Cada qual cuida de seus bebês como pode. Enquanto na China, pesquisadores se travestem de pandas gigantes para interagir com bebê panda, no Brasil, o avanço das cesáreas põe em risco a saúde de bebês e futuros adultos.
Não pude deixar de rir do esforço de mímese dos nossos quase antípodas chineses. Notícia publicada na Folha online mostra fotos de dois pesquisadores fantasiados "de pandas gigantes para interagir com um filhote dentro de uma área protegida, na China" (http://f5.folha.uol.com.br/bichos/1014357-pesquisadores-se-vestem-de-pandas-para-interagir-com-filhotes.shtml). O objetivo do "baile de máscaras" foi levar um bebê panda até o Centro de Pesquisa e Conservação Hetaoping. Com um detalhe curioso: "as fantasias são usadas para garantir que o ambiente dos pandas é desprovido de influência humana", ensina a notícia.
Já do lado de cá do globo terrestre, matéria publicada hoje na Folha online mostra que "na contramão da melhoria dos indicadores de saúde de recém-nascidos, o índice de bebês com baixo peso ao nascer vem aumentando no Brasil nos últimos anos" (http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1014267-cresce-numero-de-bebes-nascidos-com-baixo-peso-no-pais.shtml).
Desta vez, o problema da baixa de peso nos recém-nascidos não tem absolutamente nada a ver com nem com a pobreza, sem com a subnutrição. Ao contrário: de acordo com dados preliminares do Ministério da Saúde, o aumento vem sendo puxado justamente pelos estados mais ricos do país, como São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Em 2010, por exemplo, "o índice de bebês nascidos com menos de 2,5 kg foi de 8,4%". Ele superou, portanto, o índice de 7,9% verificado há dez anos atrás, o que já estava bastante acima do índice de 5% considerado ideal pela Organização Mundial da Saúde (OMS). E nos estados acima mencionados (SP, MG, RS) - pasmem! - o índice chega a 9,5%.
Mas não precisa ir muito longe para entender a suposta esquizofrenia que ronda as estatísticas de saúde da primeira infância no Brasil: "Nesses locais, há uma porcentagem maior de cesáreas --o que, dizem os médicos, é a principal explicação para o fenômeno". E com a expansão do número de partos com cesárea programada, a tendência é que os bebês nasçam antes do tempo certo e, consequentemente, com o peso abaixo do patamar considerado ideal.
Com o aumento "progressivo e preocupante" das cesáreas, alerta o Ministério da Saúde, o quadro da saúde nacional tende a ficar cada vez mais sombrio. A curto prazo, a inserção dos bebês nas UTIs neonatais tem alto custo para o sistema público de saúde e aumenta o risco de infecções. A médio e longo prazo, as crianças que vieram ao mundo com peso abaixo do normal têm maior propensão a desenvolver doenças como obesidade, diabetes, hipertensão, além de outras doenças crônicas que podem reduzir sensivelmente sua expectativa de vida.
A solução, como se sabe muito bem, é tão óbvia, quanto difícil de ser conciliada com a conturbada agendas dos obstetras: incentivo ao parto normal para que ele volte a ser o que o próprio nome diz - normal - e não praticamente uma exceção.
O curioso é que se as cesáreas continuarem crescendo no Brasil, o jeito vai ser adotar a estratégia dos pesquisadores chineses, só que às avessas: mães disfarçadas de enfermeiras gigantes tentarão adentrar as UTIs neonatais para interagir com os seus filhos, já que o ambiente é artificialmente desprovido de influência humana.
A autora criou esse blog para divagar sobre o que lê diariamente nos jornais, com foco principalmente (mas não exclusivamente) na cobertura diária de ciência. Suas principais armas são a ironia de inspiração machadiana e um computador bacaninha (ela tirou o escorpião do bolso e comprou um de verdade). Ao citar alguma passagem, por favor, dê créditos para a autora: até para as grandes bobagens o direito autoral é inalienável.
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
terça-feira, 29 de novembro de 2011
Esquecimentos
Você aí, que anda esquecendo para trás objetos e eventos importantes - tais como pagar contas, comprar comida e me presentear no meu aniversário - tem agora todos os motivos do mundo para ir correndo até o site da Folha online e ler esta interessante reportagem sobre memória (http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1013322-falha-de-memoria-acontece-em-qualquer-idade-faca-o-teste.shtml).
A matéria é um verdadeiro lenitivo para os esquecidos de plantão. Ela revela, logo de partida, que falhas na memória acontecem em qualquer idade e "por motivos comuns: nervosismo, estresse, insônia, cansaço, excesso de informações". Indo de encontro à crença de que a perda de memória é algo vinculado exclusivamente ao envelhecimento, opta-se por uma explicação em que fatores meramente circunstanciais ganham relevância no processo de esquecimento.
De acordo com esta última perspectiva, a falta de sono é um fator-chave: "dormir pouco resulta em perda de atenção no dia seguinte, além de atrapalhar no armazenamento de informações anteriores", explica o neurologista Luciano Ribeiro Pinto Júnior.
Além das horas mal-dormidas, o consumo de bebidas alcóolicas é outro fator importante que pode ocasionar desde perdas pontuais de memória (a tão conhecida "amnésia alcóolica"), até processos mais cumulativos que aumentam ao longo dos anos e que podem "prejudicar as funções cerebrais de forma irreversível" (a chamada "demência alcóolica").
Por fim, há ainda aquele tipo de esquecimento salutar que possibilita que coisas mais relevantes sejam seletivamente recordadas. É o neurologista Benito Damasceno, da Unicamp, quem explica: "Para recordar seletivamente o que interessa você tem que inibir, bloquear ou esquecer certas coisas. É inútil lembrar-se de tudo". Isso, claro, sem contar com casos mais extremos que implicam no esquecimento de fatos pertubadores ou traumáticos: "Faz parte do equilíbrio da mente deixar alguns fatos no âmbito do inconsciente", revela Damasceno.
E que estamos falando em memória (e na falta dela), amanhã é um dia crucial para que carreiras de políticos desonestos não caiam no total esquecimento. E pode ser que você precise esquecer muita coisa suja para seguir adiante, caso o parecer do Ministro Luiz Fux, relator de uma das ações referentes à Ficha Limpa que serão julgadas amanhã pelo Supremo Tribunal Federal, seja acatado pelos demais ministros (http://www1.folha.uol.com.br/poder/1014103-supremo-deve-voltar-a-julgar-amanha-lei-da-ficha-limpa.shtml).
De acordo com o parecer de Fux, "os políticos só podem se tornar inelegíveis se renunciarem após a abertura de processo disciplinares contra eles". Más notícias para quem tem memória: "na prática, se essa parte do voto prevalecer, a decisão livra pessoas como Joaquim Roriz e Jader Barbalho da inelegibilidade. Isso porque ambos renunciaram antes da abertura do processo".
Com tanta notícia boa sobre falhas na memória, você, meu caro leitor, já reuniu informação suficiente para justificar publicamente seus eventuais lapsos de memória da história política recente. Com a carta da Lei da Ficha Limpa fora do baralho nas próximas eleições em 2012, só nos restará escolher o motivo de tanto esquecimento: falta de sono, alcoolismo ou trauma pós-eleitoral.
A matéria é um verdadeiro lenitivo para os esquecidos de plantão. Ela revela, logo de partida, que falhas na memória acontecem em qualquer idade e "por motivos comuns: nervosismo, estresse, insônia, cansaço, excesso de informações". Indo de encontro à crença de que a perda de memória é algo vinculado exclusivamente ao envelhecimento, opta-se por uma explicação em que fatores meramente circunstanciais ganham relevância no processo de esquecimento.
De acordo com esta última perspectiva, a falta de sono é um fator-chave: "dormir pouco resulta em perda de atenção no dia seguinte, além de atrapalhar no armazenamento de informações anteriores", explica o neurologista Luciano Ribeiro Pinto Júnior.
Além das horas mal-dormidas, o consumo de bebidas alcóolicas é outro fator importante que pode ocasionar desde perdas pontuais de memória (a tão conhecida "amnésia alcóolica"), até processos mais cumulativos que aumentam ao longo dos anos e que podem "prejudicar as funções cerebrais de forma irreversível" (a chamada "demência alcóolica").
Por fim, há ainda aquele tipo de esquecimento salutar que possibilita que coisas mais relevantes sejam seletivamente recordadas. É o neurologista Benito Damasceno, da Unicamp, quem explica: "Para recordar seletivamente o que interessa você tem que inibir, bloquear ou esquecer certas coisas. É inútil lembrar-se de tudo". Isso, claro, sem contar com casos mais extremos que implicam no esquecimento de fatos pertubadores ou traumáticos: "Faz parte do equilíbrio da mente deixar alguns fatos no âmbito do inconsciente", revela Damasceno.
E que estamos falando em memória (e na falta dela), amanhã é um dia crucial para que carreiras de políticos desonestos não caiam no total esquecimento. E pode ser que você precise esquecer muita coisa suja para seguir adiante, caso o parecer do Ministro Luiz Fux, relator de uma das ações referentes à Ficha Limpa que serão julgadas amanhã pelo Supremo Tribunal Federal, seja acatado pelos demais ministros (http://www1.folha.uol.com.br/poder/1014103-supremo-deve-voltar-a-julgar-amanha-lei-da-ficha-limpa.shtml).
De acordo com o parecer de Fux, "os políticos só podem se tornar inelegíveis se renunciarem após a abertura de processo disciplinares contra eles". Más notícias para quem tem memória: "na prática, se essa parte do voto prevalecer, a decisão livra pessoas como Joaquim Roriz e Jader Barbalho da inelegibilidade. Isso porque ambos renunciaram antes da abertura do processo".
Com tanta notícia boa sobre falhas na memória, você, meu caro leitor, já reuniu informação suficiente para justificar publicamente seus eventuais lapsos de memória da história política recente. Com a carta da Lei da Ficha Limpa fora do baralho nas próximas eleições em 2012, só nos restará escolher o motivo de tanto esquecimento: falta de sono, alcoolismo ou trauma pós-eleitoral.
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
Obviedades: uma grandeza escalar
Por mais que digam, que façam e que aconteçam, o "óbvio" para mim continua sendo um mistério. Já havia falado de obviedades ululantes aqui em outra ocasião (http://cronicasdejuvenal.blogspot.com/2011/07/meias-verdades-e-o-obvio-ululante.html) e seu eterno confronto com as meias-verdades. No entanto, não vou esconder que as primeiras continuam me interpelando mais do que estas últimas. É estranho ver, por exemplo, as coisas que considero como sendo de uma obviedade crassa precisarem ser repetidas reiteradamente, ao passo que outras, vistas como consensuais, acabam produzindo erros grosseiros (e muitas vezes irreparáveis) de julgamento.
Com base nessas variações - e tentando tornar as coisas um pouco menos complicadas no mundo em que vivemos - decidi propor uma grade para a avaliação das obviedades de acordo com uma escala crecente que vai de 1 a 3. As obviedades mais óbvias e incontroversas - isto é, aquelas que você só ignora porque quer - serão marcadas com grau 1. As medianas e que comportam alguma variação em termos de coesão de crenças e de adesão serão marcadas com grau 2. As obviedades absurdas ou nada óbvias, ou seja, aquelas que fundadas em um pré-conceito sobre uma dada situação e que podem induzi-lo a um grave erro de julgamento, serão qualificadas com o grau 3.
Um ótimo exemplo de obviedade de tipo 1 é a predominância dos nomes Maria e José no Brasil (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1013281-maria-e-jose-sao-os-nomes-mais-comuns-no-brasil-veja-lista.shtml). De acordo com um levantamento realizado pela empresa de análise de crédito ProScore, com base na análise de cerca de 165 milhões de CPFs, "o nome Maria é usado por mais de 13 milhões pessoas, enquanto José, o segundo colocado, tem mais de 8 milhões de registros".
