UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Chalaça ou ironia?

terça-feira, 3 de maio de 2011

Chalaça ou ironia?

Tem dias - exatamente como o de hoje - que eu me pego reclamando demais da vida. E o pior que me podia acontecer era isto virar tema de preocupação. Tá certo que, por um lado, um blog dedicado à ironia machadiana não poderia fazer muito melhor. Mas, por outro lado, tenho medo de estar perdendo o humor, que é a quitessência da ironia machadiana.

Diante desse dilema de grande monta, saí à cata de uma notícia que valhesse o comentário do dia. Consegui até rastrear uma noticiazinha inofensiva, intitulada "Confira objetos que grudam na parede e dispensam pregos" (http://classificados.folha.com.br/imoveis/909365-confira-objetos-que-grudam-na-parede-e-dispensam-pregos.shtml), achando que daria para ficar numa boa, sem reclamar, sem achar defeito, sem ver contradição em nada. Mas acabei derrapando na parte da matéria em que se comenta a iniciativa da marca Plugplush de substituir ventosas de silicone pelas de pvc, que é um material derivado do petróleo e, portanto, de teor ecológico duvidoso. Desisti. A tentação de reclamar foi maior do que minha criatividade.

Confesso que tentei achar outras notícias mais alegres, sem grande sucesso. Difícil ser leve e inconsequente nos dias de hoje. Falta de sorte também. Fato é que acabei não achando nada que me aprouvesse.

A solução, pensei, é ir beber na fonte. Foi nesse intuito que saí à caça do grande, do magnífico, do inigualável, do supremo guru desse blog: Machado de Assis. E como bom guru, ele não pode falhar. Nele fui buscar consolo e inspiração. Mas o que achei foi uma dica no conto "Teoria do Medalhão", onde o tema "ironia" serve de mote de reflexão ao pai, que dá o seguinte conselho ao jovem filho aniversariante:

"— Somente não deves empregar a ironia, esse movimento ao canto da boca, cheio de mistérios, inventado por algum grego da decadência, contraído por Luciano, transmitido a Swift e Voltaire, feição própria dos céticos e desabusados. Não. Usa antes a chalaça, a nossa boa chalaça amiga, gorducha, redonda, franca, sem biocos, nem véus, que se mete pela cara dos outros, estala como uma palmada, faz pular o sangue nas veias, e arrebentar de riso os suspensórios. Usa a chalaça." (Teoria do Medalhão, Obra Completa, de Machado de Assis, vol. II, Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994: 37).

Ficou, no lugar do costumeiro desconforto diante do mundo, uma dúvida cruel: ironia ou chalaça?! Caramba, viu! Nunca imaginei um dia poder ler isso dele, o grande mestre. Luciano, Swift e Voltaire que me acudam! Depois de tanto esforço, não consegui evitar uma última reclamação: os bons gurus só servem para te encher de dúvidas. E tenho dito!

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