UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: julho 2011

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Tango para o Bolsonaro

Se tem um espaço neste mundo capaz de gerar muita polêmica com poucas palavras, este espaço se chama publicidade. O anúncio da participação do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) em anúncio de lingerie da Duloren gerou uma certa repercussão na imprensa hoje. Contudo, há divergências quanto ao teor do anúncio, conforme revela matéria do O Globo Online (http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/07/28/bolsonaro-diz-que-aceita-fazer-propaganda-de-lingerie-para-reforcar-imagem-contra-kit-gay-924999076.asp) .

Mais especificamente, a divergência surgiu entre o próprio Bolsonaro e o presidente da Duloren, o Sr. Roni Argalji. A matéria do O Globo descreve a estratégia publicitária pretendida por Bolsonaro da seguinte forma: "Segundo relato de Bolsonaro, ele posaria ao lado da modelo - que estaria de calcinha e sutiã, claro. Na propaganda, teria a frase 'esse kit eu aprovo'." Mas o presidente Argalji parece discorda dessa versão: "A palavra kit não existe neste anúncio. Não existe. Eu não quero remeter a isso (à polêmica do material do governo contra a homofobia). O Bolsonaro posará ao lado de uma mulher apontando o dedo para ele (Bolsonaro) e dizendo que não concorda com ele. São duas pessoas de opiniões contrárias que estarão juntas. Selecionaremos a melhor foto que represente essa situação".

Qualquer que seja a estratégia verdadeira - com referência explícita ou implícita ao tão vituperado "kit gay" (se bem que eu ainda prefira "kit antihomofobia") - uma coisa é certa: a tentativa de Bolsonaro capitalizar o máximo de atenção para o seu próprio sucesso como opositor da luta contra a homofobia. A própria matéria bate o martelo quanto ao intento primeiro do garoto propaganda: "Agora, o interesse do deputado com a propaganda é colar essa imagem de parlamentar que ajudou a acabar com a circulação do material".

Quanto à estratégia da marca Duloren, não vejo nada de necessariamente ruim em querer criar controvérsias. Mas é bom ela saber que estará pisando em ovos ao brincar com o público gay. Qualquer grande anunciante sabe o poder de consumo, politização e mobilização para o protesto deste segmento específico. Aliás, para quem não conhece esse poder, sugiro uma visita ao Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária para uma rápida consulta aos processos envolvendo denúncias de discriminação contra homossexuais, dentro da rubrica "discriminação". Mas a história é essa mesma: não existe controvérsia sem risco!

Enfim, qualquer que seja a estratégia e qualquer seja a modelo escolhida para o dito anúncio, cá estamos nós falando dele antes mesmo do danado existir. Isso significa dar muito crédito para político de comportamento indecoroso como o Bolsonaro? Não necessariamente. Podemos preparar uma contrapartida inteligente para quando o anúncio vier à tona. Mãos à obra, então.

Por fim, fica aqui a minha "homenagem musical" ao distinto deputado. E um bom "libertango" para todas as pessoas com um mínimo de senso crítico e inteligência desse país.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Nós e os peixes morremos pela boca!

Gostei de ver o rebu gerado na imprensa com a divulgação da pesquisa "Análise de Consumo Alimentar Pessoal no Brasil, da Pesquisa de Orçamentos Alimentares 2008-2009", encabeçada pelo Instituto Brasileiro e de Geografia e Estatística (IBGE). Partindo de um universo de 34 mil respondentes, a pesquisa solicitou que cada um relatasse, individualmente, tudo o que foi comido e bebido ao longo de dois dias não consecutivos.

Logo de partida, uma constatação digna de nota: o tema recebeu tratamentos bastante diferenciados da parte de alguns veículos informação que consultei.

A ênfase conferida pelo Jornal Hoje em Dia (http://www.hojeemdia.com.br/2.268/2.273/parcela-mais-pobre-da-populac-o-tem-dieta-mais-saudavel-1.316987), por exemplo, recai sobre a dismistificação da ideia de que pessoas de renda mais alta (superior a R$ 1.089) têm necessariamente uma alimentação melhor do que as de rendas mais baixa (até R$ 296). A matéria cita a avaliação deAndré Martins, pesquisador do IBGE: "Como [as pessoas de menor renda] não têm disponibilidade para comprar tanto, têm uma alimentação mais básica. E a alimentação mais básica tem melhor qualidade nutricional", relata Martins. Por sinal, o Hoje em Dia foi o único veículo aqui analisados a consultar um especialista que trabalha junto ao órgão que gerou os dados.

A avaliação de Martins deixaria qualquer um aliviado, se uma ressalva importante não fosse feita: "Nos rendimentos mais baixos, você tem muita presença de carboidrato. Já tem também açúcar e gorduras, mas nem tanto quanto os de maior renda porque não tem disponibilidade para ficar comprando batatinha [industrializadas]. Mas mesmo na classe menos favorecida você já tem inadequação de gordura e açúcares". Conclusão: na escola da alimentação saudável, todo mundo tomou bomba!

A matéria da Folha Online, por sua vez, começa dando ênfase às diferenças de idade, renda e região (http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/950721-mais-velhos-e-mais-ricos-comem-mais-salada-no-brasil.shtml). "Os brasileiros mais velhos comem mais salada do que os mais jovens", avisa. As discrepâncias de renda são abordadas não pelas diferenças, mas pelo seus pontos fortes: "Os indivíduos que se encontram entre os 25% mais pobres comem mais arroz e feijão --alimentos que podem compor uma dieta saudável-- do que os mais ricos. No entanto, os de maior renda também relataram maior consumo de frutas e verduras".

Mais uma vez, quem se animou com esses resultados iniciais ganhou uma ducha de agua fria nas linhas subsequentes. É que os hábitos do população, vista como um todo, estão muito longe dos patamares ideiais: 1) "Mais de 90% dos brasileiros consomem menos frutas, legumes e verduras do que o recomendado pelo Ministério da Saúde"; 2) "O consumo de fibras ficou abaixo do recomendado para 68% dos brasileiros"; 3) "açúcares e gorduras saturadas, o consumo é em excesso, respectivamente, entre 61% e 82% da população"; 4) tudo isso, sem contar as taxas insuficientes de consumo de vitamina A, D e E, cujos resultados também beiram a calamidade pública.

No que se refere ao O Globo Online (http://oglobo.globo.com/vivermelhor/mat/2011/07/27/brasileiro-mantem-tradicao-do-arroz-feijao-mas-prefere-alimentos-com-baixo-teor-nutritivo-924989034.asp#ixzz1TSU62mIt), a matéria prioriza uma visão de conjunto da população brasileira, que vive, ao que parece, uma verdadeira crise de identidade entre a alimentação dita "tradicional" (arroz, feijão, carne, café, turbérculos) e uma alimentação industrializada, rica em açúcar e gorduras saturadas e insuficiência de fibras: "o brasileiro combina a dieta tradicional à base de arroz e feijão com alimentos de teor reduzido de nutrientes e de alto nível calórico. Faltam frutas, legumes e verduras, que são consumidos em quantidades adequadas às recomendações do Ministério da Saúde por menos de 10% das pessoas".

Para quem gosta de gráfico, a matéria do O Globo é um prato cheio. Ela apresenta dados referentes ao consumo diário em gramas dos principais alimentos da mesa do brasileiro: feijão, arroz, carne, sucos, refrigerantes, café e sopas e caldos. Ela também traz uma radiografia do que é mais consumido fora de casa: cerveja, salgados fritos e assados, salgadinhos industrializados, salada de frutas, chocolates, refrigerantes, bebidas destiladas, pizzas e sanduíches. Informações referentes às diferenças entre zona rural e zona urbana, bem como os principais problemas da alimentação do brasileiro (açúcar livre, gordura saturada e fibra) também são reproduzidas em gráficos.

Mas o mais interessante mesmo foi perceber o óbvio: que uma diversidade de abordagens é tanto mais possível quando a fonte inicial não é uma agência de notícias. Explico: a crítica de que as agências homogeinizam a informação numa escala global, deixando os jornalistas locais cada vez mais preguiçosos e presos ao texto fornecido pela agência, é antiga, mas nunca me pareceu tão real como agora. A novidade aqui é a verificação do mal causado pelas agências a partir de um contra-exemplo: uma notícia nacional - a divulgação de uma pesquisa sobre os hábitos alimentares no Brasil - recebendo uma ênfase totalmente diferenciada de cada veículo onde foi abordado.