Ou seja, nem os enlatados americanos, nem os ídolos do pop mundial conseguiram emplacar nomes internacionais que fossem capazes de reverter esta obviedade de tipo 1: Maria e José continuam sendo o casal da moda quase dois mil anos após o seu falecimento. Com isso, os humoristas nacionais pouco têm o que temer: Dona Maria e Seu Zé continuarão sendo os brasileiros clássicos, uma espécie de tipo ideal weberiano que ajuda bastante na hora de contar uma piada.
Já a matéria intitulada "As dicas de como agir e o que evitar nas festas de fim de ano", publicada no O Globo online de hoje, traz uma lista de obviedades de tipo 2 (http://oglobo.globo.com/emprego/as-dicas-sobre-como-agir-o-que-evitar-nas-festas-de-fim-de-ano-3293605#ixzz1f2F2oLmI). Na verdade, a matéria apresenta uma lista de conselhos para situações de festa que eu mesma ficaria constrangida de repetir em voz alta, tão grande a evidência do seu conteúdo. São algumas das dicas propostas: usar roupas discretas; não beber demais (mesmo estando acostumado); respeitar os horários indicados no convite e não levar penetras; não falar só de trabalho e não exagerar na dose de piadas (mesmo aquelas com os tipos ideais Dona Maria e Seu Zé).
Mas... muito mais contrangedor do que repetir o que se deveria fazer, via regra, o ano inteiro é ter que admitir que, por mais óbvia que a lista seja, sempre haverá alguém para extrapolar. Ou seja, por mais óbvias que as "dicas" do presente caso pareçam, elas ainda comportam algum grau de incerteza. E aqui o óbvio acaba se perdendo entre a transgressão mais ou menos intencional e a contingência de um erro imprevisto.
Fico aqui pensando - sinceramente - no valor de uma lista deste feitio para transgressores eventuais ou reincidentes. Ela certamente não acrescentaria nenhuma informação realmente nova ao seu arcabouço comportamental, nem sequer os impediria de cometer algumas das gafes que se busca evitar. É que os transgressores de obviedades tipo 2 têm o espírito aventureiro e só acreditam nelas quando a bobagem está feita. Fazer o quê? Bater a cabeça na parede? Ajoelhar sobre grãos de milho? Nada disso. O melhor caminho é evitar ser atropelado por uma obviedade de tipo 3, da qual falaremos a seguir.
As obviedades de tipo 3 são perigosas: elas partem da descrição de uma dada situação para produzir uma generalização falaciosa. Exemplo trágico é esta notícia publicada na Folha online, segundo a qual um motorista de ônibus acabou sendo linchado após bater em três carros e quatro motos na Zona Leste de São Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1013050-motorista-bate-onibus-e-linchado-e-morre-na-zona-leste-de-sp.shtml).
Os algozes do motorista infrator partiram de um esboço de situação que lhes pareceu dos mais óbvios: o acidente só poderia ter sido resultado de imperícia, imprudência ou má fé do motorista. Com base nesta conclusão, "várias pessoas que estavam em um baile funk invadiram o coletivo e agrediram o motorista", que acabou falecendo ao dar entrada no Pronto-socorro Sapopemba.
No entanto, "uma testemunha disse à Policia Civil que o motorista sofreu um mal súbito e bateu nos veículos que estavam estacionados nas ruas Torres Florêncio e Rielli". Tarde demais. É que as obviedades de tipo 3 são cruéis, pois funcionam ao avesso e acabam produzindo o mesmo efeito que se condenava em princípio: violência, incompreensão, intolerância. Cínicas, as obviedades desta classe são como julgamentos sumários com pena de morte. Pode-se morrer de morte matada ou morte morrida: pouco importa quando já se está morto.
Com base nessas variações - e tentando tornar as coisas um pouco menos complicadas no mundo em que vivemos - decidi propor uma grade para a avaliação das obviedades de acordo com uma escala crecente que vai de 1 a 3. As obviedades mais óbvias e incontroversas - isto é, aquelas que você só ignora porque quer - serão marcadas com grau 1. As medianas e que comportam alguma variação em termos de coesão de crenças e de adesão serão marcadas com grau 2. As obviedades absurdas ou nada óbvias, ou seja, aquelas que fundadas em um pré-conceito sobre uma dada situação e que podem induzi-lo a um grave erro de julgamento, serão qualificadas com o grau 3.
Um ótimo exemplo de obviedade de tipo 1 é a predominância dos nomes Maria e José no Brasil (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1013281-maria-e-jose-sao-os-nomes-mais-comuns-no-brasil-veja-lista.shtml). De acordo com um levantamento realizado pela empresa de análise de crédito ProScore, com base na análise de cerca de 165 milhões de CPFs, "o nome Maria é usado por mais de 13 milhões pessoas, enquanto José, o segundo colocado, tem mais de 8 milhões de registros".
Ou seja, nem os enlatados americanos, nem os ídolos do pop mundial conseguiram emplacar nomes internacionais que fossem capazes de reverter esta obviedade de tipo 1: Maria e José continuam sendo o casal da moda quase dois mil anos após o seu falecimento. Com isso, os humoristas nacionais pouco têm o que temer: Dona Maria e Seu Zé continuarão sendo os brasileiros clássicos, uma espécie de tipo ideal weberiano que ajuda bastante na hora de contar uma piada.
Já a matéria intitulada "As dicas de como agir e o que evitar nas festas de fim de ano", publicada no O Globo online de hoje, traz uma lista de obviedades de tipo 2 (http://oglobo.globo.com/emprego/as-dicas-sobre-como-agir-o-que-evitar-nas-festas-de-fim-de-ano-3293605#ixzz1f2F2oLmI). Na verdade, a matéria apresenta uma lista de conselhos para situações de festa que eu mesma ficaria constrangida de repetir em voz alta, tão grande a evidência do seu conteúdo. São algumas das dicas propostas: usar roupas discretas; não beber demais (mesmo estando acostumado); respeitar os horários indicados no convite e não levar penetras; não falar só de trabalho e não exagerar na dose de piadas (mesmo aquelas com os tipos ideais Dona Maria e Seu Zé).
Mas... muito mais contrangedor do que repetir o que se deveria fazer, via regra, o ano inteiro é ter que admitir que, por mais óbvia que a lista seja, sempre haverá alguém para extrapolar. Ou seja, por mais óbvias que as "dicas" do presente caso pareçam, elas ainda comportam algum grau de incerteza. E aqui o óbvio acaba se perdendo entre a transgressão mais ou menos intencional e a contingência de um erro imprevisto.
Fico aqui pensando - sinceramente - no valor de uma lista deste feitio para transgressores eventuais ou reincidentes. Ela certamente não acrescentaria nenhuma informação realmente nova ao seu arcabouço comportamental, nem sequer os impediria de cometer algumas das gafes que se busca evitar. É que os transgressores de obviedades tipo 2 têm o espírito aventureiro e só acreditam nelas quando a bobagem está feita. Fazer o quê? Bater a cabeça na parede? Ajoelhar sobre grãos de milho? Nada disso. O melhor caminho é evitar ser atropelado por uma obviedade de tipo 3, da qual falaremos a seguir.
As obviedades de tipo 3 são perigosas: elas partem da descrição de uma dada situação para produzir uma generalização falaciosa. Exemplo trágico é esta notícia publicada na Folha online, segundo a qual um motorista de ônibus acabou sendo linchado após bater em três carros e quatro motos na Zona Leste de São Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1013050-motorista-bate-onibus-e-linchado-e-morre-na-zona-leste-de-sp.shtml).
Os algozes do motorista infrator partiram de um esboço de situação que lhes pareceu dos mais óbvios: o acidente só poderia ter sido resultado de imperícia, imprudência ou má fé do motorista. Com base nesta conclusão, "várias pessoas que estavam em um baile funk invadiram o coletivo e agrediram o motorista", que acabou falecendo ao dar entrada no Pronto-socorro Sapopemba.
No entanto, "uma testemunha disse à Policia Civil que o motorista sofreu um mal súbito e bateu nos veículos que estavam estacionados nas ruas Torres Florêncio e Rielli". Tarde demais. É que as obviedades de tipo 3 são cruéis, pois funcionam ao avesso e acabam produzindo o mesmo efeito que se condenava em princípio: violência, incompreensão, intolerância. Cínicas, as obviedades desta classe são como julgamentos sumários com pena de morte. Pode-se morrer de morte matada ou morte morrida: pouco importa quando já se está morto.
sexta-feira, 25 de novembro de 2011
Varal do juízo
Céus! Que semaninha essa que está acabando, viu?
A sensação que ficou foi a de ter passado pelo ciclo final da máquina de lavar roupa - o tal do spinning, isto é: aquele que gira em alta velocidade para escorrer o excesso de água - e saído toda amassada.
Ainda bem que me apareceu uma santa alma amiga que me esticou no varal do juízo - e com dois pregradores, um em cada ombro, que é para eu ficar firme lá na corda, secando e desamarrotando os pensamentos.
Pois amigos verdadeiros são assim: te tiram da rotação acelerada da máquina da vida e te põem para pensar. Para esta santa alma e para os demais que me lêem, fica aqui minha homenagem sonora, algum lirismo e a promessa de um fim de semana entre bons amigos.
A canção é abaixo é a minha preferida do senegalês Ismaël Lo: "Nabou" (e não "Tajabone" como diz o clip).
A sensação que ficou foi a de ter passado pelo ciclo final da máquina de lavar roupa - o tal do spinning, isto é: aquele que gira em alta velocidade para escorrer o excesso de água - e saído toda amassada.
Ainda bem que me apareceu uma santa alma amiga que me esticou no varal do juízo - e com dois pregradores, um em cada ombro, que é para eu ficar firme lá na corda, secando e desamarrotando os pensamentos.
Pois amigos verdadeiros são assim: te tiram da rotação acelerada da máquina da vida e te põem para pensar. Para esta santa alma e para os demais que me lêem, fica aqui minha homenagem sonora, algum lirismo e a promessa de um fim de semana entre bons amigos.
A canção é abaixo é a minha preferida do senegalês Ismaël Lo: "Nabou" (e não "Tajabone" como diz o clip).
quinta-feira, 24 de novembro de 2011
No túnel do tempo da publicidade 16
Como diriam os Engenheiros do Hawai: "O Papa é pop. E o pop não poupa ninguém". Nem o próprio Papa, diga-se de passagem.
E para quem achava que ela tinha aposentado as luvas de boxe, ledo engano! Lá vem a Benetton de novo com mais uma campanha publicitária de arrepiar os cabelos das velhinhas católicas e dos barbudos sunitas seguidores do imã Ahmed Mohamed el Tayeb.
Quem conhece a Benetton há pelo menos 20 anos sabe que a preferência por controvérsias de grande envergadura é estratégia antiga: primeiro vem a veículação; depois a retirada de circulação com pedidos de desculpas; e no intervalo entre as duas, uma cascata volumosa de comentários na mídia impressa, eletrônica e digital em todos os continentes do planeta. Assim foi com esta última campanha: a Benetton veicula a campanha na manhã do dia 16; o Vaticano se pronuncia à tarde; a Benetton pede desculpas logo em seguida; o Vaticano promete ação judicial no dia seguinte, e por aí vai.
