a taxa de homicídios entre jovens brancos entre 20 e 24 anos já era aberrante nos idos de 2001 — 102,3 por 100.000 habitantes —, a taxa de homicídios dos jovens negros era duas vezes mais elevada, isto é, 218,5 por 100.000 habitantes. Isto representava « … um risco equivalente ao de morar em países em guerra civil », nos dizeres do próprio relatório (está lá, na p.12, para todo mundo ler). Nem preciso me alongar muito para explicar que maior parte desses jovens mora nas favelas das grandes cidades brasileiras.

Para piorar ainda mais a linha de raciocínio do sujeito, ele resolve adotar ares ufanistas desses que só me lembro de ter lido nos livros de Moral e Cívica em circulação na época da ditadura militar: "O Brasil é o único país no mundo onde a cultura ainda mantém características de solidariedade, sensualidade, alegria e receptividade".

Bem, se avaliarmos a "cultura" brasileira com base no relatório sobre os Índices de Desenvolvimento Humano de 187 países, publicado hoje pelo mesmo PNUD, seremos levados a concluir que a cultura alheia tem sido bem mais eficaz em gerar índices mais robustos de "felicidade" e riqueza. Em outros termos, "o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil continuou a subir durante a primeira metade do governo Dilma Rousseff, mas em ritmo mais lento do que quase todos os países dos Brics e da América do Sul". Aliás, deste total de países, "O Brasil aparece no 85º lugar", bem próximo a países infinitamente menores e menos populosos como a Jamaica, a Armênia, o Omã e São Vicente e Granadinas.

Pelo visto, a perspectiva comparada de De Masi não suporta triangulação dos dados com fontes mais transversais. O que é plenamente compreensível quando se toma conhecimento do evento que trouxe aqui este professor de 75 anos da Universidade Romana de La Sapienza: "De Masi desembarca no país para participar da primeira edição do 'Refletir Brasil - Diálogo com a Brasilidade', em Paraty, de 20 a 22 de março", em um evento que reunirá "intelectuais e lideranças em mesas temáticas sobre cultura, educação, economia, criatividade e sustentabilidade".

Lamento informar mas, infelizmente, as discussões sobre "brasilidade" e "cultura nacional" quase sempre derrapam na curva das ideologias (de classe, de cor, de gênero...) e acabam capotando em uma ideia feliz de país que privilegia uma elite em detrimento de vários outros grupos. Não raro, a idolatria da pátria se mistura com um elevado grau de auto-indulgência. Ou seja: se minhas suspeitas sobre as tendências intelectuais do sociólogo estiverem realmente certas, ele está, definitivamente, no evento certo.   

quinta-feira, 14 de março de 2013

No fim do mundo

A Argentina hoje está em festa: foram buscar um papa daquele país, vejam só que milagre!

Não sei se por coincidência ou não, mas o evento papal aconteceu no mesmo dia em que nasceu um cordeiro com oito patas e três olhos lá no Cazaquistão (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/bizarro/cordeiro-com-oito-patas-e-tres-olhos-nasce-no-cazaquist-o-1.100953). Afinal, aberrações acontecem todos os dias, em diversos lugares do mundo.

Aliás, a julgar pelas palavras do próprio Jorge Mario Bergoglio, doravante denominado "Francisco I", a sua eleição de tomou mesmo proporções de evento disruptivo: "Foram me buscar quase no fim do mundo", teria dito ele (http://oglobo.globo.com/mundo/o-argentino-jorge-mario-bergoglio-eleito-novo-papa-7829279). Bem, que os outros achem a América Latina é o próprio fim do mundo, isso já é grosseiro. Mas muito pior do que a piada, é acreditar nela. Bola fora!

Ao mesmo tempo, o caso do cordeiro de oito patas do Cazaquistão deixa claro que as aberrações podem ser resultantes de alterações químicas fundamentais: seu proprietário, Kuandyk Bekitaev, "afirma que as anomalias estão relacionadas com a contaminação do meio ambiente provocada por uma fábrica química situada a 15 km de sua cidade."

Sim, a eleição do Papa Francisco I também não deixa de ser uma espécie de contaminação do ambiente: mas difícil mesmo vai ser engolir a explicação de que a América Latina e o fim do mundo são praticamente a mesma coisa.