Ficam aqui alguns vislumbres de esperança no horizonte jornalístico: a diversidade de abordagens - pelo menos no dia de hoje - ainda pareceu ser possível.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Dicas de sobrevivência

É verdade: não é todo dia que se atinge uma concentração tão alta de notícias bizarras como no dia de hoje. Em certos aspectos, elas denunciam a força, a resistência e o instinto de sobrevivência dos animais. Em outros, elas dão indícios de uma bela dose de animalidade no homem.

Para começar, tem aquela notícia da paquistanesa que bebeu um filhote de cobra acidentalmente e acabou criando a bicha na barriga (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/mundo/mulher-come-cobra-e-animal-cresce-dentro-da-barriga-1.316316). Rasheedan Bibi, 50 anos, chegou a acreditar que estava grávida e foi até submetida a um ultrassom, quando finalmente os médicos "descobriram uma serpente gigantesca em sua cavidade abdominal". O caso permanece à espera de um desfecho favorável à vítima (no caso, a mulher): "Agora, ela está desesperada e pede que as autoridades locais a ajudem a retirar a criatura de dentro dela".

A outra notícia - um pouco menos bizarra, mas igualmente comovente - fala de uma cadela que sobreviveu em Blumenau após apanhar de pau e pedra e ser enterrada viva (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/950139-cadela-sobrevive-apos-ser-enterrada-viva-em-blumenau-sc.shtml). Após denúncias de vizinhos que viram um mulher bater na cadela e começar a enterrá-la viva, "o animal foi encontrado 'quase morto', com ferimentos e hipotermia" pela polícia militar. Ainda filhote, a cadelinha se recupera na Associação Protetora dos Animais de Blumenau.

Por fim, um adolescente chinês sobrevive depois de ter uma espada enfiada cinco centímetros dentro do seu crânio (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/mundo/adolescente-sobrevive-apos-ter-espada-cravada-na-testa-1.316341). Após ser submetido a uma cirurgia de 4 horas de duração na província de Hunan, o jovem Zhang Bin passa bem e não deve ter seqüelas do acidente. "Felizmente, a faca não tocou as artérias do crânio e os nervos-chave, caso contrário, teria sido uma história bem diferente", descreve o cirurgião-chefe que interveio no caso.

Como você pode ver, prezado leitor, sobreviver é uma arte!

terça-feira, 26 de julho de 2011

No túnel do tempo da publicidade 12

Dólar despencando, fluxo cambial positivo, bancos morrendo de tanto ganhar dinheiro no Brasil. Alegria, alegria: "Brasil virou o quinto destino de investimentos estrangeiros produtivos do mundo", anuncia o jornal O Globo Online (http://oglobo.globo.com/economia/mat/2011/07/26/brasil-virou-quinto-maior-destino-de-investimentos-estrangeiros-produtivos-do-mundo-diz-unctad-924975465.asp).

Pois bem. O mote do dia não é o lucro dos bancos, nem as políticas cambiais do Banco Central. Minha proposta hoje é mostrar as especificidades do sistema bancário brasileiro por meio de um rápido percurso histórico da publicidade deste segmento no Brasil.

Para início de conversa, a integração dos bancos em um sistema nacional (ou internacional, se levarmos em consideração as bandeiras VISA e Credicard) é mais recente do que muitos julgam. Tá aqui um publicidade do Unibanco do ano de 1981 que não me deixa mentir: nessa época, era importante ter um banco com agências em diversas cidades. Lembremos que naquela época, o Banco 24 horas e os guichês automáticos nem sonhavam em existir. Saque, só se fosse na boca do caixa. Razão pela qual o Unibanco se vangloriava de ter uma cobertura equiparável à da TV, um exagero em parte aceitável: não que a cobertura do Unibanco fosse das piores para aquela época, mas porque uma rede de TV genuinamente nacional só veio a ocorrer em 1982, com a implantação de um canal de satélite do sistema Intelsat. Já a segunda publicidade, também de 1981, marca a criação do primeiro fundo de renda fixa do Banco do Brasil:o RDB. Prontinho para dar segurança para o público feminino, como a foto parece surgerir.

Passados 10 anos desde então, o Brasil já havia mudado um bocado. A ditadura tinha ficado para trás com as eleições diretas de 1989 e Collor já havia liberado o mercado interno para produtos importados em 1990. A publicidade da Maxipoupança Meridional, veiculada em 1991, acabou me lembrando de um detalhe interessante: as cadernetas de poupança tinham aniversário (muito embora fosse mais adequado dizer "mesversário") e só podiam receber depósito naquela data. Ou melhor, você é que não poderia sacar fora da data. Enfim, seja lá o que for: com a Maxipoupança não tinha mais disso, você podia depositar em qualquer data. A ordem, portanto, é "flexibilizar" as operações. Rezando nesta mesma cartilha, eis que o Banco Mercantil de São Paulo resolve criar a Conta Positiva Finasa. Com ela não tem cheque sem fundo. Desde que - é claro - você tenha mais investimentos no banco. Faltou dinheiro para cobrir o cheque? Ela vai lá e busca seu próprio dinheiro para cobrir um rombo que é seu mesmo. Nada mais justo, portanto!

As duas últimas publicidades deste comentário foram veiculadas em 2001, isto é, há dez anos atrás. Em pleno mercado globalizado, um banco pode oferecer muito mais do que poupança para a classe média e investimentos para a classe alta. A publicidade da Sudameris, por exemplo, explora um segmento novo ao divulgar uma linha de financiamento para pagamento do décimo terceiro salário para pequenas e medias empresas. Lembrando, claro, que décimo terceiro salário é coisa de Brasil. Portanto, corra antes que acabe!

Aliás, o perfil do usuário de contas bancárias mudou muito desde a década de 1980. Hoje, todo mundo precisa de um CPF e de uma conta bancária para receber seu salário, o que não era o caso naquela época. As agências se popularizaram e com isso o volume de pessoas que fazem uso delas. Uma solução encontrada no início da década passada foi premiar o usuário que deixa suas contas em débito automático, como revela essa publicidade de página dupla do Banco Real. O texto fala em tranquilidade e economia (no caso de contas pagas com atraso) para o cliente e o banco também respira aliviado.

Sem débito automático e serviços bancários online, aliás, os bancos já teriam naufragado em 2011: é que entraram em cena diversas leis municipais que estipulam que o tempo máximo de espera em uma fila de banco deve ser de 15 minutos, como no Rio de Janeiro (lei municipal 5.254). Como se pode perceber, os tempos mudaram: com ele, o público-alvo dos produtos do banco, os serviços oferecidos e o tempo durante o qual cada serviço deve ser dispensado.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Para quem viu ou quer ver a avó pela greta

Se você tem avós vivos ou pelo menos pôde conviver com algum deles em determinado momento da sua vida, considere-se mais feliz do que os neandertais. É que um estudo publicado na Revista Scientific American informa que ser avô ou avó - um fenômeno recente na espécie humana - data dos últimos 30 mil anos (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/949478-ser-avo-e-fenomeno-recente-dos-ultimos-30-mil-anos.shtml).

A razão para o desfalque de avós é simples: "Vale lembrar que, se as pessoas hoje prolongam suas vidas em decorrência da melhoria da qualidade de vida, ser avô no passado significava passar dos 30 anos". Assinado pela paleontóloga Rachel Caspari, o estudo em questão analisa uma amostra de 768 indivíduos para verificar quais foram aqueles que passaram dos 30 e viraram avós. Dentro os vários grupos analisados, ganharam os europeus modernos do Paleolítico Superior, que conseguiram manter as taxas mais altas de longevidade com relação a outros grupos e puderam ver seus filhos gerando filhos.

"Os pesquisadores dizem que não sabem explicar por que os europeus modernos passaram a viver mais", afirma matéria da Folha Online. "Eles afirmam, porém, que os mais velhos colaboraram significativamente com seu grupo de convívio" e que "provavelmente transmitiram conhecimentos adquiridos pela experiência ou pela longevidade, ajudando os mais novos a identificar plantas venenosas ou a fabricar uma faca de pedra".

Aliás, um sinal claro de que a coisa vai mal é quando não se quer ver filhos de ninguém gerando outros filhos. Anders Behring Breivik, réu confesso de matar pelo menos 92 pessoas no centro de Oslo e na adjacente Ilha de Utoya no último dia 22 de julho, tinha uma intenção clara: levado à corte em Oslo esta manhã, "o norueguês de 32 anos disse ainda ao juiz que quis induzir a maior perda possível ao governista Partido Trabalhista, para que não consiga mais recrutar novos filiados" (http://www1.folha.uol.com.br/mundo/949634-em-manifesto-na-internet-atirador-noruegues-diz-que-brasil-e-disfuncional.shtml).

