UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Fofocas, ciência e jornais

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Fofocas, ciência e jornais

Existem momentos em que a ciência escolhe andar de mãos dadas com o senso comum, seja para desconstruir as bases das crenças deste, seja para sofisticar ainda mais seus argumentos, conferindo assim determinada legitimidade a atitudes corriqueiras.

Confesso que fiquei na dúvida quanto à motivação desta pesquisa, publicada na Revista Science e divulgada hoje no O Globo Online(http://http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2011/05/19/pesquisa-publicada-na-revista-science-mostra-como-reagimos-fofoca-924494050.asp). Em princípio, ela parece se utilizar de um experimento laboratorial para confirmar uma máxima que poderia parecer pouco surpreendente para muitas pessoas: a de "que inconscientemente prestamos mais atenção ao rosto de pessoas de quem ouvimos coisas negativa".

A metodologia empregada não deixa de ter lá a sua sofisticação: voluntários foram observados por detrás de uma tela onde uma série de rostos "neutros" se sucediam aos pares, e aos quais estavam associadas mensagens positivas, negativas e neutras. A ideia dos pesquisadores era de reproduzir uma situação chamada de "rivalidade binocular", segundo a qual "quando duas imagens diferentes são apresentadas simultaneamente aos olhos, a pessoa primeiro vê uma imagem e depois a outra, mas o tempo que cada imagem é registrada geralmente não é controlada conscientemente pelo espectador".

Não me cabe aqui discutir a dificuldade inerente à aplicação do conceito de "valência" (isto é, aquilo que se tem como valores "positivos", "neutros" ou "negativos") em pesquisas comportamentais, porque esta questão em si mereceria páginas e mais páginas de comentário. Por ora, basta que aceitemos tacitamente a existência de um consenso em torno daquilo que os pesquisadores e voluntários julgavam como sendo "positivo", "negativo" e "neutro". Embora a descrição do método na matéria tenha sido bastante econômica, acredito que a intenção primeira era registrar o percurso dos olhos e as expressões faciais dos voluntários diante dessas imagens às quais se associavam frases diversas, de modo que estes últimos não se vissem sendo observados. Assim, na inconsciência do olhar inquisidor dos pesquisadores, estes voluntários teriam o tempo gasto na observação de cada imagem devidamente registrado pelos pesquisadores.

A conclusão não podia ser outra: de acordo com a matéria, "os voluntários registraram os rostos associados às informações negativas por mais tempo, comparado às imagens com informações neutras ou positivas", o que em si seria um indicativo claro de uma maior predisposição à fofoca (aliás, o título da matéria não deixa margem para dúvida: "Pesquisa publicada na revista Science mostra como reagimos à fofoca"). Porém, por mais que o método tenha sido engenhoso, a forma pela qual o experimento foi relatado deixa algumas questões em aberto.

Primeira pergunta que merece uma resposta mais consistente do que aquela fornecida pela matéria do O Globo: todo comentário negativo pode ser realmente considerado "fofoca"? Porque se puder, o próprio jornal em questão, ao invés de vender notícias de crimes, castástrofes e outros eventos disruptivos da regularidade cotidiana, estaria simplesmente vendendo "fofoca".

Segunda pergunta que não quer calar: registrar um rosto por mais tempo é necessariamente bom? Trocando em miúdos: reter a imagem de alguém por algum tempo já vale em si o esforço de qualquer anunciante ou comunicador? Porque se valer, qualquer conteúdo, independentemente dos seus pressupostos éticos e morais, seria considerado válido ou mais interessante unicamente por estar sendo mais observado.
Só que a prudência analítica nos adverte que nem tudo o que é observado por mais tempo é recebido como algo bom ou válido. Ao contrário, uma informação desta natureza pode estar causando repulsa ou descontentamento.

Verdade seja dita, é claro que nem toda confusão na argumentação merece ser imputada à matéria da Science. O ficou claro, no entanto, foi que o viés assumido na matéria do O Globo deixou entrever um certo sabor pela fofoca e pelo sensacionalismo que, no final das contas, mais parece ser uma orientação editorial do que propriamente um achado científico.

2 comentários:

  1. Foi como ouvi uma vez: 'globo.com - absolutamente tudo de absolutamente nada.'
    Enfim...

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  2. Pouco importa se o respaldo é científico ou meramente mercadológico, o que fica é a sensação de um "interesse mórbido pela fofoca".

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