A bem da verdade, isso pouco me importa agora. O importante é acolher as aberrações como se elas fossem eventos corriqueiros e tocar a vida adiante. E torcer para que essas aberraões cheguem vivas à "idade adulta".
 

quarta-feira, 13 de março de 2013

Micróbios

Descobertas científicas são recebidas das mais diversas maneiras: alvoroço, expectativa, perplexidade.

Por exemplo, saber que "muitos bilhões de anos atrás, Marte deve ter sido um ótimo lugar para pequenos micróbios viverem, com bastante água e minerais que lhes serviriam de alimentos" me deixou profundamente feliz (http://oglobo.globo.com/ciencia/marte-ja-teve-condicoes-de-abrigar-vida-microbiana-diz-nasa-7820080).

É bem verdade que a Nasa e seu robô Curiosity, responsáveis pela "descoberta", souberam muito vender seu peixe. "Eles ainda não encontraram sinais diretos de que micróbios tenham, de fato, vivido neste oásis, mas todas as condições para que isso ocorresse estão lá".

Ou seja, continuam não havendo evidências concretas de vida em Marte. O máximo que se conseguiu comprovar foi a existência de água naquele planeta: "Ao analisar suas primeiras amostras de rocha, o robô Curiosity — que contém um laboratório científico em seu interior — enviou para a Terra evidências convincentes de que o ambiente de Marte já foi banhado de água". De resto, só promessas: "cientistas do Curiosity indentificaram nas pedras, minerais que serviriam de alimentos para os micróbios".

Fiquei pensando naquelas maquetes fabulosas de lançamentos imobiliários que só existem na planta. A coisa acontece mais ou menos como neste diálogo fictício:


- Tem água encanada?
- Tem, sim, senhor.
- Vai ter playground?
- Vai ter sim, uai. Basta olhar aqui na maquete.

Mas aí vem a construtora e pede falência: e o playground fica só na maquete. Só a promessa da água encanada permanece. Pois saibam, senhoras e senhores, que o exemplo aqui descrito é bastante semelhante às descobertas científicas anunciadas hoje sobre a presença de vida em Marte. A única coisa certa é a presença de água por lá. O resto? Especulação imobiliária! Ou melhor: promessa de descoberta que fica só no desenho da maquete.

Mas... caso seja verdade mesmo que Marte já abrigou micróbios, então quero que conste nos autos o seguinte pedido: se o planeta for realmente um paraíso para os danados dos micróbios, então que se que se construa ali o primeiro condomínio fechado de luxo para esta clientela. Prometo enviar daqui mesmo, do Brasil, diversos clientes potenciais. E que fiquem por lá até segunda ordem!

segunda-feira, 11 de março de 2013

Holoceno metafórico

Está tudo explicado, claro e nítido, preto no branco: o calor medonho que anda fazendo por aqui na Roça Grande, desde o início do mês março, não é mera coincidência:  "A temperatura média da terra está hoje mais alta do que na maior parte dos últimos 11,3 mil anos, segundo estudo publicado esta semana na revista 'Science'. " (http://oglobo.globo.com/ciencia/terra-esta-no-periodo-mais-quente-dos-ultimos-11300-anos-7785544)

Para chegar a esta conclusão, os cientistas da Universidade Harvard e da Universidade Estadual do Oregon "combinaram dados coletados em 73 regiões cobertas de gelo e de sedimentos em todo o mundo para reconstituir como era a temperatura neste período, conhecido como Holoceno, que corresponde ao fim da Era do Gelo." Bem, que a terra está se aquecendo cada mais vez, isto é fato amplamente divulgado. A novidade é que, diferentemente de estudos anteriores, que recuavam há até dois mil anos atrás, o estudo atual conseguiu recuar a 11.300 anos.

Ainda que uma das possíveis causas para as altas de temperatura ao longo destes 11,3 mil anos seja a inclinicação da Terra, todos os estudos convergem para a ideia segundo a qual, nos últimos 50 anos, o aquecimento é resultante da atividade humana.  "Isso é particularmente interessante, porque o Holoceno abrange todo o período da civilização humana", o que nos permite tecer algumas conjecturas com relação ao calor reinante e sua relação com a intervenção humana na natureza.