Brevik usou a mesma estratégia dos seus antepassados, só que virada ao avesso. Se a longevidade só trouxe benefícios às gerações mais novas, graças à transmissão de conhecimento que ela possibilitou, sua "solução" foi cortar o mal pelas folhas e não pela raiz: e lá se foram pelo menos 68 jovens numa carnificina sem precedentes na história da Noruega. No mínimo, deve ter deixado os europeus modernos do Paleolítico Superior enrubecidos de vergonha.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Meias verdades e o óbvio ululante

Não existe nada de mal em constatar o óbvio ululante. Afinal, o óbvio só veio a se tornar óbvio porque ele precisou ser reafirmado e reconhecido muitas vezes. O que não dá mesmo é contemplar o óbvio para sorrateiramente escorregar para as meias verdades. O problema, meus amigos, é que as meias verdades nunca andam sozinhas: elas precisam se apoiar ora numa mentira, ora numa omissão.

A matéria veiculada hoje no O Globo online é tipicamente uma daquelas que parte do óbvio para chegar a algumas meias-verdades. Intitulada "Excesso de trabalho pode causar danos psíquicos, profissionais e físicos", a matéria parte de uma obviedade que muitos estão carecas de saber, mesmo que não apliquem em seu cotidiano: trabalhar demais pode ser contrapodutivo (http://oglobo.globo.com/economia/boachance/mat/2011/07/21/excesso-de-trabalho-pode-causar-danos-psiquicos-profissionais-fisicos-924956453.asp).

A matéria começa descrevendo a síndrome de "burnout": "A enfermidade atinge os chamados workaholics, isto é, viciados no trabalho, e atua em três fases distintas: primeiro a ansiedade, depois a angústia e, finalmente, a depressão. Os sintomas costumam surgir devido ao excesso de horas no trabalho, que diminui o tempo para a vida social".

Bem, tudo teria ficado no elas por elas, se uma meia-verdade não viesse se esgueirar entre os sintomas e se instalar ao lado da obviedade: a constatação de que pessoas "workaholics" são as principais vítimas dessa síndrome é uma meia-verdade perigosa, pois ela confunde causa e efeito do comportamento compulsivo dirigido para o trabalho.

O problema, mais uma vez, é que uma meia-verdade ainda é uma meia-verdade, e ela não vai se tornar uma obviedade apenas porque resolveu se sentar ao lado dessa última. Ou seja, as pessoas que apresentam um alto teor de "dedicação à profissão" - para usar os termos da matéria - são realmente mais propensas à estafa (50% de verdade), mas elas o são por opção pessoal ou por pressão direta dos seus superiores, no intuito de manter um padrão alto e constante de produtividade?

Errou quem pensou que estas perguntas básicas ficariam sem resposta na matéria. Sim, ela é respondida, só que a resposta vem a conta-gotas para demarcar um posicionamento que me parece para lá de preocupante. Vejamos como isto acontece.

A matéria cita, primeiramente, a psicóloga Silvana Brígido para estabelecer uma distinção importante com relação à adesão do indivíduo à carga de trabalho: "A síndrome de burnout é diferente do estresse, em que uma pessoa está num emprego que não necessariamente gosta. No caso do burnout, é justamente o problema de o indivíduo ficar tão concentrado no trabalho que o prejudica".

E como ficam as organizações nisso tudo? Bem, acredita-se que "muitas instituições estão profundamente preocupadas em propiciar o lazer de seus funcionários, oferecendo academias de ginástica, espaços 'zen' e áreas de entretenimento". Sendo assim, o primeiro ensaio de resposta me parece um tanto insatisfatório: os referidos "mimos" não garantem nenhuma efetividade na dosagem e na distribuição equânime do trabalho entre os funcionários, nem exime as organizações de manterem patamares de produtividade absurdos ou simplesmente inalcançáveis.

A segunda tentativa de resposta é oferecida na avaliação aparentemente crítica da especialista Priscilla Telles, gerente executiva da empresa Ricardo Xavier Recursos Humanos: "Não vejo as corporações preparadas para apoiar esses profissionais. Normalmente, as síndromes aparecem em função do excesso de produção. É um tema complicado, mas não vejo uma preocupação adequada. O primeiro passo, aliás, é não discriminar os indivíduos que passem por este tipo de problema".

Claro, sensores mais críticos acusaram logo de cara pelo menos mais duas meias-verdades infiltradas no meio do óbvio: que o excesso de produção cause a síndrome, isso já sabemos; que as corporações não estejam preparadas para responder ao problema, esta é outra constatação de uma evidência flagrante. A solução é que fica um tanto vaga: sim, não se deve discriminar o indivíduo. Mas, afinal, de quem é a culpa: das exigências internas do ambiente de trabalho ou da exigência auto-imposta pelo indivíduo? E se quisermos refinar ainda mais o argumento, poderíamos perguntar também em que medida essa exigência auto-imposta não é também um mero reflexo da carga excessivamente competitiva do ambiente profissional.

O desfecho da matéria não poderia ser mais desastroso. Além de falhar na descrição dos aspectos macrossociais da síndrome, ela busca explicações somente dentro do microcosmos das opções pessoais do indivíduo. Não é de se admirar, portanto, que a matéria termine com um guia de melhorias no âmbito da alimentação e da ingestão de líquidos: "A preocupação com a alimentação é essencial para evitar problemas intestinais e falta de disposição durante as horas de trabalho". Uma obviedade que ganha o vaticínio da nutricionista Luciana Harfenisst: "Estar bem alimentado é parte essencial do bom trabalho. A parte intelectual da mente processa melhor os dados quando tem os ingredientes necessários".

Comer bem, beber o suficiente para evitar desidratação, dormir 8 horas de sono por dia... Todas essas são obviedades que merecem, sim, serem repetidas todos os dias. Difícil mesmo é manter as meias verdades sob estrita vigilância, para que o diagnóstico e a consequente alteração das relações de poder no ambiente corporativo sejam mais eficazes. Mais difícil ainda é reconhecer a margem de manobra de cada indivíduo e sua real autonomia para definir um ritmo de trabalho mais justo e humano. Solução? Contra o "burnout", "agency"!

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Dia do caçador

Cuidado: cavalo na pista e gato no forro de teatro! Realmente, o dia não estava para peixe ontem - e nem para cavalo e para gato. Animais no lugar errado e na hora errada criam constrangimentos, quando não a própria morte.

O caso do cavalo teve um final trágico. "Um motorista atropelou um cavalo na rodovia Ayrton Senna, no Km 35 da pista sentido São Paulo, às 23h55 da quarta-feira (20). O homem saiu ileso do acidente, mas o cavalo, que invadiu o para-brisas, acabou morrendo no local" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/brasil/motorista-atropela-cavalo-na-ayrton-senna-e-sai-ileso-1.313467).

Pelo avançado da hora, o cavalo - coitado! - deve ter partido desta para melhor cantando "Two minutes to midnight". Ou quem sabe ele se foi pensando na ironia da canção do Benjor: "morre o burro, fica o homem". E morre o cavalo também.

Já o fim do gato foi um pouco menos trágico, ainda que triste. Acusado de interromper o show da Zizi Possi no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, também na noite da última 4a feira, o gato foi alvo de buscas pelo Corpo de Bombeiros. "Segundo a assessoria do Palácio das Artes, o fato ocorreu pois a porta de emergência tem que ficar aberta, mas providências já foram tomadas para que o bichano seja retirado" (http://www.hojeemdia.com.br/minas/bombeiros-retiram-gato-que-miou-no-show-de-zizi-possi-1.313424).

Com uma ordem de despejo na mão, o gato não teve escolha: foi cantar em outra freguesia "nós gatos já nascemos pobres, porém já nascemos livres".

Finda aqui mais um dia típico de caçador.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Na Ponte da Amizade

Não consta na notícia se tudo aconteceu mesmo hoje, no Dia do Amigo. Sabe-se apenas que foi na Ponte da Amizade onde o filme se passou: um grupo de traficantes narra, passo a passo, a passagem pela Ponte da Amizade do Paraguai até o Brasil (http://www1.folha.uol.com.br/multimidia/videocasts/946394-em-video-traficantes-tiram-sarro-da-policia-enquanto-cruzam-a-fronteira.shtml).

Tudo poderia ter ficado por isso mesmo, se eles não resolvessem comemorar a passagem tranquila tirando sarro (não sem razão, diga-se de passagem) da vigilância da polícia rodoviária e do exército durante o transcurso sobre a ponte. No vídeo, cedido pela própria Polícia Rodoviária, eles produzem provas contra si mesmos e falam da quantidade trazida: 1 tonelada de maconha.