Bem, muito pouca gente sabe, mas as polêmicas da Benetton tiveram um papel bastante importante na regulamentação da publicidade. Uma alteração significativa no quadro jurídico antidiscriminatório no país aconteceu no intervalo entre duas grandes polêmicas suscitadas por peças publicitárias da Benetton. Ambas foram, por sinal, alvo de processos éticos instaurados pelo Conselho Nacional de Auto-regulamentação publicitária (CONAR).
A publicidade "Ama de Leite" (denominação amplamente utilizada na cobertura midiática da época) foi alvo do processo no. 076-90 no CONAR.
Ao que parece, a Benetton teve um papel preponderante na alteração trazida com a Lei 8081, que passou a coibir todo ato de "praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, cor, religião" no Brasil. Coincidentemente ou não, a lei foi aprovada pouco tempo da decisão final do processo no. 076-90, arquivado por unanimidade em 09 de agosto de 1990.
Antes desta lei, um dos argumentos de defesa avançados pela agência de publicidade responsável pela veiculação das campanhas da Benetton no Brasil, a J.W. Thompson, era o de que a publicidade tinha sido criada fora do país e que ela era responsável tão somente pela sua veiculação no país, não lhe cabendo, portanto, nenhuma sanção penal. A partir da promulgação da Lei 8081 em 21 de setembro de 1990, anunciante, agência e meios de comunicação passam a ser igualmente responsabilizados pela criação e veiculação de qualquer campanha julgada discriminatória no território nacional.
Sem dúvida, campanhas publicitárias transnacionais como as da Benetton colocam problemas práticos de regulamentação para a publicidade. A empresa, que tem sua sede na Itália, contratara uma agência francesa, a Eldorado, para a criação de suas campanhas, e tinha como fotográfo a emblemática figura do também italiano Oliviero Toscani. A sustação das publicidades e punição de anunciantes como Benetton (e suas respectivas agências de publicidade) dependia - e continua dependendo - das restrições impostas pelo quadro jurídico de cada país. Vale registrar que as campanhas dos anos 1990 eram veículadas em mais de 50 países. Mas não se deve esquercer, contudo, que a contratação de advogados para a representação da denunciada diante dos tribunais pelo mundo afora deve ter lá o seu ônus financeiro.
A estratégia de tocar em tabus da Igreja Católica em suas publicidades também vem de longa data. A publicidade ao lado foi também alvo de um processo ético no CONAR (processo no. 177/91), cuja denúncia contou com a assinatura de mais de mil peticionários escandalizados, uma raridade nos processo daquele órgão nos início dos anos 1990, isto é, antes do advento da Internet (e da possibilidade de encaminhar uma denúncia via formulário online). Mas nem isto foi suficiente: as denúncias de publicidades da Benetton que vinham sendo encaminhadas ao CONAR continuavam, via de regra, sendo arquivadas por unanimidade pelos membros do Conselho de Ética.
Esta situação de impunidade só se alteraria no ano seguinte com a instauração de outro processo ético - o de no. 229-91. Além da especificação trazida pela Lei 8081, duas outras novidades contribuíram para alterar radicalmente a jurisprudência até então adotada pelo CONAR: a aprovação do Código Brasileiro dos Direitos dos Consumidores (CBDC) e alterações importantes no papel do Ministério Público na proteção de direitos difusos.
Mas não vou me alongar aqui nessa pendenga. Quem tiver interesse em saber mais sobre as reviravoltas ocorridas no julgamento dos processos éticos movidos contra a Benetton por discriminação racial no Brasil, deixo aqui um link que leva a um artigo meu publicado na Revista Líbero exatamente sobre este tema: http://www.casperlibero.edu.br/rep_arquivos/2010/12/10/1292000568.pdf.
Enfim, qualquer que tenha sido o impacto da campanha da Benetton nos demais países, uma coisa é certa até o momento: a publicidade do idílico beijo do Papa Bento XVI era a única, até a presente data, a ser retirada de veiculação. Resta saber o que as demais celebridades envolvidas - Angela Merkel, Nicholas Sarcozy, Barack Obama, etc, etc.- terão a dizer sobre essas lições imagéticas de "não-ódio".
E para quem achava que ela tinha aposentado as luvas de boxe, ledo engano! Lá vem a Benetton de novo com mais uma campanha publicitária de arrepiar os cabelos das velhinhas católicas e dos barbudos sunitas seguidores do imã Ahmed Mohamed el Tayeb.
Quem conhece a Benetton há pelo menos 20 anos sabe que a preferência por controvérsias de grande envergadura é estratégia antiga: primeiro vem a veículação; depois a retirada de circulação com pedidos de desculpas; e no intervalo entre as duas, uma cascata volumosa de comentários na mídia impressa, eletrônica e digital em todos os continentes do planeta. Assim foi com esta última campanha: a Benetton veicula a campanha na manhã do dia 16; o Vaticano se pronuncia à tarde; a Benetton pede desculpas logo em seguida; o Vaticano promete ação judicial no dia seguinte, e por aí vai.
Bem, muito pouca gente sabe, mas as polêmicas da Benetton tiveram um papel bastante importante na regulamentação da publicidade. Uma alteração significativa no quadro jurídico antidiscriminatório no país aconteceu no intervalo entre duas grandes polêmicas suscitadas por peças publicitárias da Benetton. Ambas foram, por sinal, alvo de processos éticos instaurados pelo Conselho Nacional de Auto-regulamentação publicitária (CONAR).
A publicidade "Ama de Leite" (denominação amplamente utilizada na cobertura midiática da época) foi alvo do processo no. 076-90 no CONAR.
Ao que parece, a Benetton teve um papel preponderante na alteração trazida com a Lei 8081, que passou a coibir todo ato de "praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, cor, religião" no Brasil. Coincidentemente ou não, a lei foi aprovada pouco tempo da decisão final do processo no. 076-90, arquivado por unanimidade em 09 de agosto de 1990.
Antes desta lei, um dos argumentos de defesa avançados pela agência de publicidade responsável pela veiculação das campanhas da Benetton no Brasil, a J.W. Thompson, era o de que a publicidade tinha sido criada fora do país e que ela era responsável tão somente pela sua veiculação no país, não lhe cabendo, portanto, nenhuma sanção penal. A partir da promulgação da Lei 8081 em 21 de setembro de 1990, anunciante, agência e meios de comunicação passam a ser igualmente responsabilizados pela criação e veiculação de qualquer campanha julgada discriminatória no território nacional.
Sem dúvida, campanhas publicitárias transnacionais como as da Benetton colocam problemas práticos de regulamentação para a publicidade. A empresa, que tem sua sede na Itália, contratara uma agência francesa, a Eldorado, para a criação de suas campanhas, e tinha como fotográfo a emblemática figura do também italiano Oliviero Toscani. A sustação das publicidades e punição de anunciantes como Benetton (e suas respectivas agências de publicidade) dependia - e continua dependendo - das restrições impostas pelo quadro jurídico de cada país. Vale registrar que as campanhas dos anos 1990 eram veículadas em mais de 50 países. Mas não se deve esquercer, contudo, que a contratação de advogados para a representação da denunciada diante dos tribunais pelo mundo afora deve ter lá o seu ônus financeiro.
A estratégia de tocar em tabus da Igreja Católica em suas publicidades também vem de longa data. A publicidade ao lado foi também alvo de um processo ético no CONAR (processo no. 177/91), cuja denúncia contou com a assinatura de mais de mil peticionários escandalizados, uma raridade nos processo daquele órgão nos início dos anos 1990, isto é, antes do advento da Internet (e da possibilidade de encaminhar uma denúncia via formulário online). Mas nem isto foi suficiente: as denúncias de publicidades da Benetton que vinham sendo encaminhadas ao CONAR continuavam, via de regra, sendo arquivadas por unanimidade pelos membros do Conselho de Ética.
Esta situação de impunidade só se alteraria no ano seguinte com a instauração de outro processo ético - o de no. 229-91. Além da especificação trazida pela Lei 8081, duas outras novidades contribuíram para alterar radicalmente a jurisprudência até então adotada pelo CONAR: a aprovação do Código Brasileiro dos Direitos dos Consumidores (CBDC) e alterações importantes no papel do Ministério Público na proteção de direitos difusos.
Mas não vou me alongar aqui nessa pendenga. Quem tiver interesse em saber mais sobre as reviravoltas ocorridas no julgamento dos processos éticos movidos contra a Benetton por discriminação racial no Brasil, deixo aqui um link que leva a um artigo meu publicado na Revista Líbero exatamente sobre este tema: http://www.casperlibero.edu.br/rep_arquivos/2010/12/10/1292000568.pdf.
Enfim, qualquer que tenha sido o impacto da campanha da Benetton nos demais países, uma coisa é certa até o momento: a publicidade do idílico beijo do Papa Bento XVI era a única, até a presente data, a ser retirada de veiculação. Resta saber o que as demais celebridades envolvidas - Angela Merkel, Nicholas Sarcozy, Barack Obama, etc, etc.- terão a dizer sobre essas lições imagéticas de "não-ódio".
quarta-feira, 23 de novembro de 2011
Sono, balbúcia e sentido
Além de sobrecarregar o fígado, dormir pouco e muito tarde tem outros efeitos colaterais perversos e de efeito imediato. Um deles é acordar procurando sentido nas coisas. O outro é procurar, procurar, procurar e não encontrar. Ou pior: recusar ver sentido em tudo o que parece claro e translúcido.
Esta notícia aqui publicada hoje na Folha online, por exemplo, toca em cheio na questão do sentido (e de onde ele emerge): mercado de brinquedos nos Estados Unidos acaba de ser apresentado a uma boneca que fala palavrões (http://www1.folha.uol.com.br/mundo/1010850-boneca-que-fala-palavrao-causa-indignacao-entre-pais-nos-eua.shtml).
A venda nas lojas "Toys 'R' Us", o brinquedo está sendo acusado de balbuciar as palavras "crazy bitch" (algo semanticamente próximo a "puta louca"). Questionada pela opinião pública por lá, a famosa rede de lojas de brinquedo se defende com um argumento no mínimo suspeito: "Um porta-voz da cadeia, contactado pela AFP, afirmou que a boneca não diz palavrões, apenas balbucia". Pelo visto, falar palavrão não pode, mas balbuciar, pode.
Enfim... Ainda que a marca ou o fabricante do produto não tenham sido revelados em nenhuma passagem da notícia (muito menos o que significa a sigla AFP), sabe-se pelo menos que ele faz parte de uma linha intitulada "You & Me Interactive Triplets". O que não ajuda muito na falta de sentido do brinquedo: se a linha cumprir a promessa que traz no seu nome (o que poderia ser traduzido como "tríade interativa 'Eu & Você' "), não quero nem ver que tipo de diálogo edificante e interativo o restante da trinca espera ensinar aos pobres lactentes daquele país.
E já que eu comecei a conversa hoje falando de sono (ou da falta dele), eis aqui outra matéria, publicada no mesmo jornal, que trilha a mesma senda de coisas que ora parecem sem sentido, mas depois deixam de ser: a mergulhadora italiana Cristina Zanato desenvolveu técnica única para imobilizar tubarões, colocando-os para dormir (http://f5.folha.uol.com.br/bichos/1010821-mergulhadora-desenvolve-tecnica-para-adormecer-tubaroes.shtml).
A técnica consiste em "ao esfregar com a mão suavemente sobre pequenas aberturas ao redor de sua boca e nariz, conhecidas como ampolas de Lorenzini". Se nos fiarmos nas fotos que o fotógrafo brasileiro Marcio Lisa tirou de uma sessão de adormecimento de tubarões promovida pela mergulhadora nas Bahamas, a técnica parece ser até bem eficaz: "ela induz os animais a um estado de paralisia, no qual eles ficam por até 15 minutos".