Daí que "o forte calor registrado em março deste ano já superou a média histórica do mês em Belo Horizonte. A temperatura nos últimos 11 dias ficou acima dos 30ºC, superando o recorde dos anos anteriores, de 29ºC." Com tantos recordes batidos, é o passado mais recente que está ganhando peso e poder explicativo.

Holocenamente falando, estamos no ápice do desgelo. Ou melhor, só alguns de nós, pois há almas que resistem bravamente ao degelo. Pior, elas vivem com a cabeça na intempéries do Holoceno, não estão nem aí para a mudança do eixo (da Terra, minha ou dela mesma) e tampouco se importam com a atividade humana circundante. Para essas almas resfriadas, um apelo da macro e da micro-história: aquecei vossos corações, sob a pena de perder o trem da história! 

sexta-feira, 8 de março de 2013

Espera

pelo visto, esta noite de longa espera no aeroporto de confins sera uma noite de experimentacoes aqui no blog. sera o primeiro comentario deste blog escrito totalmente de um celular, razao pela qual nao existem acentos, nem maiusculas, um verdadeiro crime para quem um dia se atreveu a ser revisora. dadas as limitacoes evidentes do suporte tecnico, vou tentar apenas publicar um belissimo poema da lya luft intitulado aviso.                                                                                                                                                           se quiseres me amar, tera de ser agora: depois estarei cansada. minha vida foi feita de parceria com a morte: pertenco um pouco a cada uma, para mim sobrou quase nada. ponho a mascara do dia, um rosto comodo e simples, e assim garanto a minha sobrevida. se quiseres me amar, tera de ser hoje: amanha estarei mudada.                                              lya luft, perdao! mas os editores de texto dos celulares nao sabem o que fazem!!!!!

Faxineira Barbie-Azul

A lista das profissões que têm os chefes mais odiados, divulgada pelo site americano PayScale, não deixa de ser surpreendente. Trata-se daquelas profissões em que tipicamente se tem que "conviver com um chefe que berra com seus funcionários, seja qual for o motivo, que dá a mesma ordem dezenas de vezes por dia, ou que fica em cima do empregado para que a tarefa seja logo cumprida", revela notícia publicada no jornal O Globo online (http://oglobo.globo.com/emprego/as-profissoes-que-tem-os-chefes-mais-odiados-7754949).

Pois saibam que, no topo das reclamações, não figuram os agentes de trânsito nem os ambulantes ou garis. Acreditem, são os químicos os mais insatisfeitos com seus patrões: "Segundo o levantamento feito pelo PayScale, 19% dos químicos que responderam disseram odiar o chefe e 16% registraram baixo índice de satisfação no trabalho. De acordo com o estudo, 54% dos químicos reportaram alto nível de estresse".

Quanto às profissões seguintes, até que elas preenchem algum grau de expectativa com relação aos níveis de estresse causado pelos respectivos patrões. São elas: assistentes de profissional de saúde, padeiros, supervisores de preparação de alimentos, técnicos da área de segurança. Em comum, todas essas profissões têm o fato de possuírem um nível de estresse de 54% ou mais, além de baixíssimos índices de satisfação no trabalho.

A meu ver, a profissão mais indigna, ao menos para o mundo anglo-saxônico, não figura nesta lista. Refiro-me aqui à profissão de faxineira, mas não de qualquer faxineira. A faxineira cujos patrões são os mais odiados é aquela que trabalha para o inglês Stanley Colorite, 41 anos. Conhecido como "Barbie Man", "ele possui nada menos que duas mil bonecas que enchem quatro quartos de sua casa", "além das milhares de bonecas, carros, castelos e outros mimos".

"Eles dizem que sua casa é sua mansão dos sonhos de Barbie e recebem visitantes que sempre saem encantados do local". Que as visitas saiam encantadas, isso pode até ser. Mas que aquela (ou aquele) que providencia limpeza no recinto sofre, ah, isso sofre!