E tudo poderia ter acabado bem, se eles não tivessem sido interceptados em uma blitz da Polícia Rodoviária Nacional na cidade de Laranjeiras do Sul (PR), com 500kg e a câmera fotográfica repleta de imagens comprometedoras. "Agora, as imagens foram anexadas ao inquérito que poderá condená-los por tráfico de drogas", avisa a notícia da Folha Online. Rodaram todos.

Grandes prestadores de serviço, os traficantes mostraram, com riqueza de detalhes, as mazelas do policiamento de fronteira no Brasil. "E os outros 500kg de maconha?", perguntaria o leitor atento. Pensei naquele provérbio búlgaro que diz: "É permitido, numa hora de grande perigo, andar com o demônio, mas só até que você tenha cruzado a ponte". Ah, então tá explicado: deve ter sido ele que fumou os outros 500kg!

terça-feira, 19 de julho de 2011

No túnel do tempo da publicidade 11

Só hoje eu percebi - não sem alguma consternação - que quando falo de publicidade, apelo sempre para a descrição da norma. Mesmo quando uso exemplos cuidadosamente pinçados nos meus alfarrábios, sempre o faço para demonstrar aquilo que percebo como sendo uma tendência ou um padrão de representação, de linguagem, de visão de mundo. Pois bem. Diante dessa constatação, eu hoje eu vou fazer diferente: vou mostrar a tendência e o contra-exemplo.

O tema que servirá de pano de fundo para a minha demonstração é aquela velha mania que muitos de nós, brasileiros, temos de valorizar cultural, econômica e politicamente o que vem do Hemisfério Norte. Em priscas eras, essa mania ganhou um nome específico - "eurocentrismo" - por descrever prática comum nos tempos coloniais que, nem de longe, estavam restritas ao campo da publicidade.

Na publicidade brasileira, mais especificamente, não faltam exemplos de representações "eurocêntricas", como estas veiculadas no ano de 1979 :













Fontes: Revista Veja, 07-03-1979, p. 71; Revista Veja, 26-09-1979, p. 18; Revista Veja, 12-12-1979, p. 7; e Revista Veja, 10-10-1979, p.7.




Apesar de ser um termo velho e batido para alguns, suas implicações são ignoradas por muitos outros. Para estes últimos, fica aqui uma definição preliminar: eurocentrismo é "uma visão de mundo que tende a colocar a Europa (assim como sua cultura, seu povo, suas línguas, etc.) como o elemento fundamental na constituição da sociedade moderna, sendo necessariamente a protagonista da história do homem" (http://pt.wikipedia.org/wiki/Eurocentrismo).

Bem, um dos grandes problemas do "eurocentrismo" é que ele não acabou com o fim da era colonial. Mesmo depois de rompidos os laços políticos e econômicos de subordinação à "metrópole europeia", a supervalorização das referências culturais europeias gera efeitos de longo-prazo nas mentalidades de Pindorama. Ora, no caso específico da publicidade - que é o que por ora nos interessa mais de perto - já vem de longa data a acusação de que a publicidade brasileira privilegia principalmente padrões europeus de beleza e de sofisticação.

E por que, cargas d'água, isso seria um problema? Muito simples: o mundo não se resume à área territorial da Europa. E, por mera extensão do raciocínio, nem a dos Estados Unidos e do Canadá. Ou seja, exemplos positivos de riqueza (material e imaterial), de conhecimento e de beleza podem ser buscados em outras partes do mundo e reconhecidos enquanto tal.

Um bom contra-exemplo desta tendência é esta publicidade que, ao falar do Brasil e de seus produtos, reconhece valores, aquisições e projetos de vida de outras partes do mundo - para além da Europa, da América do Norte e do Japão (como costuma acontecer nas publicidades de produtos eletro-eletrônicos). Mas ela faz muito mais do que isso, se vocês tiverem o cuidado de ler atentamento o (longo, diga-se de passagem) texto da pagina direita do anúncio.

Fonte: Revista Veja, 28-02-1979, p. 42-43.

Em primeiro lugar, esta é uma das raríssimas publicidades que utilizam como protagonista um homem (ainda que a imagem traga um casal) africano, com vestes típicas de seu país.

Em segundo lugar, Femi Olusola, o protagonista do anúncio em questão, não é de forma alguma apresentado como refugiado, faminto, nem como objeto de nenhuma caridade ou ação assistencialista ou humanitária da parte de um país de primeiro mundo. Ao contrário, Olusola é um ícone do homem bem-sucedido: concluiu seu mestrado em física nuclear na Unicamp, fez estágio na Usina de Angra e está prestes a voltar ao seu país.

Em terceiro lugar, a Nigéria, seu país de origem, é descrito um dos países "mais desenvolvidos do mundo". No país de Olusola, existe espaço para sonho e para ascensão social: ele almeja uma bela casa em Lagos, onde viverá com esposa e um filho (nada de prole numerosa e faminta) e um Lisarb GT-2008.

Claro, se prosseguirmos a leitura do texto, veremos que a descrição é desinterrada: ela é um subterfúgio para falar que a aquisição do carro de luxo por Olusola em Lagos foi obra de um acordo comercial entre o Brasil e os países africanos. Em última instância, o texto faz apologia à política de industrialização e aproximação comercial com os países empreendida durante os anos do governo militar - política da qual o Banco do Brasil foi "agente ativo". Algo compreensível já que, afinal, a publicidade é assinada pelo Banco do Brasil e não pela marca de automóveis Lisarb.

Feitas todas estas ressalvas, fica aqui a grata sensação de ter visto, pela primeira vez na vida, uma publicidade que tenha, primeiramente, atribuído valor a um modelo social não-eurocêntrico (ainda que alguns possam protestar que este modelo de modernização é eurocêntrico, sim, que aquela ali não é "verdadeira" África, aquela das tradições e da cultura ancestral, mas essa querela prefiro deixar para outro dia). Além disso, esta é, sem dúvida, uma publicidade que resistiu bravamente à tentação de cair nos lugares comuns sobre a África (miséria e exotismo) e de representá-la para além de uma relação assistencialista ou de subordinação.

Difícil em se tratando da publicidade brasileira? Talvez. Mas certamente não é impossível. Aliás, já não era em 1979!

segunda-feira, 18 de julho de 2011

O brilho do diamante louco

Estaria inaugurando hoje a série "Notícias fúteis, títulos ambíguos", se o tema já não fosse recorrente aqui nesse blog. Bem, já que, na prática, o tema é mesmo recorrente por aqui, pelo menos fica o consolo de que nomeá-lo hoje vá conferir ao meu desabafo um ar mais solene, mais oficial. Vamos a ele, então.

Para ser sincera, nem me ofende tanto que as matérias cotidianas falem de coisas inúteis. Afinal, o conceito de "utilidade" é elástico o bastante para comportar uma boa dose de relativismo cultural: o que é útil para mim pode ser não para você, e vice-versa. Na verdade, o que altera realmente a minha pressão arterial é que, além de falar sobre coisas irrisórias ou pouco significativas, algumas notícias tem o mal-hábito de criar, no título, falsas expectativas sobre os fatos que serão narradas no corpo do texto.

Notícia da Folha Online anuncia: "Estudante encontra anel de brilhante em estádio de futebol" (http://www1.folha.uol.com.br/mundo/945486-estudante-encontra-anel-de-diamante-em-estadio-de-beisebol.shtml). Não, não, meus caros leitores: o evento não ocorreu durante um jogo. O fato é outro: "Uma estudante universitária dos Estados Unidos ganhou um anel de diamante durante um peculiar concurso em que as participantes precisam usar uma colher plástica para cavar o terreno de um estádio de beisebol e encontrar a joia".

Ler um título desses é como pedir uma informação sobre como chegar até uma rua bem próxima e te mandarem para outro bairro. Mas dirão os entendidos: "isso só prova que o título é um excelente gancho: você até parou para uma matéria que nem te interessaria". Sim, é verdade. Felicidade para o editor daquele caderno, tristeza para uma leitora mal-humorada como eu.

Sim, também acho que é verdade que as melhores surpresas da vida acontecem justamente naquelas situações em que partimos com um rumo definido, mas acabamos sendo levados para outros lugares melhores - lugares estes que nunca sequer imaginamos. Até aqui, concordo plenamente. Mas o chato é quando o título te leva para um lugar ainda pior do que aquele no qual você nem sequer ousou pensar.

A bem da verdade, feliz mesmo é a moça da notícia: "A vencedora declarou a uma emissora de rádio local que é fã de beisebol e sabia que o anel não estaria enterrado em uma zona muito frequentada do campo, por isso decidiu cavar na área entre a primeira e segunda base". O segredo do seu sucesso foi ter cavado lá onde ela achou que ninguém iria. O segredo da notícia (e do seu título "misleading") foi ter me levado até onde eu não iria.