Como toda descoberta involuntária, a arte de transformar tubarões em Belas Adormecidas nasceu do susto e da total ausência de sentido: "Aprendi (a técnica) por acidente. O tubarão vinha alto em direção ao meu rosto. Eu o toquei para empurrá-lo para baixo, mas o tubarão parou de nadar. Foi um comportamento que nos maravilhou e não podíamos explicar".
Com o tempo, a mergulhadora descobriu que o sentido morava nas tais ampolas de Lorenzini, "órgãos sensoriais eletrorreceptores que ajudam os animais a detectar vibrações ao seu redor". O problema é que a hilação entre a massagem sobre o órgão e o efeito adormecedor pode ser tênue se você não conhecer suficientemente a anatomia do animal e - literalmente - errar a mão. Eu, cá do meu lado, jamais tentaria: antes sem sentido, do que sem a mão!
Bem, já que nada faz sentido para mim hoje, o melhor mesmo é eu ir andando. Está na hora de procurar o sentido da minha existência em outro lugar. E vamos ver se hoje eu durmo mais cedo, isto é, se os deuses se reunirem em conselho e aprovarem o meu pedido encaminhado em três vias autenticadas em cartório.
Esta notícia aqui publicada hoje na Folha online, por exemplo, toca em cheio na questão do sentido (e de onde ele emerge): mercado de brinquedos nos Estados Unidos acaba de ser apresentado a uma boneca que fala palavrões (http://www1.folha.uol.com.br/mundo/1010850-boneca-que-fala-palavrao-causa-indignacao-entre-pais-nos-eua.shtml).
A venda nas lojas "Toys 'R' Us", o brinquedo está sendo acusado de balbuciar as palavras "crazy bitch" (algo semanticamente próximo a "puta louca"). Questionada pela opinião pública por lá, a famosa rede de lojas de brinquedo se defende com um argumento no mínimo suspeito: "Um porta-voz da cadeia, contactado pela AFP, afirmou que a boneca não diz palavrões, apenas balbucia". Pelo visto, falar palavrão não pode, mas balbuciar, pode.
Enfim... Ainda que a marca ou o fabricante do produto não tenham sido revelados em nenhuma passagem da notícia (muito menos o que significa a sigla AFP), sabe-se pelo menos que ele faz parte de uma linha intitulada "You & Me Interactive Triplets". O que não ajuda muito na falta de sentido do brinquedo: se a linha cumprir a promessa que traz no seu nome (o que poderia ser traduzido como "tríade interativa 'Eu & Você' "), não quero nem ver que tipo de diálogo edificante e interativo o restante da trinca espera ensinar aos pobres lactentes daquele país.
E já que eu comecei a conversa hoje falando de sono (ou da falta dele), eis aqui outra matéria, publicada no mesmo jornal, que trilha a mesma senda de coisas que ora parecem sem sentido, mas depois deixam de ser: a mergulhadora italiana Cristina Zanato desenvolveu técnica única para imobilizar tubarões, colocando-os para dormir (http://f5.folha.uol.com.br/bichos/1010821-mergulhadora-desenvolve-tecnica-para-adormecer-tubaroes.shtml).
A técnica consiste em "ao esfregar com a mão suavemente sobre pequenas aberturas ao redor de sua boca e nariz, conhecidas como ampolas de Lorenzini". Se nos fiarmos nas fotos que o fotógrafo brasileiro Marcio Lisa tirou de uma sessão de adormecimento de tubarões promovida pela mergulhadora nas Bahamas, a técnica parece ser até bem eficaz: "ela induz os animais a um estado de paralisia, no qual eles ficam por até 15 minutos".
Como toda descoberta involuntária, a arte de transformar tubarões em Belas Adormecidas nasceu do susto e da total ausência de sentido: "Aprendi (a técnica) por acidente. O tubarão vinha alto em direção ao meu rosto. Eu o toquei para empurrá-lo para baixo, mas o tubarão parou de nadar. Foi um comportamento que nos maravilhou e não podíamos explicar".
Com o tempo, a mergulhadora descobriu que o sentido morava nas tais ampolas de Lorenzini, "órgãos sensoriais eletrorreceptores que ajudam os animais a detectar vibrações ao seu redor". O problema é que a hilação entre a massagem sobre o órgão e o efeito adormecedor pode ser tênue se você não conhecer suficientemente a anatomia do animal e - literalmente - errar a mão. Eu, cá do meu lado, jamais tentaria: antes sem sentido, do que sem a mão!
Bem, já que nada faz sentido para mim hoje, o melhor mesmo é eu ir andando. Está na hora de procurar o sentido da minha existência em outro lugar. E vamos ver se hoje eu durmo mais cedo, isto é, se os deuses se reunirem em conselho e aprovarem o meu pedido encaminhado em três vias autenticadas em cartório.
terça-feira, 22 de novembro de 2011
Totalmente anti-circadiana
"Faça o que eu digo, não faça o que eu faço". Então, já que assumi logo de cara, vamos direto ao assunto: para quem vive lutando para acordar cedo e sair da cama, eis aqui uma matéria publicada no O Globo online que pode mudar tudo (http://oglobo.globo.com/saude/sono-possivel-mudar-os-padroes-3288169).
Ou não mudar nada em absoluto. A razão para tanta incerteza é simples: a matéria em questão fornece um belo receituário de como acordar mais cedo. Mas, como todo receituário, a coisa pode tanto funcionar muito bem, quanto dar totalmente com os burros n'água. E pelas razões mais variadas, que não necessariamente têm a ver com a pertinência das regras.
Claro está também que receituários não funcionam por acaso. Eles são desenvolvidos com base na observação empírica de padrões que se repetem. Afinal de contas, já que os "especialistas garantem que, com disciplina, é possível reprogramar seu relógio circadiano", por que não tentar?
Para início de conversa, você precisa saber que seu relógio interno é "circadiano" porque ele tenta manter "seu padrão de sono em sintonia com o planeta". Para sintonizá-lo, seria preciso acordar e dormir mais cedo do que a maior parte das pessoas costuma fazer (inclusive esta que vos escreve). Uma vez exposta a necessidade de ajuste, eis que a matéria nos presenteia com a primeira parte do receituário, que intitularei aqui de "dica da subtração dos 20 minutos" (o título é invenção minha, não tem nada disso escrito lá na matéria).
A coisa funciona da seguinte maneira: "se você acorda às 8h, mas gostaria de se levantar às 6h, ponha o despertador para tocar às 7h40m no primeiro dia de seu esforço para passar a se levantar mais cedo. E, quando ele tocar, não fique na cama. No dia seguinte, programe o relógio para as 7h20m, e assim por diante. Em tese, você passará a ir para cama mais cedo também".
"Em tese", que se frize bem! O problema surge quando justamente quando "os genes, os hábitos pessoais, a idade ou o tipo de trabalho que se tem interferem neste sistema". E logo em seguida a gente descobre que receita tem contra-indicação: "Evitar televisão, computador e exposição à claridade em demasia perto da hora de dormir pode facilitar o processo, porque está comprovado que eles têm praticamente o mesmo efeito que o sol sobre o organismo humano". Ou seja, eu deveria evitar exatamente o que estou fazendo agora: escrever em um blog a altas horas da noite sobre como acordar mais cedo!
Para piorar o cenário e aumentar meu desespero, uma amiga me envia justamente no dia de hoje um email descrevendo "razões para dormir e depertar cedo". Com base nos preceitos da medicina chinesa, o texto do email descreve os horários em que cada órgão está sendo reabilitado das 21h às 9h e o benefícios do sono profundo para alguns órgãos específicos. Neste exato momento, por exemplo (00h34min), eu estaria em vias de envenenar o meu fígado, já que das 23h à 1h o corpo realizaria o processo de desintoxicação deste órgão "e idealmente deve ser processado em um estado de sono profundo".
Com tanta dessincronia e um fígado pra lá de prejudicado, nem ouso mais me estender. Vou dormir e tentar sonhar com um puleiro de galinhas em sono em profundo e fígado saudável. E que isto me sirva de inspiração.
Ou não mudar nada em absoluto. A razão para tanta incerteza é simples: a matéria em questão fornece um belo receituário de como acordar mais cedo. Mas, como todo receituário, a coisa pode tanto funcionar muito bem, quanto dar totalmente com os burros n'água. E pelas razões mais variadas, que não necessariamente têm a ver com a pertinência das regras.
Claro está também que receituários não funcionam por acaso. Eles são desenvolvidos com base na observação empírica de padrões que se repetem. Afinal de contas, já que os "especialistas garantem que, com disciplina, é possível reprogramar seu relógio circadiano", por que não tentar?
A coisa funciona da seguinte maneira: "se você acorda às 8h, mas gostaria de se levantar às 6h, ponha o despertador para tocar às 7h40m no primeiro dia de seu esforço para passar a se levantar mais cedo. E, quando ele tocar, não fique na cama. No dia seguinte, programe o relógio para as 7h20m, e assim por diante. Em tese, você passará a ir para cama mais cedo também".
"Em tese", que se frize bem! O problema surge quando justamente quando "os genes, os hábitos pessoais, a idade ou o tipo de trabalho que se tem interferem neste sistema". E logo em seguida a gente descobre que receita tem contra-indicação: "Evitar televisão, computador e exposição à claridade em demasia perto da hora de dormir pode facilitar o processo, porque está comprovado que eles têm praticamente o mesmo efeito que o sol sobre o organismo humano". Ou seja, eu deveria evitar exatamente o que estou fazendo agora: escrever em um blog a altas horas da noite sobre como acordar mais cedo!
Para piorar o cenário e aumentar meu desespero, uma amiga me envia justamente no dia de hoje um email descrevendo "razões para dormir e depertar cedo". Com base nos preceitos da medicina chinesa, o texto do email descreve os horários em que cada órgão está sendo reabilitado das 21h às 9h e o benefícios do sono profundo para alguns órgãos específicos. Neste exato momento, por exemplo (00h34min), eu estaria em vias de envenenar o meu fígado, já que das 23h à 1h o corpo realizaria o processo de desintoxicação deste órgão "e idealmente deve ser processado em um estado de sono profundo".
Com tanta dessincronia e um fígado pra lá de prejudicado, nem ouso mais me estender. Vou dormir e tentar sonhar com um puleiro de galinhas em sono em profundo e fígado saudável. E que isto me sirva de inspiração.
segunda-feira, 21 de novembro de 2011
Ciranda no fundo do mar
Esta é para quem acordou nesta 2a feira com cara de cachorrinho que caiu do caminhão de mudanças. Não digo que você vai terminar o dia necessariamente com mais fé na humanidade, mas pelo menos pode ter sua admiração despertada por uma determinada ciranda de eventos felizes que narrarei a seguir.
Segundo consta nesta notícia publicada pela Folha online (replicando boa-nova distribuída pelo mundo afora pela BBC News), a Honestidade, o Acaso e a Bem-aventurança andaram dando as mãos e dançando em torno do surfista australiano Adrian Jenkins (http://f5.folha.uol.com.br/humanos/1009511-surfista-reencontra-camera-e-descobre-imagens-do-fundo-do-mar.shtml). Jenkins surfava na praia de Kirra Point, em Queensland (Austrália), quando perdeu uma câmera de filmar que estava acoplada na sua prancha. Já estava choroso, dando a câmera por perdida, quando uma série de circunstâncias surpreendentes começaram a tomar corpo neste palco de surpresas que é a vida.
A primeira a entrar em cena foi a Honestidade. Guiados por ela, dois surfistas encontraram a câmera 10 km adiante do local onde ela havia sido perdida. Em seguida, eles decidiram postar uma mensagem em um fórum de surfistas na Internet, juntamente com a foto do proprietário da câmera perdida: "Uma GoPro foi encontrada na água em Burleigh. Alguém reconhece o dono? Parece que a prancha dele é uma mini-mal, mas não tenho certeza".
