Eu ia até inaugurar a série: "eu hoje não vou reclamar"! Ontem mesmo já tinha tentado e, claro, não tinha conseguido. Acabei foi reclamando do mestre Machado de Assis: aquele tudo sabe e tudo vê em termos de ironia.
À luz de novas vibrações pacíficas, quis então escolher uma matéria bem leve, dessas que nos ajudam a manter a fé na vida: algo do tipo "Vaca dá à luz a bezerros quadrigêmeos" (http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/minas/vaca-da-a-luz-bezerros-quadrigemeos-no-triangulo-1.274961).
Mas aí dei de cara com essa matéria do O Globo Online sobre o consumo de açucar por atletas e não resisti. A matéria em questão repercute um estudo publicado na revista americana "Medicine & Science in Sports & Excercise", que trata da ingestão por atletas de bebidas à base de frutose e glucose (http://oglobo.globo.com/vivermelhor/mat/2011/05/04/acucar-nao-problema-para-quem-faz-exercicios-regularmente-diz-estudo-924380698.asp) .
Como o título prometia uma coisa duvidosa - "açúcar não é problema para quem faz exercícios regularmente, diz estudo" - lá fui eu conferir o arrazoado da matéria. Decepção completa. Se ela começa dizendo que pessoas que exercem atividade física regularmente não precisam se preocupar com a ingestão de açúcar - que, de acordo com a matéria, pode até ser benéfica em alguns casos - ela termina demonstrando outra coisa. Ela relata, com muita simplicidade, o experimento realizado por cientistas suiços e britânicos em que uma série de ciclistas foram submetidos a graus diferenciados de exercícios e tiveram seus fígados medidos por ressonância magnética antes e depois desses mesmos exercícios. Na verdade, esperava-se com isso medir a perda do glicogênio antes e depois da atividade física.
Até aí tudo bem. Mas o que a matéria relata como conclusão científica é outra coisa: que após beberem bebidas à base de glicose e frutose, esses atletas repuseram rapidamente o volume de glicogênio no fígado (uma reposição de 9% para quem bebeu frutose e de 2 % para quem bebeu glucose). A última linha da matéria só vem a confirmar a limitação das conclusões do estudo: "A conclusão dos especialistas é que bebidas com frutose são duas vezes mais eficientes que as com glucose no que diz respeito à recuperação do fígado". Só isso. Ou seja: simplesmente verificou-se uma maior e mais rápida reposição de açúcar no fígado com bebidas açucaradas, o que nada tem a ver com o fato de atletas terem ou não terem "problemas" em decorrência da ingestão de açúcar.
Infelizmente, matérias assim tem sido tem cada vez mais ferquentes: elas começam prometendo "X" e relatando "Y". No final das contas, ficou parecendo matéria paga pela Nestlé ou pela Gatorade. Resta apenas saber se o desvio de conduta já estava presente na matéria revista americana ou se a escorregadela é apenas um exagero sensacionalista da matéria do O Globo. Se alguém tiver mais dados, por favor, levante a mão.
Quanto a mim, se meu objetivo era não reclamar, devia mais é ter ficado com as vaquinhas quadrigêmeas. Boa noite!
A autora criou esse blog para divagar sobre o que lê diariamente nos jornais, com foco principalmente (mas não exclusivamente) na cobertura diária de ciência. Suas principais armas são a ironia de inspiração machadiana e um computador bacaninha (ela tirou o escorpião do bolso e comprou um de verdade). Ao citar alguma passagem, por favor, dê créditos para a autora: até para as grandes bobagens o direito autoral é inalienável.
quarta-feira, 4 de maio de 2011
Fígados, pedaladas e açúcar
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