Moral da história: tá na hora de ir dormir. Daqui até a minha cama, não leio mais nada, que é para não me distraiar do meu destino certo e seguro.

E para vocês que ficam, uma canção devotada aos diamantes enterrados nos lugares mais insensatos.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Aquela carta que nunca chegou...

Breve caso inusitado para fechar a semana: "Uma carta declarando 'amor eterno', escrita a um estudante universitário na Pensilvânia, foi entregue 53 anos depois no campus da faculdade", relata matéria da Folha Online (http://www1.folha.uol.com.br/mundo/944374-carta-de-amor-eterno-e-entregue-53-anos-depois.shtml).

A carta, que teria sido escrita em 1958 (!), ainda permanece na sala de correspondência da California University of Pennsylvania, "esperando para ser entregue, uma vez que os funcionários ainda procuram pelo destinatário". O que me parece bastante estranho, pois a porta voz da mesma universidade diz saber que Clark Moore, o destinatário, que hoje deve ter em torno de 70 anos, mora próximo a Indianápolis.

A bem da verdade, a história é mais triste, intrigante e mal-contada do que romântica. Como minha verve investigativa não me trai nunca, tenho cá comigo três perguntas que merecem resposta objetiva: 1) Se a carta foi escrita em 1958 e só agora foi entregue no campus, onde ela esteve todo este tempo ? 2) Se sabem mais ou menos o paradeiro do destinatário, por que ainda não entregaram? 3) Como sabem que a carta jura "amor eterno" sem abrir o envelope e violar a correspondência?

Moral da história: nunca jure amor eterno, porque senão o correio vai fazer a maior hora para entregar!

Depois dessa história triste, fica aqui de consolo esse pérola rara do Joe Cocker: "The Letter".

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Euforia hiperbolicamará!

Euforia total com as estatísticas da Câmara dos Deputados em Brasília: imprensa grita aos quatro ventos que Romário e Tiririca não faltaram a nenhuma das 55 sessões deliberativas realizadas na casa durante o primeiro semestre deste ano (http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/07/14/romario-tiririca-nao-tem-faltas-em-sessoes-deliberativas-da-camara-dos-deputados-924905401.asp).

Antes que alguém se ajoelhe diante dos astros e pense que Romário se redimiu do flagra nas areias da Barra em pleno dia de sessão - dia este em que ele computou de presença, diga-se de passagem (http://cronicasdejuvenal.blogspot.com/2011/02/o-homem-elastico.html) - e que Tiririca agora virou um homem sério de vez, vale aqui registrar alguns dados disponíveis no site da Câmara (http://www2.camara.gov.br/).

Em primeiro lugar, duas sessões deliberativas podem ocorrer no mesmo dia. Por exemplo, no dia 22 de fevereiro, ocorrerão duas sessões deliberativas: uma ordinária às 14h e outra extraordinária às 20h01.

Em segundo lugar, existem dias sem nenhuma sessão deliberativa, como no caso do dia 14 de março. Mas a casa funciona normalmente, inclusive com sessões de debate.

Em terceiro, após uma rápida revisão do número de dias úteis existentes entre 02 de fevereiro e 07 de julho (período em que as 55 sessões deliberativas foram computadas), verifiquei que existiram, ao todo, 105 dias úteis (não contei nem a 4a feira de cinzas, nem a 6a feira após o feriado de Finados). Isso, claro, para o mais comum dos mortais, já que acho difícil de acreditar que a Câmara tenha funcionado todos esses dias: não existe agenda disponível, por exemplo, nos dias 10 e 11 de março - 5a e 6a feiras depois do Carnaval, respectivamente.

Em quarto lugar, se nos fiarmos à descrição da metodologia de aferição das presenças trazida na própria matéria do O Globo Online, veremos que existe muita margem para dúvidas: "A pesquisa foi baseada na página oficial de cada deputado na Câmara. O registro dos dados privilegiou as ocorrências de presença nas sessões plenárias deliberativas. Nessas sessões, a presença pode ser registrada à distância (terminais eletrônicos são distribuídos pelas dependências da Casa, por exemplo próximas às comissões temáticas)".

Ou seja, ainda que a página oficial do candidato fosse fonte fidedigna - e temos algumas razões para duvidar que o seja, sabendo que Romário soube muito bem burlar o sistema de ponto para comparecer ao seu imperdível contato com o eleitorado do vôlei de praia lá na Barra da Tijuca -o registro de presença à distância favorece, a um só tempo, a evasão, a dispersão e o piquenique fora de hora.

Em quinto e último lugar, a presença nas sessões deliberativas não garante que Romário e Tiririca tenham participado efetivamente das discussões, nem que a deliberação tenha sido de qualidade, quando esta existiu.

Pronto! Joguei água na fervura. Assim sendo, não acho nenhuma vantagem ambos estarem presente em todas as 55 sessões deliberativas: eles não fazem mais do que a obrigação! Afinal, foi para isso mesmo que eles foram eleitos, ora bolas.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

O peso-pesado dos mitos

Quando um mito cai por terra, é sinal de que estamos ficando um pouco menos bestas ou menos arrogantes ou menos previsíveis.

Faz tempos, por exemplo, que escutamos que se deve beber de seis a oito copos de água por dia para prevenir diversas doenças que estariam ligadas à desidratação. Bem, isso até aparecer essa tal médica Margaret McCartney dizendo que "não há uma prova clara dos benefícios de se beber grandes quantidades de água" (http://oglobo.globo.com/vivermelhor/mat/2011/07/12/beber-de-seis-oito-copos-agua-por-dia-absurdo-ridiculo-diz-medica-924887220.asp#ixzz1S2HoLDh6).

As ponderações que Sra. McCartney fez ao British Medical Journal desta semana vão, aliás, na mesma direção da posição sustentada pela dieta e filosofia Macrobiótica há algumas décadas: o excesso de água pode, inclusive, sobrecarregar fígado e rins. Enfim, qualquer que seja a razão, , no final das contas, para a recusa em acreditar que a ingestão de grandes quantidades de água só pode ser benéfica à saúde, ambas as posições em muito desagradam as grandes corporações internacionais, responsáveis pela comercialização de águas engarrafadas para consumo humano.

Portanto, descontruir mitos não é nada fácil: é tarefa para peso-pesados, isto é, para gente disposta a pegar "no pesado" para contestar uma verdade tida como absoluta. Felizmente, existem pessoas como a britânica Margaret McCartney e também a americana de origem paquistanesa, Kulsoom Abdullah, a qual fez dessa tarefa uma autêntica prática esportiva.

Para quem ainda não leu a respeito, Kulsoom nos fez também a caridade de requerer junto a Federação Internacional de Levantamento de Peso a mudança das regras dessa prática esportiva por ser islâmica e por reivindicar o porte do hijab durante suas apresentações (http://www1.folha.uol.com.br/esporte/943053-muculmana-americana-consegue-mudar-regra-do-levantamento-de-peso.shtml). Com isso, a decisão da federação fará da esportista "a primeira atleta a competir no levantamento de peso com as pernas, braços e cabeça cobertos", segundo matéria da Folha Online.

Mas... para quem acha que obrigar, por motivos religiosos, uma mulher a portar vestimentas longas é o suprassumo da subordinação feminina e um retrocesso nos avanços sociais conquistados pelas mulheres ocidentais até hoje, eis que a realidade nos convida a um exame mais profundo das nossas próprias crenças. Além de ser uma mulher realmente muito bonita no auge dos seus 35 anos (até aí, nada demais), Kulsoom contraria todos os estereótipos da mulher-objeto, submissa, indefesa e oprimida: ela é também PhD em computação pela Georgia Tech, faixa-preta em taekwondo e, apesar de ter apenas 45 kg de peso e praticar levantamento de peso há apenas 4 anos, ela consegue levantar mais de 110 kg. Tudo isso junto faz dela um bomba de nitrogênio ambulante, dessas capaz de implodir qualquer crença arraigada.

Claro, a Federação Internacional de Levantamento de Peso tem também lá o seu mérito ao inovar em relação a decisões como as da FIFA e do Comitê Olímpico, que viram no porte do hijab uma ameaça à segurança das atletas - decisões estas que terminaram resultando na eliminação da seleção feminina de futebol iraniana das Olimpíadas de 2012. A ideia aqui, contrariamente às decisões anteriores, é fazer do levantamento de peso "um esporte olímpico aberto para todos os atletas sem discriminação de cor, raça, religião, sexo, idade ou nacionalidade de acordo com os valores olímpicos", conclama o presidente da Federação Internacional do esporte, Tamas Ajan.

Como dizia Marina Lima, "e preconceito: quebrou não tem mais jeito".

terça-feira, 12 de julho de 2011

Longe é um lugar que existe sim!