Como o dono parece não ter tido conhecimento do anúncio, foi a vez do Acaso dar seu salto acrobático no palco da Vida. É que, ao sair para nadar em Burleigh numa manhã dessas aí, Jenkins acabou sendo reconhecido por um dos surfistas em questão: "Eu não conseguia acreditar que ainda existe honestidade e que aquele cara tinha me reconhecido. Eu fiquei eufórico", comemorou o felizardo.
Por fim, eis que a Bem-aventurança resolve também dar o ar da graça. Jenkins chegou a oferecer aos dois surfistas uma recompensa em dinheiro pela recuperação da câmera, a qual foi recusada e trocada por um café. De quebra, descobriu que a câmera ainda funcionava: "A parte externa da câmera ficou um pouco danificada pela areia, mas ela continua à prova d'água e havia 40 minutos de imagens que foram feitas pela câmera rolando pelo fundo do mar."
Quanto a mim, que caí do caminhão de mudanças hoje de manhã, bem sei que a postagem de uma notícia desse naipe poderá surpreender algum leitor reticente e levá-lo a pensar que vendi minha ironia machadiana para abrir um centro de auto-ajuda. Socorro, longe de mim: sou péssima nessa tal de auto-ajuda! Mas cabe aqui uma explicação: a onda do surfista para mim é outra. Sua alegria com o retorno do objeto perdido me trouxe um novo alento, pois nessa ciranda incansável de eventos que é a vida, a maior parte das coisas perdidas - objetos, pessoas, projetos, sonhos - nunca é (e nem será) recuperada. Melhor ainda: ele recuperou a câmera com direito a um bônus, isto é: tudo aquilo que ela gravou sozinha depois de ter caído no mar.
Enfim, enquanto Honestidade, Acaso e Bem-aventurança derem-se as mãos no estranho fluir da vida, alguma esperança paira no ar. Para quem quiser conferir o resultado da ciranda de três, eis aqui um vídeo bem curtinho (só tem 1min31seg de duração), contendo algumas das imagens recuperadas do fatídico dia em que a câmera foi para o fundo do mar.
Boa ciranda!
Segundo consta nesta notícia publicada pela Folha online (replicando boa-nova distribuída pelo mundo afora pela BBC News), a Honestidade, o Acaso e a Bem-aventurança andaram dando as mãos e dançando em torno do surfista australiano Adrian Jenkins (http://f5.folha.uol.com.br/humanos/1009511-surfista-reencontra-camera-e-descobre-imagens-do-fundo-do-mar.shtml). Jenkins surfava na praia de Kirra Point, em Queensland (Austrália), quando perdeu uma câmera de filmar que estava acoplada na sua prancha. Já estava choroso, dando a câmera por perdida, quando uma série de circunstâncias surpreendentes começaram a tomar corpo neste palco de surpresas que é a vida.
A primeira a entrar em cena foi a Honestidade. Guiados por ela, dois surfistas encontraram a câmera 10 km adiante do local onde ela havia sido perdida. Em seguida, eles decidiram postar uma mensagem em um fórum de surfistas na Internet, juntamente com a foto do proprietário da câmera perdida: "Uma GoPro foi encontrada na água em Burleigh. Alguém reconhece o dono? Parece que a prancha dele é uma mini-mal, mas não tenho certeza".
Como o dono parece não ter tido conhecimento do anúncio, foi a vez do Acaso dar seu salto acrobático no palco da Vida. É que, ao sair para nadar em Burleigh numa manhã dessas aí, Jenkins acabou sendo reconhecido por um dos surfistas em questão: "Eu não conseguia acreditar que ainda existe honestidade e que aquele cara tinha me reconhecido. Eu fiquei eufórico", comemorou o felizardo.
Por fim, eis que a Bem-aventurança resolve também dar o ar da graça. Jenkins chegou a oferecer aos dois surfistas uma recompensa em dinheiro pela recuperação da câmera, a qual foi recusada e trocada por um café. De quebra, descobriu que a câmera ainda funcionava: "A parte externa da câmera ficou um pouco danificada pela areia, mas ela continua à prova d'água e havia 40 minutos de imagens que foram feitas pela câmera rolando pelo fundo do mar."
Quanto a mim, que caí do caminhão de mudanças hoje de manhã, bem sei que a postagem de uma notícia desse naipe poderá surpreender algum leitor reticente e levá-lo a pensar que vendi minha ironia machadiana para abrir um centro de auto-ajuda. Socorro, longe de mim: sou péssima nessa tal de auto-ajuda! Mas cabe aqui uma explicação: a onda do surfista para mim é outra. Sua alegria com o retorno do objeto perdido me trouxe um novo alento, pois nessa ciranda incansável de eventos que é a vida, a maior parte das coisas perdidas - objetos, pessoas, projetos, sonhos - nunca é (e nem será) recuperada. Melhor ainda: ele recuperou a câmera com direito a um bônus, isto é: tudo aquilo que ela gravou sozinha depois de ter caído no mar.
Enfim, enquanto Honestidade, Acaso e Bem-aventurança derem-se as mãos no estranho fluir da vida, alguma esperança paira no ar. Para quem quiser conferir o resultado da ciranda de três, eis aqui um vídeo bem curtinho (só tem 1min31seg de duração), contendo algumas das imagens recuperadas do fatídico dia em que a câmera foi para o fundo do mar.
Boa ciranda!
sexta-feira, 18 de novembro de 2011
Paranoia voadora
Sinto muito, mas hoje eu decidi que quero terminar minha semana rindo.
Já estava com os dedos no teclado para falar da última campanha publicitária da Benetton, quando me deparei com uma pérola publicada na Folha Online no dia de hoje. Resultado: acabei deixando a Benetton para outro dia. Sinceramente? Até agora não me arrependi da troca.
Bem, já ouvi dizer que, do ponto de vista clínico, existem paranoias crônicas e agudas, isto é, elas variam em frequência e intensidade: associadas a crises mais pontuais, podem também se expressar em comportamentos mais duradouros, prolongados ou crônicos, dependendo do gosto do freguês.
Seja lá qual for a sua paranoia de predileção, a notícia da Folha narra um caso de paranoia típico do pós-11 de setembro (http://www1.folha.uol.com.br/mundo/1008200-piloto-fica-trancado-no-banheiro-e-causa-panico-em-voo-nos-eua.shtml). Resta agora saber se ele é um caso do tipo crônico ou agudo.
A notícia em questão descreve um mal-entendido, ocorrido na 4a feira desta semana, em um vôo da companhia aérea Chatauqua Airlines que aterrissaria no aeroporto LaGuardia, em Nova York. Duas versões dos fatos são apresentadas na notícia. A primeira, mais compacta, narra o evento da seguinte forma: "Preso no banheiro da aeronave, o piloto bateu na porta para chamar a atenção. Um passageiro que o ouviu tentou avisar o co-piloto, que ficou sozinho na cabine de comando".
Tudo teria ficado nisso mesmo se uma fonte anônima não tivesse repassado dados adicionais ao jornal New York Post, suficientes inclusive para compor uma versão totalmente melhorada, isto é, repleta de citações diretas da suposta fala do co-piloto.
Eis os fatos na versão extendida: " 'O piloto desapareceu e há uma pessoa com forte sotaque estrangeiro tentando entrar na cabine do piloto', disse o co-piloto usando um canal de áudio à torre de controle do aeroporto, que devia dar a permissão para o avião aterrissar".
Recusando-se a deixar o passageiro entrar para dar seu recado, o co-piloto decide entrar em contato com a torre para buscar auxílio. "Em terra, a atitude do controlador de tráfego aéreo que acompanhou o avião acabou piorando a situação. Ele recomendou ao co-piloto que declarasse estado de emergência e pousasse o avião rapidamente. Caças da Força Aérea foram colocados em prontidão, mas não chegaram a decolar".
O desfecho? "O mal-entendido durou vários minutos até que o piloto conseguiu arrombar a porta com defeito e voltou ao seu posto na cabine. O avião acabou aterrissando normalmente às 18h30 de quarta-feira (hora local)".
Sorte do pobre passageiro que, cheio de sotaque e boa vontade, só tentava ajudar. Coisa certa, andar de avião deixou de ser uma coisa simples para quem tem sotaque, aparência e nacionalidade suspeitas. Palavra de quem já cansou de ser considerada marroquina ou argelina.
Em homenagem a todos os grupos perfilados pelas práticas policiais, minha singela homenagem com esta outra pérola humorística que narra uma situação similar à da notícia acima, mas com um desfecho totalmente surpreendente. Para quem não conhece, aqui vai "The Pilot", um dos episódios mais famosos dos cyber-comediantes Tête-à-Claques.
Fica aqui a versão em inglês por ser mais acessível, apesar da versão em francês ser infinitamente mais engraçada. Obra do sotaque! Lá, pelo menos ele serve para fazer rir.
Já estava com os dedos no teclado para falar da última campanha publicitária da Benetton, quando me deparei com uma pérola publicada na Folha Online no dia de hoje. Resultado: acabei deixando a Benetton para outro dia. Sinceramente? Até agora não me arrependi da troca.
Bem, já ouvi dizer que, do ponto de vista clínico, existem paranoias crônicas e agudas, isto é, elas variam em frequência e intensidade: associadas a crises mais pontuais, podem também se expressar em comportamentos mais duradouros, prolongados ou crônicos, dependendo do gosto do freguês.
Seja lá qual for a sua paranoia de predileção, a notícia da Folha narra um caso de paranoia típico do pós-11 de setembro (http://www1.folha.uol.com.br/mundo/1008200-piloto-fica-trancado-no-banheiro-e-causa-panico-em-voo-nos-eua.shtml). Resta agora saber se ele é um caso do tipo crônico ou agudo.
A notícia em questão descreve um mal-entendido, ocorrido na 4a feira desta semana, em um vôo da companhia aérea Chatauqua Airlines que aterrissaria no aeroporto LaGuardia, em Nova York. Duas versões dos fatos são apresentadas na notícia. A primeira, mais compacta, narra o evento da seguinte forma: "Preso no banheiro da aeronave, o piloto bateu na porta para chamar a atenção. Um passageiro que o ouviu tentou avisar o co-piloto, que ficou sozinho na cabine de comando".
Tudo teria ficado nisso mesmo se uma fonte anônima não tivesse repassado dados adicionais ao jornal New York Post, suficientes inclusive para compor uma versão totalmente melhorada, isto é, repleta de citações diretas da suposta fala do co-piloto.
Eis os fatos na versão extendida: " 'O piloto desapareceu e há uma pessoa com forte sotaque estrangeiro tentando entrar na cabine do piloto', disse o co-piloto usando um canal de áudio à torre de controle do aeroporto, que devia dar a permissão para o avião aterrissar".
Recusando-se a deixar o passageiro entrar para dar seu recado, o co-piloto decide entrar em contato com a torre para buscar auxílio. "Em terra, a atitude do controlador de tráfego aéreo que acompanhou o avião acabou piorando a situação. Ele recomendou ao co-piloto que declarasse estado de emergência e pousasse o avião rapidamente. Caças da Força Aérea foram colocados em prontidão, mas não chegaram a decolar".
O desfecho? "O mal-entendido durou vários minutos até que o piloto conseguiu arrombar a porta com defeito e voltou ao seu posto na cabine. O avião acabou aterrissando normalmente às 18h30 de quarta-feira (hora local)".
