O meu comentário de hoje é dedicado com muito amor a todos os especialistas, e em especial aos neurobiologista da University College London.
Enquanto uma equipe de peritos da Al-Qaeda discute se o barbudo da fita divulgada pelos EUA era Osama bin Laden ou não, um grupo de neurobiologistas da University College London fazem a festa nos museus. É que estes descobriram que as reações químicas experimentadas por um observador de arte são bastante semelhantes àquelas experimentadas pelas pessoas apaixonadas (http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2011/05/10/observar-obras-de-arte-proporciona-mesmo-prazer-de-estar-apaixonado-revela-pesquisa-924423905.asp).
Para nos fazer crer nesse achado, artigo do O Globo revela como uma equipe de especialistas em neurobiogia andou escaneando cérebros de voluntários para verificar como "a mesma parte do cérebro que é estimulada quando uma pessoa se apaixona reage quando olhamos uma obra de arte". Segundo estes, a observação da arte provoca um aumento dos níveis de dopamina no córtex óbito-frontal do cérebro, substância química esta associada à sensação de bem-estar.
A matéria merece um adendo metodológico: esses mesmos voluntários (não se diz em momento algum quantos) foram expostos a 28 figuras, dentre as quais estavam incluídas O Nascimento de Vênus, de Botticelli, e os Banhistas na Grenouillière, de Monet.
Claro, como uma analista de mídia que já foi suficientemente torturada pelos grandes dilemas metodológicos das ciências humanas, não posso me furtar à uma pergunta crucial para entender a convergência dos achados de pesquisa: quem são esses voluntários?
Senão, vejamos: que experimentos "neurobiológicos" possam apostar reiteradamente na universalidade da química humana é uma coisa. Mas daí a pressupor que a fruição da arte não esteja submetida à parâmetros estéticos apreendidos ao longo da vida, e segundo contextos culturais bastante específicos, aí então já é querer apelar para um "universalismo químico" desconectado de qualquer realidade empírica.
Se fosse para bagunçar o coreto da demonstração desses especialistas, bastaria apenas dois exemplos simples e palpáveis para dar a entender que a amostragem pode estar enviesada. Imaginemos então: 1) um astigmata "fruindo" diante do quadro os Banhistas na Grenouillière; 2) uma recatada senhora fundamentalista islâmica de tendência xiita diante da Vênus de Botticelli. Difícil imaginar que moléculas de dopamina alegres e saltitantes sejam a única opção nesses casos.
É bem certo que a motivação inicial dos pesquisadores poder ter sido outra, na medida em que "a pesquisa sugere que a arte pode ser usada para aumentar o bem-estar e a saúde mental do público em geral". Na verdade, eles acreditam que ela pudesse trazer algum conforto aos pacientes ds hospitais e auxiliar na sua recuperação. Mas se a ideia era estudar os centros de compensação de prazer no cérebro, o melhor mesmo era encontrar outro mote.
E, pelo amor de Deus, parar de querer compensar o incompensável!
P.S. = Love? Love is in the air!
A autora criou esse blog para divagar sobre o que lê diariamente nos jornais, com foco principalmente (mas não exclusivamente) na cobertura diária de ciência. Suas principais armas são a ironia de inspiração machadiana e um computador bacaninha (ela tirou o escorpião do bolso e comprou um de verdade). Ao citar alguma passagem, por favor, dê créditos para a autora: até para as grandes bobagens o direito autoral é inalienável.
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