Uma interpretação rasteira de "Parabolicamará" nos faria crer que o encurtamento das distâncias com as novas tecnologias de comunicação é uma benécia ao alcance de todos.

Mas não se pode levar a letra ao pé da letra - por mais genial que ela seja. A prova disso está na pesquisa "Educação em Territórios de Alta Vulnerabilidade Social na Metrópole", desenvolvida na Zona Oeste de São Paulo e divulgada hoje pela imprensa paulista: quando a questão é rendimento escolar de crianças, a localização escolar conta - e muito!

Bem, que crianças que moram pobres nas perferias urbanas tenham menor desempenho do que os alunos ricos de escolas mais centrais em função da distâncias que têm de percorrer até escola, isso é fato mais que sabido. A novidade desta pesquisa publicada no Estado de São Paulo e replicada no Jornal Hoje em Dia é que a localização da escola afeta também o rendimento para alunos com mesmo perfil sociocultural, seja ele baixo ou alto (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/brasil/localizac-o-da-escola-influencia-desempenho-do-aluno-1.308743).

"Em unidades localizadas em áreas altamente vulneráveis, cerca de 50% dos alunos com baixos recursos culturais familiares (bens culturais disponíveis em casa, como TV, DVD, internet e livros, aferidos pelo questionário socioeconômico da Prova Brasil, e escolaridade da mãe ou mulher responsável pelo estudante) têm desempenho abaixo do básico e apenas 10% deles apresentam desempenho adequado", relata a matéria.

Mas quando analisou-se o rendimento de alunos com perfil semelhante em escolas localizadas em áreas menos vulneráveis, verificou-se que não só havia menos alunos com rendimento abaixo do básico (38%), como também aqueles com rendimento adequado e avançado eram claramente superiores (24%). Da mesma forma, alunos com recursos culturais familiares mais altos passam a apresentar rendimentos mais baixos quando inseridos em escolas cujo entorno é mais vulnerável.

Esses dados refutam uma crença descrita por outro estudo divulgado pela Folha Online há mais tempo: a suposta inaptidão do aluno de periferia ao aprendizado escolar, uma crença dominante junto aos professores de escolas públicas (http://www1.folha.uol.com.br/saber/925019-preconceito-prejudica-desempenho-de-alunos-na-sala-de-aula.shtml). A pesquisadora Maria Helena Souza Patto explica que "com essa visão negativa dos alunos e de suas famílias, educadores estão prontos a se relacionarem com essas crianças de modo a confirmar essas expectativas de que serão incapazes de aprender, por meio de vários comportamentos explícitos (agressões verbais e até físicas, como humilhações em sala de aula, arrancar e rasgar folhas de caderno que contêm erros etc.) ou mais sutis, como a frequência com que as atendem em suas dúvidas etc". Reproduz-se aqui a velha tautologia do biscoito Tostines: ele vende mais porque é mais fresquinho ou é mais fresquinho porque vendia mais? Da mesma forma, são os alunos de periferia que são menos preparados ou os professores que deixam de prepará-los porque eles são mesmo de periferia?

A despeito da velocidade do fluxo das informações e da existência de escolas para divulgá-las, a transmissão do saber esbarra em barreiras de ordem sociocultural: ora é a localização da escola, ora é a descrença dos próprios professores na reversão de um quadro de baixo padrão cultural. Essas informações que viajam rápido e gastam o mesmo tempo que a Rosa "pra aprumar o balaio
quando sentia que o balaio ia escorregar" esbarram na lentidão das crenças arraigadas.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

No túnel do tempo da publicidade 10

"Antes longe era distante
Perto só quando dava
Quando muito ali defronte
E o horizonte acabava
Hoje lá trás dos montes
dendê em casa camará

Ê volta do mundo, camará
Ê, ê, mundo dá volta, camará"

Quem não se lembra desses versos da canção "Parabolicamará", do Gilberto Gil? Eles nos contam das mudanças trazidas no dia-a-dia das pessoas mais simples com o advento de novas tecnologias nas comunicações. E, principalmente, de como a nossa percepção do tempo ficou alterada com essas mesmas tecnologias.

O comentário de hoje trata de antigas "novas" tecnologias de comunicação. Ou melhor, de publicidades que traziam as últimas novidades nos suportes técnicos no início das décadas de 1980, 1990 e 2000, respectivamente. O que elas têm em comum? Elas que encurtaram as distâncias entre eu, você e o mundo pelo menos um pouquinho. Na pior das hipóteses, elas tornaram esse contato no mínimo mais confortável.

A primeira "nova" tecnologia anunciada é uma propaganda de telefone com teclas (Revista Manchete, 13-12-80, p. 81). Antes que um leitor desavisado com menos de 20 anos me pergunte, eu já vou logo respondendo: até o início dos anos 1980, os telefones possuíam um disco; e para compor o número desejado, era necessário girá-lo. Cada vez que vc ligava para um lugar e estava ocupado, era preciso esperar e girar o disco até compor a série de 7 dígitos toda de novo (sim, naquela época também os números de telefone possuíam apenas 7 dígitos).

Pois esta publicidade do telefone com teclas da Gradiente informa justamente sobre a praticidade da tecla de memória no seu novo aparelho telefônico: "quando o número estiver ocupado, basta apertar esta tecla e ele realiza a ligação sozinho. Já pensou como isso vai facilitar a sua vida?" Para você, que acha simplesmente impossível imaginar um celular sem registro de chamadas não atendidas, imagine então como era na época do telefone de disco. Atendeu, bem. Não atendeu? Então liga de novo até alguém do outro lado te atender.

A próxima publicidade é uma novidade sui-generis da Sanyo (Revista Veja, 02-01-91, p. 35-36): a câmera de filmar Zeema. Esta, além de possuir "inteligência computadorizada que controla com mais rapidez e precisão que as convencionais na focagem e na intensidade de luz", ela é a "primeira câmera que trabalha como o olho humano: na horizontal". E como elas eram até então, vc aí - com menos de 20 anos - deve estar se perguntando... Bem, no meu entender, elas nunca foram verticais de fato. Mas essa aí tem pelo menos o mérito de ser mais achatada do que as outras.

Desnecessário dizer que nem tudo o que é novidade um dia, vai necessariamente permanecer no mercado para sempre. Desde os anos 1990, as câmeras domésticas foram sendo tão reduzidas e cada vez mais portáteis, que acabaram perdendo sua exclusividade existencial, passando a compartilhar espaços cada vez mais exíguos como o do celular e o da câmera fotográfica.

A última publicidade (Revista Isto é, 24-10-2001, p. 53) é dos Correios e comemora a chegada do Sedex 10: só ele entrega sua encomenda no destino até às 10h da manhã do dia seguinte. Com uma ousadia suplementar: o serviço promete retornar o dobro do valor pago pela postagem, caso o pacote não chegue no seu destino até o prazo anunciado. "Agora você já sabe: se tem que chegar cedo, só de Sedex 10!".

Agora dê uma olhada no texto de cada uma dessas publicidades. Viu também como ele foi sendo enxugado ao longo do tempo? Além de ter ficado bem mais curto e objetivo, ele passou a se sobrepor à imagem, graças aos novos recursos da edição de imagens digitalizadas via computador, passando a ocupar a totalidade da página. Texto mais curto, distâncias e tempo gasto com leitura idem!

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Menino porta-trecos

Depois de uma semana inteira falando de extra-terrestres quase todos os dias, acabei me sentindo uma deles. O jeito foi compartilhar o meu sentimento de não-pertencimento a este mundo me simpatizando com a sorte desse menino de 11 anos, morador da cidade de Mossoró (RN), e seu estranho dom de atrair objetos metálicos (http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2011/07/08/no-rio-grande-do-norte-corpo-de-garoto-de-11-anos-atrai-metais-924863333.asp).

O menino-ímã de Mossoró começou a atrair objetos metálicos como "colheres, garfos, tesouras, celulares e até uma panela inox" há cerca de um mês. Deve ter virado o porta-trecos oficial da casa, coitado. E deve estar sendo também muito solicitado pelos seus para coisas do tipo: "filho leva ali para a sua mãe essa tesoura, um machado, duas gamelas, 5 facas, um serrote e uma enxada, por favor".

Se bem que se ele quiser ficar parecido com o seu homólogo croata, vai ter que fazer muita escola ainda. Segundo a matéria do O Globo online, na Croácia, o menino Ivan Stoiljkovic, de apenas seis anos, é capaz de atrair até 25kg de objetos metálicos. É isso aí: enquanto uns brincam de carrinho, outros são o próprio guindaste!...