Sorte do pobre passageiro que, cheio de sotaque e boa vontade, só tentava ajudar. Coisa certa, andar de avião deixou de ser uma coisa simples para quem tem sotaque, aparência e nacionalidade suspeitas. Palavra de quem já cansou de ser considerada marroquina ou argelina.
Em homenagem a todos os grupos perfilados pelas práticas policiais, minha singela homenagem com esta outra pérola humorística que narra uma situação similar à da notícia acima, mas com um desfecho totalmente surpreendente. Para quem não conhece, aqui vai "The Pilot", um dos episódios mais famosos dos cyber-comediantes Tête-à-Claques.
Fica aqui a versão em inglês por ser mais acessível, apesar da versão em francês ser infinitamente mais engraçada. Obra do sotaque! Lá, pelo menos ele serve para fazer rir.
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
Patê de alienígena
Se você ainda não tem um blog, mas pensa em manter um, muito cuidado! Não é nada fácil manter o ritmo das postagens, sem perda na qualidade do conteúdo. A coisa fica ainda mais complicada se o tema do blog forem as banalidades nossas de cada dia. Tem dia que faltará assunto, tem dia que sobrará. Na dúvida, e pensando nos tempos de escassez, você falará de uma só vez de todos os que encontrar pela frente.
E olha que esta semana, que eu achava ter começado meio devagar, já andou me rendendo algumas pérolas. Como não se extasiar, por exemplo, diante desta notícia publicada hoje no Hoje em Dia online narrando a epopeia da russa Marta Yegorovnam, que afirma ter mantido por dois anos um cadáver de extraterrestre em seu frigorífico (hojeemdia.com.br/noticias/mulher-guarda-cadaver-de-alienigena-na-geladeira-1.370546)?
Mais "extasiante" ainda é acrobacia jornalística que o jornal em questão faz para falar de um suposto fato (o cadáver do alienígena), que fora comentado por outro jornal (o Daily Mail), fazendo ainda referência a fatos supostamente narrados pela imprensa local (russa), cujo conteúdo está disponível em uma língua a qual poucos têm acesso aqui no Brasil.
Até que o resultado ficou engraçado. Primeiro, a notícia afirma que "a mulher disse que mantem o cadáver de um extraterrestre preservada em seu frigorífico". Em seguida, atribui-se ao Daily Mail a descrição do alienígena: "De acordo com o jornal Daily Mail, a suposta criatura possui cerca de 2 metros, tem uma enorme cabeça, olhos grandes e aparência humanóide". Finalmente, cogitando-se a possibilidade de um leitor mais arrebatado querer ir conferir a informação in loco, atribui-se à imprensa russa a impossibilidade da comprovação: "Conforme a imprensa local, há alguns dias dois homens apareceram na casa da russa e confiscaram o cadáver para fins de investigação". Mas quem são esses homens? De onde vieram? Para onde levaram o cadáver? Se quiser saber, vá estudar russo e não me amole. Tá tudo lá na "imprensa local".
Em suma, a notícia ficou parecendo aquele famoso jogo do "passa ou repassa". Ou melhor, é a máxima do "se você não tem certeza, apoie-se na opinião de alguém" levada às últimas consequências. No final das contas, ninguém assume o risco de afirmar algo que realmente realmente não foi apurado. Mas para tudo dá-se um jeito, pois a notícia é atraente demais para ficar na geladeira.
Nesse mundo vão e repleto de tantas incertezas, perde-se o leitor, mas não se perde a pauta. Pensando bem, só eu mesma para eu ter ficado extasiada com uma matéria dessas. Ou minha vida que anda muito sem novidade a ponto de eu achar graça em qualquer coisa, ou as coisas extraordinárias acontecem rápido demais para serem apuradas com o devido rigor. Ou ambos. Vai saber...
P.S.= Para os sedentos de provas materiais, fica aqui um consolo: uma das cinco fotos tiradas do cadáver do suposto alienígena está reproduzida nesta notícia do Hoje em Dia.
E olha que esta semana, que eu achava ter começado meio devagar, já andou me rendendo algumas pérolas. Como não se extasiar, por exemplo, diante desta notícia publicada hoje no Hoje em Dia online narrando a epopeia da russa Marta Yegorovnam, que afirma ter mantido por dois anos um cadáver de extraterrestre em seu frigorífico (hojeemdia.com.br/noticias/mulher-guarda-cadaver-de-alienigena-na-geladeira-1.370546)?
Mais "extasiante" ainda é acrobacia jornalística que o jornal em questão faz para falar de um suposto fato (o cadáver do alienígena), que fora comentado por outro jornal (o Daily Mail), fazendo ainda referência a fatos supostamente narrados pela imprensa local (russa), cujo conteúdo está disponível em uma língua a qual poucos têm acesso aqui no Brasil.
Até que o resultado ficou engraçado. Primeiro, a notícia afirma que "a mulher disse que mantem o cadáver de um extraterrestre preservada em seu frigorífico". Em seguida, atribui-se ao Daily Mail a descrição do alienígena: "De acordo com o jornal Daily Mail, a suposta criatura possui cerca de 2 metros, tem uma enorme cabeça, olhos grandes e aparência humanóide". Finalmente, cogitando-se a possibilidade de um leitor mais arrebatado querer ir conferir a informação in loco, atribui-se à imprensa russa a impossibilidade da comprovação: "Conforme a imprensa local, há alguns dias dois homens apareceram na casa da russa e confiscaram o cadáver para fins de investigação". Mas quem são esses homens? De onde vieram? Para onde levaram o cadáver? Se quiser saber, vá estudar russo e não me amole. Tá tudo lá na "imprensa local".
Em suma, a notícia ficou parecendo aquele famoso jogo do "passa ou repassa". Ou melhor, é a máxima do "se você não tem certeza, apoie-se na opinião de alguém" levada às últimas consequências. No final das contas, ninguém assume o risco de afirmar algo que realmente realmente não foi apurado. Mas para tudo dá-se um jeito, pois a notícia é atraente demais para ficar na geladeira.
Nesse mundo vão e repleto de tantas incertezas, perde-se o leitor, mas não se perde a pauta. Pensando bem, só eu mesma para eu ter ficado extasiada com uma matéria dessas. Ou minha vida que anda muito sem novidade a ponto de eu achar graça em qualquer coisa, ou as coisas extraordinárias acontecem rápido demais para serem apuradas com o devido rigor. Ou ambos. Vai saber...
P.S.= Para os sedentos de provas materiais, fica aqui um consolo: uma das cinco fotos tiradas do cadáver do suposto alienígena está reproduzida nesta notícia do Hoje em Dia.
quarta-feira, 16 de novembro de 2011
Várias crateras e um censo
Para quem reclamava ontem da falta de assunto e da ausência de meteoros e cataclismas na pauta jornalística diária, a cobertura de hoje está um prato cheio. Lá tem de tudo, inclusive cataclismas dos mais variados, causados ou não pela queda de meteoros.
Comecemos, pois, pelos cataclismas mais simples, isto é, os de origem natural e que não dependem da interferência do homem - mesmo porque o homem ainda não existia. Estou falando especificamente da cratera de 10km de extensão que pesquisadores da Unicamp encontraram no Piauí e que teria sido formada na mesma época da extinção dos dinossauros (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1007265-piaui-pode-ter-cratera-formada-na-epoca-dos-dinossauros.shtml).
A cratera de Santa Marta, localizada no município de Gilbués (PI), pode ter sido formada há cerca de 65 milhões de anos, período análogo ao da famosa cratera de Chicxulub, no México, e a cujo surgimento está associado o desaparecimento dos dinossauros na Terra. A estrutura circular da cratera, por exemplo, é um indício de que ela tenha sido formada em consequência da queda de um meteorito, conforme explica o coordenador do projeto da Unicamp, Carlos Roberto Souza Filho, em geologuês fluente: "Encontramos praticamente todas as feições macroscópicas, como cones de estilhaçamento, e microscópicas, como deformações em quartzo, que sinalizam a passagem de ondas de choque e a deformação de materiais relacionadas a um impacto", relata o pesquisador.
A descoberta traz um elemento adicional às teorias sobre as alterações climáticas que resultaram no desaparecimento dos dinossauros e de cerca de 70% da biodiversidade da face da Terra pois correlaciona o surgimento da cratera de Santa Marta com a de Chicxulub, no México. Se comprovada, "essa identificação temporal é importante porque uma das hipóteses em debate hoje em dia considera que o impacto no México pode ter sido acompanhado por outros simultâneos em várias regiões da Terra", explica a matéria da Folha online.
Mas nem só de cataclismas naturais, dispersos no tempo, vive nosso rico país. Já me explico: é que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) liberou hoje de manhã os dados do Censo 2010. Nesse caso, o cataclisma é proporções políticas e sociais: com 84,4% dos seus 190,7 milhões de habitantes morando nas cidades, nosso país até tenta sair da cratera do subdesenvolvimento, mas o fosso é bem extenso do que a de Santa Marta.
Para início de conversa, disparidades de gênero, raça e localização geográfica ainda grassam nas estatísticas do nosso último decênio: brancos recebem 2,4 vezes mais do que negros em municípios de maior porte; homens recebem 42% a mais do que as mulheres, apesar destas últimas chefiarem atualmente 40% dos lares brasileiros; e os maiores índices de analfabetismo coincidem justamente com os menores de saneamento básico nos estados do Norte e Nordeste (http://oglobo.globo.com/pais/dados-do-censo-2010-confirmam-reducao-do-analfabetismo-3248285).
Essas duas últimas realidades - analfabetismo e saneamento básico - merecem aqui algumas considerações adicionais. Se, por um lado, é verdade que a taxa de analbafetismo para pessoas com 15 anos ou mais caiu de 13,6% para 9,6% no país, por outro, ele permanece elevado nas zonas rurais. Ao que parece, o analbabetismo está concentrado principalmente nas regiões Norte e Nordeste: "Alagoas foi o estado com maior percentual de analfabetismo das pessoas de 10 anos ou mais (22,5%), seguido de Piauí (21,1%), Paraíba (20,2%) e Maranhão (19,3%)".
Quanto ao saneamento básico, a taxa de acesso à rede de esgoto e fossa séptica passou, nos últimos dez anos, de 62,2% para 67,1% - um aumento relativamente tímido, se comparado ao "crescimento" econômico reivindicado em outros momentos pela mídia afora. E são justamente estas taxas que deixam às claras que o abismo regional persiste nos dias atuais: "enquanto no Sudeste o percentual é de 86,5% e no Sul, de 71,5%, no Centro-Oeste ele é de 51,5% e, no Nordeste, é de 45,2% -- ou seja, mais da metade dos domicílios no Nordeste não contam com rede de esgoto. No Norte, o percentual chega a ser pior: 32,8%, o que significa que cerca de 70% dos domicílios não têm rede de esgoto".
Diante de tanta disparidade, fica aqui a pergunta: o que fazer para superar esse quadro de diferenças abismais em termos de acesso a infra-estrutura básica e educação? Bem, é justamente nesse ponto que a metáfora do abismo perde sua potência expressiva. É que os dois tipos de crateras que marcam a história (antiga e recente) deste país também possuem as suas próprias singuralidades. E ainda que o impacto de um meteorito tenha "marcado o final do período Cretáceo, há 65 milhões de anos", segundo consta na matéria da Folha, não dá para esperar que um único meteorito caia hoje nessas regiões e acabe de vez com todos os cretinos - e aqui me refiro particularmente aos que se elegem às custas desse quadro de assimetria social e dele se beneficiam para continuar como estão: no poder. Basta dar uma olhada nos fósseis políticos que os estados de Alagoas, Maranhão e Piauí têm nos presenteado nos últimos anos...Melhor seria ameaçá-los de extinção!