O proprietário das duas mil Barbies se vangloria: "Tenho de tudo, até mesmo pasta de dente com a cara da Barbie". A faxineira certamente lamentaria o dia em que nasceu: seriam mais de duas mil Barbies em TPM, simultaneamente. Como eu disse logo acima, esta é uma daquelas profissões que comportam altíssimo nível de estresse. E pobre de quem convive com elas!


quinta-feira, 7 de março de 2013

Cadeira besta

Eles chamam isso de "cadeira tecnológica": trata-se, na verdade, de uma cadeira com sensores que recolhe dados do usuário para compor uma base de dados biométrica. A partir daí, ela compõe um programa de atividades adaptado para o "peso, a pressão sanguínea e o pulso do usuário" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/tecnologia/cadeira-tecnologica-para-exercitar-corpo-e-mente-e-apresentada-na-alemanha-1.97718).

Sim, a grande sensação da feira de alta tecnologia de Hannover promete exercitar corpo e mente de "pessoas mais velhas". As habilidades da cadeira são fartamente ilustradas com exemplos: "Assim, a cadeira se comporta como um barco e permite ao usuário remar por uma corrente que aparece em uma grande tela", ensina a matéria.

Mas a coisa não para por aí. Além de propor, a cadeira também corrige: de acordo com Sven Feilner, do Instituto Fraunhofer, "inclusive neste modo, os sensores registram todos os sinais vitais, e o monitor de saúde observa se a pessoa não está fazendo os exercícios adequadamente".

E tem mais: a cadeira é capaz de "socializar" usuários solitários, programando atividades coletivas: "Os usuários podem estabelecer conexões uns com os outros e organizar uma 'corrida', ou simplesmente seguir um programa estabelecido de 'fitness', vigiado de perto pela cadeira."

Vigilância? Sim, vigilância. Inclusive, da sua memória: "A cadeira também exercita a mente, com um jogo da memória ao qual o usuário responde modificando sua postura." A intenção até que é boa: "Tentamos fazer com que as pessoas sejam mais ativas, sobretudo nossa população, que é cada vez mais velha", revela o chefe do projeto, Matthias Struck.

O projeto até que é bem bacana, mas acaba sendo um tiro no pé. Pode até ser que a cadeira realmente exercite seu corpo e sua mente; que ela te conecte a novos amigos por meio de atividades lúdicas e interessantes; ou, ainda, que ela seja capaz de estimular sua memória.

Contudo, o produto é um verdadeiro tiro no pé, já que só há uma maneira de você saber se a cadeira está funcionamento suficientemente bem: quando você tiver a capacidade de se levantar, caminhar até a porta, abrí-la e ganhar o mundo com as próprias pernas, encontrando pessoas reais, sentindo odores, tocando em texturas diversas.  Ou seja, é uma cadeira tecnologicamente "inteligente", mas, ainda assim, uma cadeira besta.

E quando este dia chegar, meu amigo, você vai entender como nunca que corpo e memória vigiados desconhecem a liberdade e a espontaneidade dos movimentos imprevistos.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Eros e Tânatos

A cobertura jornalística online de hoje comprova, mais uma vez, que sexo e morte constituem mesmo duas pulsões básicas da psiquê humana. Falo especificamente de duas notícias que foram publicadas hoje e que muito me chamaram a atenção, mesmo se, aparentemente, elas não guardam nenhuma relação entre si.

A primeira notícia fala da boneca Valentina, atração principal da 1ª Mostra Internacional de Bonecas Infláveis, e que está tendo sua virgindade leiloada no site de produtos eróticos Sexônico: "Quem der o lance final conseguirá dar um encontro e tanto para Valentina", explica notícia publicada hoje no jornal Folha de S. Paulo online (http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/1241253-leilao-de-virgindade-de-boneca-inflavel-tem-lances-de-mais-de-r-100-mil.shtml).

O pacote inclui - além da boneca, obviamente - "uma noite em suíte 'Presidencial' de um motel, jantar com champanhe francês, passagem aérea - caso o sortudo não seja de São Paulo -, lingerie especial para a estreante e ainda uma câmera digital", pois, segundo os termos da própria notícia, "uma noite dessas não pode deixar de ser registrada e compartilhada com os amigos." A  motivação maior para tamanho feito? Colocar em  prática fantasias irrealizadas, já que "muitos homens têm o sonho de ser o primeiro 'amor' de uma garota".