Bem, se eu estava me sentindo só no meu deslocamento do mundo terreno, agora já tenho companhia para prosa. Vou dormir tentando imaginar se todos os experimentos com o garoto foram feitos antes ou depois do banho dele.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Boletim de ocorrência

A história do ET Bilu ontem me deixou com a pulga atrás da orelha. Afinal, o que é ser um ET nesse mundão sem porteira? Depois do dia de hoje, estou certa de ter vivido uma experiência extraterrena.

Passemos, pois, aos fatos. Emprego em vista, carteira de trabalho desaparecida. Olho no site do Ministério do Trabalho e descubro que é necessário registrar boletim de ocorrência (vulgo BO) para obter uma 2a via. E lá vou eu bater no quartel da PM em Santa Efigênia para fazer o tal BO. "Não, aqui não fazemos mais isso. Vc tem que ir até uma delegacia da polícia civil". Ok, sei de uma que fica na Floresta. Fui para lá num pé só.

Cheguei à delegacia às 11h06. Quatro pessoas aguardavam atendimento antes de mim. Uma delas desistiu, o resto ficou esperando. Na porta da delegacia, aviso de greve e pedido de respeito à categoria. Opa, mais gente chegando. Funcionários entram e saem, sem muita pressa. Aliás, sem pressa nenhuma. "Aguarde mais um pouco, por favor". Na fila, antes de mim, dois rapazes e um senhor. Depois de mim, duas moças e um itinerante que estava alojado no Serviço de Acolhimento Institucional para a População de Rua e Migrante, que fica ao lado. E dá-lhe espera.

Esperar por atendimento das autoridades públicas - sem ter o que ler nas mãos - faz com que os longos momentos de espera sejam devotados quase exclusivamente à observação e à reflexão.

Continuando... O primeiro atendimento para registro de boletim de ocorrência do dia sai às 11h38 - após 45 minutos de espera, segundo o senhor sentado ao meu lado. Suspiro profundo. Uma funcionária atende o telefone e repassa ligações para outros ramais. Dois delegados (um homem e uma mulher) chegam, como sempre, sem pressa. Um deles atende o telefone na recepção, a outra recusa um telefonema e diz para repassar para a imprensa. Conversa em meia voz entre dois outros funcionários do baixo clero. "É verdade que o Dr. Fulano morreu?" A outra responde apontando para uma notícia de um jornal popular, aberto sobre o balcão. "Morreu depois que viu isso aí".

E a espera continua... O segundo atendimento do dia sai às 11h51, o terceiro às 12h05 e o meu às 12h30. Um senhor chega para registrar BO contra uma empresa que se nega a lhe dar uma carta de apresentação. Ele explica que tem uma ação trabalhista contra a empresa e que precisaria de um BO para processá-la por danos morais. Segundo ele, já havia perdido um emprego por falta da tal de carta de apresentação. Desce um funcionário e explica que deixar de dar uma carta de apresentação não é crime. Outro funcionário entra no meio da conversa e pergunta como é que ele vai provar que não está sendo contratado pela outra firma por falta de carta de apresentação. O homem liga para a advogada. A outra moça que vai ser atendida depois de mim é também advogada e diz que ele não tem como provar. O homem esbraveja e vai embora. A espera prossegue.

Agora chega o itinerante e pergunta para as damas se queremos água, pois ele iria buscar no serviço de atendimento ao migrante ao lado. Promete, inclusive, trazer água em copo limpo. A moça ao lado, que é negra, magra, alta e de cabelos pintados de louro, pergunta se pode acompanhá-lo e sai para buscar água. A advogada do meu lado ri: "é cada um que aparece". "Pelo menos ele foi educado", respondo. Coisa rara hoje em dia. Eles voltam para a sala de espera, copo d'água na mão, mais três pacotes de pão de forma fechadinhos e uma embalagem tetrapak que parecia de maionese ou algo do gênero.

Aí, o moço começa a falar que a fé é um grão de mostarda que cabe na palma da mão. "Vc quer que eu coloque a fé na palma da sua mão, moça?". A advogada ri: "não obrigada, já tenho a minha". "E você, moça?" - a moça agora era eu. "Não, obrigada. Também já tenho a minha". E aí ele fala que precisa de registrar o BO para ganhar uma passagem de volta para Manaus, que já morou em Brasília, que o sistema de lá péssimo, que os restos que os porcos de lá comem é da melhor qualidade.

"Como é que as pessoas podem jogar uma coisa dessas fora?", pergunta o itinerante brandindo os três pacotes de pão-de-forma no ar. "Conta para eles onde foi que eu achei isso", diz ele cutucando a moça que foi com ele buscar água. Ela diz: "ele achou no lixo, mas aposto que foi ele quem colocou isso lá". Os dois então começam a divergir sobre quem colocou os três pacotes de pão de forma no lixo. "Tudo o que está aí fora é o sistema", reclama o itinerante. "Ah, você quer ver o que eu faço com o sistema?" Ele levanta e joga os três pacotes de pão-de-forma lá fora, no meio da calçada. Bom dia, miséria humana! "Deixa aí que uma hora uma mãe de família com filho para criar passa e pega", diz ele. A moça da água responde: "Eu mesma sou uma que pegaria um pacote desses na hora!" É a miséria humana mandando abraços para todo mundo.

A porta abre e alguém recita a palavra mágica: "próximo!". Sou eu, graças a Deus. Dou bom dia sorridente e em retribuição recebo uma espécie de grunhido. Sento de frente para o funcionário, que tem o jornal popular aberto ao lado do computador. "Queria registrar uma ocorrência por perda da carteira de trabalho para poder tirar a 2a via". "Carteira de identidade, por favor". Tlec, tlec, tlec no computador e "enter". Uma olhinha no jornal aberto ao lado do computador. Outro tlec, tlec, tlec. Mais uma olhadinha no jornal. O documento é impresso, mas a notícia parece mais interessante. Olho para o azul do céu pela janela. Respiro fundo, beeeeem fundo. Eita, a leitura tá ótima, ele nem olha para a tela! Mais um tlec, tlec e "enter" de novo. O funcionário se levanta calmamente - todo mundo nesse lugar é calmo! - busca os papéis que já estavam impressos e me entrega. Tá tudo certo. Posso ir embora. São 12h45. Os boletins de ocorrência são emitidos até às 13h, segundo o funcionário que estava na recepção.

Cenas como essas me fizeram hoje refletir no pleno sentido do termo cidadania. Também fiquei matutando sobre como somos vulneráveis diante do poder, da autoridade. Como diz o Zeca Pagodinho, tem gente "que tem bala na agulha" e pode contar com corredores de prestígio para chegar até o poder público. Não era o caso de ninguém ali. O serviço público para o cidadão comum é assim: sem pressa, sem cortesia, com doses massacrantes de realidade nua ne crua. Mas ele tem algo de realismo fantástico também: quem vê não acredita! E assim termina o relato da passagem pela delegacia de polícia civil nessa manhã de 5a feira.

Ah, antes que alguém venha com aquele velho discurso requentado de que "isso aí não acontece em país de primeiro mundo", deixa eu abrir um breve parênteses para ilustrar o tema com um fato ocorrido comigo em Montreal, no Canadá, em dezembro de 2008. Era 2a feira à noite, quando saí para tomar café com um amigo de um antigo emprego. Tirei minha carteira da bolsa e paguei meu pedido no caixa. Fui para a mesa. Meu amigo foi buscar guardanapo. Esperei ele virar de frente para a mesa para então me levantar e ir ao banheiro feminino. Voltei e conversamos por pelo menos mais uma hora e meia. Na hora de me vestir para sair (estávamos em pleno inverno), notei que minha bolsa estava leve. Surpresa: a carteira com todos os documentos tinham sido roubados. Informei o funcionário caixa sobre o roubo e pedi para procurarem melhor na hora da faxina. Ele disse que tinah circuito interno de TV na café mas que seria necessário um BO para obter o CD com as imagens.

Corri para casa, liguei para o banco, cancelei o cartão de crédito e de débito. Na manhã do dia seguinte, corri para a delegacia registrar queixa. Fui pessimamente mal-recebida por uma policial que, muito grosseiramente, além de me fazer esperar horrores, disse que os pliciais não iriam asssitir às imagens e que caberia aos funcionários do café de localizarem o ponto exato em que o ladrão é flagrado roubando minha carteira.

Os dias que se seguiram foram bastante semelhantes a um frustrante jogo de tênis: ora a bola saía da polícia, se recusava a pedir as imagens para o café, ora a bola voltava, e o café se recusava a me fornecer as imagens. Por fim, o funcionário do café disse que o patrão viu as imagens e ninguém sequer se aproximou de mim naquela noite. Conclusão: minha carteira foi abduzida! Só pode!