Comecemos, pois, pelos cataclismas mais simples, isto é, os de origem natural e que não dependem da interferência do homem - mesmo porque o homem ainda não existia. Estou falando especificamente da cratera de 10km de extensão que pesquisadores da Unicamp encontraram no Piauí e que teria sido formada na mesma época da extinção dos dinossauros (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1007265-piaui-pode-ter-cratera-formada-na-epoca-dos-dinossauros.shtml).
A cratera de Santa Marta, localizada no município de Gilbués (PI), pode ter sido formada há cerca de 65 milhões de anos, período análogo ao da famosa cratera de Chicxulub, no México, e a cujo surgimento está associado o desaparecimento dos dinossauros na Terra. A estrutura circular da cratera, por exemplo, é um indício de que ela tenha sido formada em consequência da queda de um meteorito, conforme explica o coordenador do projeto da Unicamp, Carlos Roberto Souza Filho, em geologuês fluente: "Encontramos praticamente todas as feições macroscópicas, como cones de estilhaçamento, e microscópicas, como deformações em quartzo, que sinalizam a passagem de ondas de choque e a deformação de materiais relacionadas a um impacto", relata o pesquisador.
A descoberta traz um elemento adicional às teorias sobre as alterações climáticas que resultaram no desaparecimento dos dinossauros e de cerca de 70% da biodiversidade da face da Terra pois correlaciona o surgimento da cratera de Santa Marta com a de Chicxulub, no México. Se comprovada, "essa identificação temporal é importante porque uma das hipóteses em debate hoje em dia considera que o impacto no México pode ter sido acompanhado por outros simultâneos em várias regiões da Terra", explica a matéria da Folha online.
Mas nem só de cataclismas naturais, dispersos no tempo, vive nosso rico país. Já me explico: é que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) liberou hoje de manhã os dados do Censo 2010. Nesse caso, o cataclisma é proporções políticas e sociais: com 84,4% dos seus 190,7 milhões de habitantes morando nas cidades, nosso país até tenta sair da cratera do subdesenvolvimento, mas o fosso é bem extenso do que a de Santa Marta.
Para início de conversa, disparidades de gênero, raça e localização geográfica ainda grassam nas estatísticas do nosso último decênio: brancos recebem 2,4 vezes mais do que negros em municípios de maior porte; homens recebem 42% a mais do que as mulheres, apesar destas últimas chefiarem atualmente 40% dos lares brasileiros; e os maiores índices de analfabetismo coincidem justamente com os menores de saneamento básico nos estados do Norte e Nordeste (http://oglobo.globo.com/pais/dados-do-censo-2010-confirmam-reducao-do-analfabetismo-3248285).
Essas duas últimas realidades - analfabetismo e saneamento básico - merecem aqui algumas considerações adicionais. Se, por um lado, é verdade que a taxa de analbafetismo para pessoas com 15 anos ou mais caiu de 13,6% para 9,6% no país, por outro, ele permanece elevado nas zonas rurais. Ao que parece, o analbabetismo está concentrado principalmente nas regiões Norte e Nordeste: "Alagoas foi o estado com maior percentual de analfabetismo das pessoas de 10 anos ou mais (22,5%), seguido de Piauí (21,1%), Paraíba (20,2%) e Maranhão (19,3%)".
Quanto ao saneamento básico, a taxa de acesso à rede de esgoto e fossa séptica passou, nos últimos dez anos, de 62,2% para 67,1% - um aumento relativamente tímido, se comparado ao "crescimento" econômico reivindicado em outros momentos pela mídia afora. E são justamente estas taxas que deixam às claras que o abismo regional persiste nos dias atuais: "enquanto no Sudeste o percentual é de 86,5% e no Sul, de 71,5%, no Centro-Oeste ele é de 51,5% e, no Nordeste, é de 45,2% -- ou seja, mais da metade dos domicílios no Nordeste não contam com rede de esgoto. No Norte, o percentual chega a ser pior: 32,8%, o que significa que cerca de 70% dos domicílios não têm rede de esgoto".
Diante de tanta disparidade, fica aqui a pergunta: o que fazer para superar esse quadro de diferenças abismais em termos de acesso a infra-estrutura básica e educação? Bem, é justamente nesse ponto que a metáfora do abismo perde sua potência expressiva. É que os dois tipos de crateras que marcam a história (antiga e recente) deste país também possuem as suas próprias singuralidades. E ainda que o impacto de um meteorito tenha "marcado o final do período Cretáceo, há 65 milhões de anos", segundo consta na matéria da Folha, não dá para esperar que um único meteorito caia hoje nessas regiões e acabe de vez com todos os cretinos - e aqui me refiro particularmente aos que se elegem às custas desse quadro de assimetria social e dele se beneficiam para continuar como estão: no poder. Basta dar uma olhada nos fósseis políticos que os estados de Alagoas, Maranhão e Piauí têm nos presenteado nos últimos anos...Melhor seria ameaçá-los de extinção!
terça-feira, 15 de novembro de 2011
Apumentário
Olha, eu raramente dedico duas postagens sucessivas a temas similares ou bem próximos, mas os deuses hão de me perdoar por esta heresia. É que com um feriado com chuva e pouquissimas notícias interessantes, vou ser obrigada a falar de mais uma atração tecnológica que ganha destaque na imprensa.
Assim sendo, senhoras e senhores, depois do naufrágio do iPod Nano que foi alvo do comentário de ontem, eis-me aqui a falar da nova façanha do cantor Sting, que "lança aplicativo para iPad com toda a sua obra" (http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1007064-sting-lanca-aplicativo-para-ipad-com-toda-a-sua-obra.shtml). Ao que parece, a particularidade do lançamento que, de acordo com a matéria publicada hoje na Folha online, celebra os 60 anos de vida e os 25 de carreira solo do cantor, é o caráter inovador do seu aplicativo ipad e o que se pretende com ele.
Em primeiro lugr, o aplicativo "Sting 25" pretende ser um marco. Ao que parece, ele é "o primeiro a capturar o conjunto da obra de um artista, espetáculos, entrevistas e curiosidades biográficas e colocar tudo isso em um tablet". Para o cantor, o aplicativo significa um "renascimento digital" e serve como "um modelo para os formatos futuros de consumo de música".
Já para a Apple, o aplicativo marca a emergência do "apumentário", uma novo gênero de "documentário" que conjuga diversas mídias: "Há fotos, letras manuscritas e anotações de diário, entrevistas e até imagens em 360º de seus instrumentos, como seu baixo bastante maltratado". De acordo com o produtor executivo do aplicativo, Justin Wilkes, "este apumentário conjuga a tela e as capacidades multitoque do iPad para contar uma história muito mais rica do que usando uma única mídia".
Enfim, cada um comemora o aniversário do jeito que bem entende. Parabéns então ao Sting pelo seu renascimento no melhor estilo "fênix digital". Quanto ao seu "apumentário", fico aqui com uma dúvida cruel: por mais complexa que seja a combinação das mídias, de que adianta um aplicativo falando dos 25 anos de carreira solo do aniversariante, se vários fãs, como eu, vão preferir as velhas canções do tempo do "The Police"?
Se você concorda comigo, então fique mais um pouco e curta aqui uma minhas canções preferidas. Se não concorda, espere até o comentário de amanhã, torcendo para que alguma coisa interessante aconteça no mundo: meteoros, cataclismas, gafes em artigos de divulgação científica ou qualquer outra coisa que valha um comentário decente.
Assim sendo, senhoras e senhores, depois do naufrágio do iPod Nano que foi alvo do comentário de ontem, eis-me aqui a falar da nova façanha do cantor Sting, que "lança aplicativo para iPad com toda a sua obra" (http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1007064-sting-lanca-aplicativo-para-ipad-com-toda-a-sua-obra.shtml). Ao que parece, a particularidade do lançamento que, de acordo com a matéria publicada hoje na Folha online, celebra os 60 anos de vida e os 25 de carreira solo do cantor, é o caráter inovador do seu aplicativo ipad e o que se pretende com ele.
Em primeiro lugr, o aplicativo "Sting 25" pretende ser um marco. Ao que parece, ele é "o primeiro a capturar o conjunto da obra de um artista, espetáculos, entrevistas e curiosidades biográficas e colocar tudo isso em um tablet". Para o cantor, o aplicativo significa um "renascimento digital" e serve como "um modelo para os formatos futuros de consumo de música".
Já para a Apple, o aplicativo marca a emergência do "apumentário", uma novo gênero de "documentário" que conjuga diversas mídias: "Há fotos, letras manuscritas e anotações de diário, entrevistas e até imagens em 360º de seus instrumentos, como seu baixo bastante maltratado". De acordo com o produtor executivo do aplicativo, Justin Wilkes, "este apumentário conjuga a tela e as capacidades multitoque do iPad para contar uma história muito mais rica do que usando uma única mídia".
Enfim, cada um comemora o aniversário do jeito que bem entende. Parabéns então ao Sting pelo seu renascimento no melhor estilo "fênix digital". Quanto ao seu "apumentário", fico aqui com uma dúvida cruel: por mais complexa que seja a combinação das mídias, de que adianta um aplicativo falando dos 25 anos de carreira solo do aniversariante, se vários fãs, como eu, vão preferir as velhas canções do tempo do "The Police"?
Se você concorda comigo, então fique mais um pouco e curta aqui uma minhas canções preferidas. Se não concorda, espere até o comentário de amanhã, torcendo para que alguma coisa interessante aconteça no mundo: meteoros, cataclismas, gafes em artigos de divulgação científica ou qualquer outra coisa que valha um comentário decente.
segunda-feira, 14 de novembro de 2011
Convocatória
A coisa mais frustrante do mundo deve ser o tal do recall - uma dessas palavrinhas importadas que ninguém teve a competência de traduzir para o português, mas que poderia ser substituída sem grandes danos por "convocatória". Já repararam que ninguém nunca faz recall de produto barato, descartável ou de segunda linha? É só com produto bacana que acontece o tal do recall. O que termina contribuindo ainda mais para a frustração do consumidor afetado.
Claro, tudo tem sua razão de ser: se vocês repararem bem, o recall acontece justamente naquela fase em que o usuário, de posse da sua nova aquisição, vive o auge do seu furor exibicionista. Só que aí um defeito grave é detectado no produto, a empresa convoca os consumidores, e estes têm de enfiar o rabinho entre as pernas e ir até a assistência técnica autorizada para trocar seu gadget - por sinal, outra palavrinha metida a besta que não deixa nada a dever para "engenhoca", com o complicador de que somente os leitores das histórias do Professor Pardal terão ouvido falar deste termo.
Pensem bem: em um mundo em que "ter" coisas confere algum status social às pessoas, passar pela experiência do recall é, antes de tudo, uma puxada de tapete que ninguém nesse mundo há de gostar. E apesar do recall ser uma dor de cabeça sem grandes consequências monetárias, já que a empresa se prontifica a assumir o erro e repor o produto, ele produz na sua vítima um elevado teor de desconforto moral. Estudos impublicáveis em anais de pesquisa inexistentes apontam que o grau de frustração é comparável a ter o tão esperado e desejado doce retirado da sua boca justamente na hora em que você salivava tal qual um cão raivoso. Deve, portanto, reavivar altos traumas de infância, deixando o consumidor a beira de um colapso psico-existencial. Nada que dez anos de análise não possam agravar, obviamente...
Mas deixemos a divagação de lado e voltemos aos fatos: hoje a Folha online publicou uma notícia que contradiz casos clássicos de recall. É que "a Apple vai trocar unidades do iPod Nano de primeira geração, que podem ter problemas de sobreaquecimento de bateria" (http://www1.folha.uol.com.br/tec/1006323-apple-anuncia-recall-do-ipod-nano-de-1-geracao.shtml). Até aí, nada de anormal. A informação seguinte é que me pareceu curiosa, dado o tipo de produto que está sendo requerido e o perfil do seu público-alvo: "Os modelos afetados foram vendidos entre setembro de 2005 e dezembro de 2006".