Na outra ponta da reflexão, uma notícia trágica, que mistura morte e indigência: "Após 17 anos buscando o pai, a auxiliar administrativa Solange Brito, 38, teve uma surpresa ao descobrir que o corpo de Osvaldo Brito, morto em 2005, fora levado para o laboratório de anatomia da Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná), em Cascavel (a 498 km de Curitiba)." (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1241088-apos-17-anos-filha-encontra-corpo-do-pai-em-laboratorio-universitario.shtml).

Separado da família desde 1996, Osvaldo Brito morava sozinho em Santa Izabel do Oeste. Aos 54 anos, Brito sofreu enfarto quando já estava acometido de uma pneumonia. Mas "como ninguém reclamou o corpo, o IML, com autorização judicial, fez a doação para a Unioeste". Só nesta última 6a feira, dia 1º de março, é que a filha encontrou o corpo do pai e pôde enterrá-lo.

Bem, se você achou que as notícias falam de realidades antagônicas, então você se enganou redondamente. As duas histórias testemunham um misto de solidão e indigência, pois, no fundo, no fundo, a lingerie, o champanhe francês e a câmera digital estão lá por um único motivo: para compensar um "despossuído" e ajudar a compor o cenário de uma realidade que não chegou a se concretizar: a fantasia frustrada, o amor que não veio no tempo desejado, a vaidade de saber inesquecível até o último dia de vida da deflorada.

Na outra ponta do elo noticioso, que fala da tristeza da perda de um ente querido, a solidão acena para uma indigência explícita, mas nem por isso menos austera. Ao corpo doado à revelia, dissecado e retalhado para fins científicos, só resta ser repatriado e enterrado junto com as lembranças dos seus. O amor, aqui também, segue irrealizado, porque foi interceptado pelo destino e pela morte.


No frigir dos ovos, o ganhador do leilão e a filha do defunto suspiram de amor e zelam, cuidadosamente, pela realização dos seus respectivos rituais. Mas a inércia dos objetos amados assusta: afinal, deflorar uma boneca inflável não deve ser lá tão diferente de dissecar um cadáver inerte.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Engodos

Mentira tem perna curta! E não há disfarce capenga que se mantenha por muito tempo. Pois se a segunda-feira amanheceu assim, com os papéis trocados e as coisas no lugar errado, muitos foram os exemplos de farsas que acabaram sendo desmascaradas no decorrer do dia.

A começar pelo falso bispo que tentou se infiltrar na reunião dos cardeais que decidirão o sucessor do papa abdicante, Bento XVI. Segundo a notícia publicada no jornal O Globo online, "um homem disfarçado de bispo conseguiu se infiltrar entre os mais de cem cardeais que chegavam nesta segunda-feira no Vaticano para a primeira reunião preparatória do conclave que irá eleger o novo Papa" (http://oglobo.globo.com/topico-papa/falso-bispo-tenta-se-infiltrar-na-reuniao-dos-cardeais-7738499).

Mas logo, logo o engodo foi local desarticulado pelos seguranças do Vaticano. Para azar do falso bispo que, esquecido da premissa de que o hábito faz o monge, andou pecando justamente no vestuário: "Ele usava uma corrente com um crucifixo, um cachecol roxo no lugar da faixa na cintura e uma bata com um tamanho um pouco mais curto do que o padrão." Conclusão: foi pego com as calças na mão (atenção, é uma metáfora!), depois de ter tirado algumas fotos com religiosos locais.

Aberração semelhante aconteceu nesta tarde de segunda-feira, na cidade de Igarapé, região central de Minas Gerais. De acordo com notícia publicada no jornal Hoje em Dia online, os bombeiros foram acionados para resgatar cavalo disfarçado de banhista: "um cavalo foi retirado de dentro de uma piscina (...) após ficar quase uma hora com mais da metade do corpo submersa" (http://www.hojeemdia.com.br/minas/bombeiros-s-o-acionados-para-retirar-cavalo-de-piscina-1.97360). "A causa do acidente não foi informada", mas suspeita-se que o cavalo fazia topless no momento do acidente, o que teria facilitado seu reconhecimento pelo corpo de bombeiros.

