UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Crepúsculo poético

terça-feira, 5 de junho de 2012

Crepúsculo poético

Estranhos tempos estes nossos! O bordão, que está ficando para lá de batido, não poderia ser mais conveniente para a situação. É que esta matéria publicada hoje na Folha online revela como o nobre ofício de poeta, já tão atacado em sua legitimidade e reputação, pode acabar opondo duas questões que qualquer desavisado dificilmente correlacionaria: saúde mental e preservação do patrimônio histórico (http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/1098923-sumico-de-poeta-sem-teto-comove-moradores-do-alto-de-pinheiros.shtml).

É, o caso é estranho mesmo. Raimundo Arruda Sobrinho, poeta e morador de rua da cidade de São Paulo de idade estimada em 73 anos, morava há 18 anos no canteiro central da avenida Pedroso de Morais, no bairro Alto de Pinheiros, zona oeste da cidade. Seu raimundo, no entanto, acabou sendo demovido de seu acampamento improvisado no último dia 23 de abril, após ser encaminhado para acompanhamento médico e psicológico no Centro de Atenção Psicossocial (Caps) do bairro Itaim Bibi.

A controvérsia em torno de seu Raimundo surgiu a partir da iniciativa da publicitária Shalla Monteiro, moradora do mesmo bairro do poeta, de criar um perfil no Facebook para divulgar seus poemas e fotos. "Foi por meio do grupo virtual que o irmão, Francisco Arruda, 56, o localizou, em setembro" do ano passado, ressalta a matéria. Mas como seu Raimundo sempre recusou qualquer tipo de tratamento, a família não teve outra alternativa senão pedir a intervenção do Ministério Público do Estado.

Mas aí é que a entra o inusitado de sola na história: Josangela Roberta, casada com o irmão do poeta, afirma a internação encontrou resistência no órgão público: "na primeira vez que fomos lá, a pessoa do atendimento [do Ministério Público] disse que não poderia fazer nada porque ele era patrimônio histórico de São Paulo". O título de "patrimônio histórico" advém do fato de o itinerante ter sido imortalizado no premiado documentário "À Margem da Imagem" (2003), em que o cineasta Evaldo Mocarzel retratou a vida dos mendigos de São Paulo. Porém, com o auxílio da promotoria, a família finalmente obteve o consentimento para levar o poeta itinerante em uma ambulância. 

Sob o pseudônimo de "O Condicionado" - visto que ele se dizia "condicionado pela escravidão social e pela psiquiatria" - o poeta foi também autor de um depoimento de singular lucidez no documentário: revoltado por não encontrar quem tenha cultura para dialogar com ele, ele afirma com todas as letras: "Parece que estou num pedestal intelectual acima das nuvens".

É... Apesar de suscitar tanta polêmica em torno de si mesmo, pelo menos este consenso seu Raimundo vai ter o prazer de saborear. Digo e repito: estranhos tempos estes nossos!

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