Que isto então sirva de lição para todos nós: sistema é sistema, autoridade é autoridade e nós, reles cidadãos, somos grãos de mostarda (que nem a fé no itinerante) no meio disso tudo. Que seja aqui, em Montreal ou em Bangladesh.

No fim das contas, fico pensando se quem não está errada nisso tudo sou eu, que nasci no planeta errado. ET Bilu, casca fora: o ET aqui sou eu!!!

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Nada sobre o ET Bilu...

Li hoje na Folha de São Paulo que um "documentário busca a verdade sobre o ET Bilu" (http://www1.folha.uol.com.br/tec/927816-documentario-busca-a-verdade-sobre-o-et-bilu-veja.shtml).

Pausa para suspiro desesperançado: "quem (cargas d'água) é o ET Bilu?", pensei cá com os meus botões. Nem precisou de busca no Google, estava tudo lá na matéria: o suposto ET foi alvo de vídeo que virou febre no Youtube. Desculpe pela vergonha que passei. Nunca tinha ouvido falar do ser em questão.

Conclusão mais que óbvia: acabei me sentindo mais ET do que o Bilu.

E por falar em ET, e para quem gosta de procurar por discos voadores no céu...

terça-feira, 5 de julho de 2011

Grande prêmio "Criatividade e Ousadia"!

Criatividade é qualidade. Ousadia também. Mas duas notícias publicadas hoje poderiam disputar medalha de menção honrosa em pelo menos três quesitos: criatividade, ousadia e revelação de novos talentos.

A primeira delas é prosaica que só ela mesma! Notícia publicada no jornal Hoje em Dia revela plano frustrado de criminoso que se escondeu em mala para fugir de penitenciária no México (http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/noticias/mundo/criminoso-se-esconde-em-uma-mala-para-fugir-da-pris-o-no-mexico-1.305281). Se não fosse pelo nervosismo da namorada e pelo peso da mala, ninguém - nem os guardas penitenciários - teriam notado o engodo.

Já a segunda notícia revela criatividade e ousadia em uma dimensão totalmente distinta. Helicóptero do Corpo de Bombeiros localiza hoje, 3a feira, grupo de sete pessoas perdidas na Serra do Mar desde o sábado passado (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/939186-helicoptero-da-pm-encontra-grupo-desaparecido-na-serra-do-mar.shtml). Liderados por uma bióloga de 65 anos, o grupo - que não contava fazer mais do que uma trilha de algumas poucas horas - acabou tendo de sobreviver sem barracas e sem comida suficiente para esses quase 4 dias.

Certo é que nenhuma dessas situações é confortável. São iniciativas com finais mais ou menos felizes e diferentes graus de sucesso. Tudo isso, sem contar o abismo existente entre as noções de moralidade que subjazem a cada uma das iniciativas.

Apesar dos pesares (e de suas diferenças marcantes), ambas revelaram também um novo talento nos seus protagonistas, seja este talento inato (como no primeiro caso) ou adquirido com muito esforço (como no segundo): a vocação para fáquir. Porque se tem uma coisa que é comum ao esforço de ficar dobrado dentro de uma mala, ou sobrevivendo sem comida nas montanhas, essa coisa é a vocação para fáquir.

Bem, se nenhuma das notícias levar o prêmio "Criatividade e Ousadia", pelo menos ficarão aqui dois consolos: 1) para quem nunca imaginou que a yoga pudesse ser usada a serviço do crime, é certo que há mais praticantes ocultos do que se poderia imaginar em princípio; para estes o "segredo" faz parte do negócio (literalmente). 2) para quem achava que nunca levou jeito para fáquir, há esperança; na falta de vocação inata, ainda dá tempo de adquirí-la fazendo trilha na Serra do Mar.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Um ET de pele nova!

Talvez "sentir na pele" seja a expressão que, na língua portuguesa, melhor traduza a subjetividade da dor e do prazer. Hannah Arendt já dizia que a dor é o sentimento mais privado que existe: ninguém pode senti-lo por você. Quando muito, consegue-se, pela via do discurso, encontrar a escuta empática com alguém de alguém solidário.

Pois cientistas alemães conseguiram recriar, em laboratório, espécie de "pele sensível" para robôs, conforme relata matéria do O Globo Online (http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2011/07/04/cientistas-criam-pele-com-sensibilidade-artificial-para-robos-924824533.asp). A chamada "pele artificial" robótica é composta "por pequenas e rígidas placas hexagonais de circuitos", que possuem cada uma "quatro sensores infravermelhos que detectam tudo o que se aproxima menos de um centímetro, efetivamente estimulando os dispositivos como num leve toque". Bom, parabéns para os cientistas! Eles conseguiram recriar em laboratório uma capacidade que nós humanos, estamos perdendo com o passar do tempo: sentir e acusar presença alheia, seja ela boa ou má.

Num país em que as pessoas acham normal que os shoppings e rodoviárias cobrem pela ida ao banheiro para garantir a limpeza e a frequentabilidade dos espaços, nada mais estranho e contra-tendência do que reivindicar mais contato e mais "contaminação" com o meio circundante. Se bem que a máxima de que só quem "pode" (em termos estritamente financeiros) consegue, de fato, viver ilhado em pequenos nichos de segurança fabricada é parcialmente verdadeira. De fato, o que muitas pessoas querem, ao tornar mais restrito o acesso a si mesmas, é tentar impedir que a ameaça chegue até elas. Só que morar em condomínios hiper-seguros ou se cercar apenas de situações "conhecidas" e "familiares", furtando-se estrategicamente ao contato com o desconhecido, por exemplo, só garante mesmo é a ilusão de segurança.

A ironia disso tudo é que ao reduzir o contato com o mundo exterior, nem sempre o que se ganha é proteção. Por outro lado, perde-se muito em termos de capacidade de se identificar o inimigo. E o que é pior: por não saber identificar o perigo, perde-se a capacidade de discernimento entre amigo e inimigo, entre veneno e elixir. É exatamente por isso que a "proteção" não pode ser tida como garantida em espaços hiper-vigiados: porque o perigo principal, aquele que você corteja de perto, não é o que está sendo separado de você pela cerca elétrica, mas justamente aquele que você convida para entrar e tomar um suco.

De posse dessas reflexões, e contrariando todos os prognósticos de razoabilidade, vou fazer uma ode à pele artificial! Quem sabe assim aprendemos, com elas, as máquinas, a tomar tenência na vida e a identificar mais prontamente as ameaças que encontramos pelo mundo afora? Ou, com um pouco mais de sorte, comprar um pacote sensores infra-vermelhos capazes de identificar quem é gente fina, elegante e sincera.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

O Barrabás-cover!

Eba! É 6a feira! Mas cuidado: estou tendo um achaque de otimismo!

Enfim, uma 6a feira para pensar na vida com olhos de Poliana Moça, aquela personagem infanto-juvenil que suspirava de emoção até quando um gato engasgava... Se você anda procurando ter fé na vida, algum motivo para viver ou simplesmente uma desculpa besta para continuar seguindo em frente, a hora é essa!

Matéria publicada no O Globo Online replica a bola da vez da cidade de Americana: "ladrão rouba agência de emprego e deixa bilhete pedindo trabalho no interior de SP" (http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2011/07/01/ladrao-rouba-agencia-de-emprego-deixa-bilhete-pedindo-trabalho-no-interior-de-sp-924816192.asp). Depois de pular pela janela da cozinha da agência e pegar dois notebooks, o infrator resolve deixar a seguinte mensagem: "vou levar só os notebooks, deixo os computadores, mas por favor, arrumem um emprego pra mim, tô (sic!) cansado de roubar".

O caso, para lá de inusitado, merece consideração criteriosa. Se eu trabalhasse na agência, por exemplo, arrumava logo um emprego para ele. As razões são várias: primeiro, porque fico muito comovida com pessoas que querem mudar de vida e acho que todo mundo merece uma chance. Segundo porque, na condição de quem também busca emprego e não rouba em hipótese alguma, fico achando que a situação dele é bem mais desconfortável que a minha; afinal, eu durmo o sono dos justos todas as noites! Já ele...

Claro, a tarefa de encontrar um emprego para o meliante arrependido conhecerá alguns percalços. Ele provavelmente não deixou endereço atualizado, com medo de ser encontrado pela polícia. E terá alguma dificuldade de tirar uma declaração de bons antecedente... Fora isso, só tenho a lhe desejar sorte!

No mais, é hora de ter fé na vida, meus amigos! Corram, corram, corram pelos prados, antes que a 2a feira chegue estragando tudo...

P.S.= Só mesmo num dia tipicamente "Poliana" é que eu seria capaz de conceber a sinceridade como um pressuposto básico desse discurso...