Mas o pior engodo do dia - quiça do ano! - foi o deputado Marco Feliciano (PSC-SP) querer ser presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, em Brasília. Segundo notícia publicada na Folha de S. Paulo online, Feliciano já havia declarado "em seu site que o 'ativismo gay' serve para promover violência" (http://www1.folha.uol.com.br/poder/1240319-pastor-organiza-abaixo-assinado-para-presidir-comissao-de-direitos-humanos.shtml).

Disfarçado de defensor dos direitos humanos, Feliciano foi desmascarado publicamente quando enunciou sua definição de minorias nos seguintes termos: "Do ponto de vista da política, minoria são grupos desprivilegiados, por não conseguirem estudos e empregos. Os gays não se encaixam nesse perfil, pois são estudados e tem ótimos empregos."

Possivelmente surpresos com tamanha generalização, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais pobres e com baixa escolaridade em todo o Brasil deveriam se disfarçar de deputado e gozar dos "ótimos empregos" que Feliciano se lhes atribuiu.  

sexta-feira, 1 de março de 2013

Pacote para Marte

A famosa classe média - a antiga e a nova - não vêem a hora de acabar o verão. É que à medida que a Terra descreve sua trajetória elíptica em volta do sol, surgem os pacotes promocionais de viagens em baixa temporada.

Pois se você e seu cônjuje são da classe C e já se cansaram dos pacotes para Porto Seguro e Guarapari, talvez tenha chegado a hora de quebrar paradigmas e alçar vôos mais altos. "O empresário Dennis Tito anunciou que pretende lançar uma missão tripulada a Marte já em 2018 e que, para tal, busca um casal muito bem casado de astronautas, capaz de aguentar o isolamento dos 501 dias de viagem de ida e volta até o Planeta Vermelho" (http://oglobo.globo.com/ciencia/milionario-busca-casal-para-viajar-ate-marte-7694673).

É fácil perceber, em algumas características do pacote turístico para Marte, que a classe C, este rentoso filão de mercado em vias de crescimento no Brasil, constitui o foco principal da estratégia de marketing de Tito: "O projeto vai aproveitar uma aproximação dos planetas, que permite fazer a viagem da Terra a Marte em relativamente pouco tempo, cerca de 500 dias. Em outros períodos, quando os planetas se afastam, a viagem duraria muito mais tempo, de dois a três anos, e seria muito mais cara".

Bem, como todo pacote, as opções já vem fechadas e costumizadas, seguindo orientações do próprio empresário. Para inicio de conversa, ele busca "tripulação [que] seja composta por um homem e uma mulher, de preferência casados". Além disso, as datas da viagem já foram fixadas e são inegociáveis, mesmo mediante previsões metereológicas desfavoráveis: a missão, que "parte no dia 5 de janeiro de 2018 e chega a Marte em 20 de agosto do mesmo ano", tem retorno previsto para 21 de maio de 2019.

E tem mais: "Não haveria pouso em Marte. A nave ficaria a algumas centenas de quilômetros de distância do planeta (algo como a distância da Terra à Estação Espacial Internacional)". Ou seja, garotada: esta será uma viagem sem nenhuma tarde livre para compras no shopping, sem passagem pelo free-shop, em confins onde nem sequer uma mísera torneirinha de filtro poderá ser comprada.

Mas a pior parte do pacote consiste numa combinação arridcada entre longa permanência e espaço exíguo, o que foi possivelmente pensado para barateamento do seu custo total: "o maior desafio de Tito talvez seja manter o casal unido depois de 501 dias de convívio tão próximo, num ambiente tão pequeno."

Evidentemente, instalações mais exíguas e, por isso mesmo, mais econômicas, impedem a viagem de obesos, claustrofóbicos e jogadores de basquete. Em contrapartida, é favorecida a participação de casais de sardinha (que não ligam de ficar espremidinhos), de contorcionistas (graças a suas habilidades específicas) e de viúvos de ambos os sexos (já que estes ocupam, sozinhos, o lugar que antes dois ocupariam).

No mais, Gerais. Quem quiser participar da promoção, é fácil: basta casar-se e tornar-se astronauta a NASA até  2018. E manter-se na classe, para aproveitar melhor as promoções.