UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: O derradeiro vôo

sexta-feira, 29 de junho de 2012

O derradeiro vôo

O quanto de loucura conseguimos acomodar na nossa vida?

No início deste mês, já havia comentado sobre o caso daquele morador de rua da cidade de São Paulo que foi retirado à força do canteiro onde morava há 18 anos (http://cronicasdejuvenal.blogspot.com/2012/06/crepusculo-poetico.html).

Agora foi a vez desta senhora de 76 anos, identificada como Maria do Nascimento Souza, que acabou sendo removida do aeroporto de Congonhas por uma equipe médica em função de uma crise nervosa (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1112908-idosa-que-morava-em-aeroporto-de-sp-e-internada-em-hospital.shtml).

Remoções forçadas, feitas à revelia do paciente, nunca foram novidade no tratamento dos portadores de doenças mentais. Claro, o problema não reside exclusivamente na contrariedade imposta. Afinal, existe alguma legitimidade em se "contrariar" alguém que atenta contra sua própria vida ou contra a vida de outrem. Não é este, portanto, o foco da questão hoje. A questão é indagar justamente o contrário: o que leva as pessoas a ajudarem e se solidarizarem com insanos anônimos, despossuídos, sem teto, sem lenço, sem documento?

Pois este parece ter sido o caso da ilustre moradora de Congonhas: "Segundo funcionários, ela começou a ser vista andando pelo aeroporto há algumas semanas". Graças à ajuda recebida, ela foi se ajeitando como pôde: "sensibilizados, alguns funcionários dividiam o lanche com a idosa", que "se acomodava nos bancos do saguão e carregava duas sacolas de roupas nos carrinhos de bagagem".

Perdida entre tantas partidas e chegadas, a velha dama de Congonhas talvez tivesse lá também o seu sonho de partida: um único vôo que seja, desses com bilhete só de ida para o mundo da dignidade perdida.

Para os passantes, no entanto, ficou uma lição que ainda está por ser aprendida: juntar o próprio mundo em duas sacolas plásticas, depender do desprendimento e da generosidade alheios e viver a esperar o último vôo - o derradeiro - aquele que nos levara face ao Grande Mistério para que ele nos diga, sem rodeios, a que viemos nesse mundo.

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