Ora, para quem gosta de desfilar com o último modelo de qualquer coisa, pedir para achar aquele modelo comprado em longas filas nas Lojas Americanas nos idos de 2005 e 2006 é a comparável a fazer um recall de gramofones: alguém aí ainda tem um? 30% dirão que já perderam o seu; outros 40% tiveram o seu exemplar roubado; e os 30% restantes alegarão tê-lo visto sendo babado ou pela irmã mais nova, ou pelo seu animal doméstico, ou ambos.
Aqui vai uma prova de que não estou falando mentira. Em comunicado à imprensa, é a própria Apple que afirma que "a possibilidade de acidente é rara, mas ela aumenta à medida que a bateria vai se tornando obsoleta". Ora, se a bateria está obsoleta, o que não dizer então do produto?
E tem mais: se alguém aí esperava sair da assistência técnica com outro brinquedinho na mão, pode ir tirando o cavalinho da chuva que cai lá fora. "O consumidor deve obter a unidade de troca em, aproximadamente, seis semanas após a Apple receber o iPod Nano com defeito". E, para encerrar o assunto, a última má notícia do dia: "A Apple não informa qual modelo de iPod Nano o consumidor deve receber na troca".
Portanto, preparem-se: mais dez anos de análise estão por vir!
Claro, tudo tem sua razão de ser: se vocês repararem bem, o recall acontece justamente naquela fase em que o usuário, de posse da sua nova aquisição, vive o auge do seu furor exibicionista. Só que aí um defeito grave é detectado no produto, a empresa convoca os consumidores, e estes têm de enfiar o rabinho entre as pernas e ir até a assistência técnica autorizada para trocar seu gadget - por sinal, outra palavrinha metida a besta que não deixa nada a dever para "engenhoca", com o complicador de que somente os leitores das histórias do Professor Pardal terão ouvido falar deste termo.
Pensem bem: em um mundo em que "ter" coisas confere algum status social às pessoas, passar pela experiência do recall é, antes de tudo, uma puxada de tapete que ninguém nesse mundo há de gostar. E apesar do recall ser uma dor de cabeça sem grandes consequências monetárias, já que a empresa se prontifica a assumir o erro e repor o produto, ele produz na sua vítima um elevado teor de desconforto moral. Estudos impublicáveis em anais de pesquisa inexistentes apontam que o grau de frustração é comparável a ter o tão esperado e desejado doce retirado da sua boca justamente na hora em que você salivava tal qual um cão raivoso. Deve, portanto, reavivar altos traumas de infância, deixando o consumidor a beira de um colapso psico-existencial. Nada que dez anos de análise não possam agravar, obviamente...
Mas deixemos a divagação de lado e voltemos aos fatos: hoje a Folha online publicou uma notícia que contradiz casos clássicos de recall. É que "a Apple vai trocar unidades do iPod Nano de primeira geração, que podem ter problemas de sobreaquecimento de bateria" (http://www1.folha.uol.com.br/tec/1006323-apple-anuncia-recall-do-ipod-nano-de-1-geracao.shtml). Até aí, nada de anormal. A informação seguinte é que me pareceu curiosa, dado o tipo de produto que está sendo requerido e o perfil do seu público-alvo: "Os modelos afetados foram vendidos entre setembro de 2005 e dezembro de 2006".
Ora, para quem gosta de desfilar com o último modelo de qualquer coisa, pedir para achar aquele modelo comprado em longas filas nas Lojas Americanas nos idos de 2005 e 2006 é a comparável a fazer um recall de gramofones: alguém aí ainda tem um? 30% dirão que já perderam o seu; outros 40% tiveram o seu exemplar roubado; e os 30% restantes alegarão tê-lo visto sendo babado ou pela irmã mais nova, ou pelo seu animal doméstico, ou ambos.
Aqui vai uma prova de que não estou falando mentira. Em comunicado à imprensa, é a própria Apple que afirma que "a possibilidade de acidente é rara, mas ela aumenta à medida que a bateria vai se tornando obsoleta". Ora, se a bateria está obsoleta, o que não dizer então do produto?
E tem mais: se alguém aí esperava sair da assistência técnica com outro brinquedinho na mão, pode ir tirando o cavalinho da chuva que cai lá fora. "O consumidor deve obter a unidade de troca em, aproximadamente, seis semanas após a Apple receber o iPod Nano com defeito". E, para encerrar o assunto, a última má notícia do dia: "A Apple não informa qual modelo de iPod Nano o consumidor deve receber na troca".
Portanto, preparem-se: mais dez anos de análise estão por vir!
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
Entusiasmo
Se é verdade o que o Egberto Gismonti disse no palco esta noite, numa participação especial do show de Juarez Moreira - isto é, que etimologicamente "entusiasmo" significa "ter a alma repleta de deuses" - então hoje vivi tipicamente aquelas situações em que o entusiasmo te pega pela mão e te conduz dia afora: um dia simples, repleto de luz, cor e de música feliz.
O vídeo abaixo não é o do show desta noite, mas já dá uma amostra da beleza do encontro entre esses dois titãs da MPB.
Sou grata por este dia!
O vídeo abaixo não é o do show desta noite, mas já dá uma amostra da beleza do encontro entre esses dois titãs da MPB.
Sou grata por este dia!
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
Espaço aéreo
Estava vendo ali no O Globo online que a Aeronáutica anunciou hoje que fechará o espaço aéreo da Rocinha - a maior favela da América Latina - "entre as 2h do domingo e a tarde da próxima segunda-feira", de modo que as "forças policiais" do Rio de Janeiro possam "ocupar" militarmente aquele espaço (http://oglobo.globo.com/rio/mat/2011/11/10/rocinha-tera-espaco-aereo-fechado-no-domingo-dia-de-provavel-ocupacao-da-favela-pela-policia-925780068.asp).
O motivo do fechamento? Tudo em nome da paz. Ou melhor, da pacificação: "É mais um passo importante na política de pacificação das comunidades para oferecer paz, dessa vez aos moradores da Rocinha e do Vidigal, que se somam às demais comunidades pacificadas", afirma o governado do estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.
Bom, se a "ocupação" for mesmo inevitável, é bom as autoridades correrem logo com isso. É que outra matéria publicada na Folha online anuncia o crescimento dos "condomínios aeronáuticos", nova modalidade de condomínios "residenciais que possuem pistas para aeronaves e que estão em ascendência no Brasil, principalmente nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina" (http://classificados.folha.com.br/imoveis/1003658-novos-condominios-vem-com-pistas-para-aeronaves.shtml).
De acordo com Alexandre Elias Penido, diretor da incorporadora MPA, que é a responsável pela construção do Condomínio Fly Ville, às margens do Lago de Furnas (MG), "o bom momento da economia brasileira elevou a comercialização de aeronaves particulares". Só para se ter uma ideia da proporção do novos empreendimentos imobiliários, "o custo médio do lote é de R$ 2 milhões, sendo que eles medem em média 4 mil m² e o preço do m² é R$ 500".
Neste caso, só me resta concluir que ocupações militares com fechamento de espaço aéreo como esta que acontecerá na Rocinha poderão, em um futuro próximo, comprometer a paz e tranquilidade da rica clientela em expansão.
Como se pode ver, nesse mundo de contradições, a paz de uns compromete a dos outros. E ai de quem ficar parado, perdido no meio do fogo cruzado entre essas duas realidades tão antagônicas que são a Rocinha e o Fly Ville: em um país de extremos absurdos como o nosso, há muito pouco espaço para a tão almejada paz de espírito!
Enfim, vou dormir! Amanhã quero acordar alegre, talvez em paz, para atravessar o tão falado Portal 11-11-11. Antes que fechem o espaço aéreo por aqui também...
O motivo do fechamento? Tudo em nome da paz. Ou melhor, da pacificação: "É mais um passo importante na política de pacificação das comunidades para oferecer paz, dessa vez aos moradores da Rocinha e do Vidigal, que se somam às demais comunidades pacificadas", afirma o governado do estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.
Bom, se a "ocupação" for mesmo inevitável, é bom as autoridades correrem logo com isso. É que outra matéria publicada na Folha online anuncia o crescimento dos "condomínios aeronáuticos", nova modalidade de condomínios "residenciais que possuem pistas para aeronaves e que estão em ascendência no Brasil, principalmente nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina" (http://classificados.folha.com.br/imoveis/1003658-novos-condominios-vem-com-pistas-para-aeronaves.shtml).
De acordo com Alexandre Elias Penido, diretor da incorporadora MPA, que é a responsável pela construção do Condomínio Fly Ville, às margens do Lago de Furnas (MG), "o bom momento da economia brasileira elevou a comercialização de aeronaves particulares". Só para se ter uma ideia da proporção do novos empreendimentos imobiliários, "o custo médio do lote é de R$ 2 milhões, sendo que eles medem em média 4 mil m² e o preço do m² é R$ 500".
Neste caso, só me resta concluir que ocupações militares com fechamento de espaço aéreo como esta que acontecerá na Rocinha poderão, em um futuro próximo, comprometer a paz e tranquilidade da rica clientela em expansão.
Como se pode ver, nesse mundo de contradições, a paz de uns compromete a dos outros. E ai de quem ficar parado, perdido no meio do fogo cruzado entre essas duas realidades tão antagônicas que são a Rocinha e o Fly Ville: em um país de extremos absurdos como o nosso, há muito pouco espaço para a tão almejada paz de espírito!
Enfim, vou dormir! Amanhã quero acordar alegre, talvez em paz, para atravessar o tão falado Portal 11-11-11. Antes que fechem o espaço aéreo por aqui também...
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
Machos e gays no mundo animal
Não é nada raro ver os jornais diários destacarem sessões inteiras para a apreciação pública de hábitos e comportamentos privados dos animais.
No caso dos animais domésticos, existem sessões dedicadas ao compartilhamento de fotos que mostram os "peludos" em poses curiosas ou simplesmente cotidianas. E no caso de animais selvagens (in natura ou criados em cativeiro), o ensaio fotográfico costuma então ganhar ares de enquete científica ou de documentário no melhor estilo da National Geographic.
A novidade - penso eu - é que nunca a (homos e trans)sexualidade dos animais foi alvo de tantos comentários pitorescos nos jornais em um só dia.
No Hoje em Dia online, notícia anuncia logo no título: "Falcão macho se traveste de fêmea para maior chance de acasalar" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/falc-o-macho-se-traveste-de-femea-para-maior-chance-de-acasalar-1.366975). Já notícia publicada na Folha online avisa que "Zoológico no Canadá vai separar casal de pinguins com comportamento gay" (http://f5.folha.uol.com.br/bichos/1003946-zoologico-no-canada-vai-separar-pinguins-com-comportamento-gay.shtml).
A primeira notícia, publicada no Hoje em Dia, replica observações retiradas de estudo publicado hoje na revista Biology Letters, pertencente a Sociedade Real Britânica. De acordo com este estudo, uma espécie de falcão pertencente a região de Marais de Brouage, na França, adota a estrategicamente plumagem e comportamento de fêmea para fugir da disputa de território e - claro - ter acesso privilegiado às fêmeas.
Segundo os próprios termos da matéria (que emprega alternadamente o termo "falcão" e "águia-sapeira" como se fossem a mesma coisa), "ao parecer fêmeas e agir de forma menos agressiva, correm menos riscos de ser atacados por competidores, o que lhes dá uma chance maior de abordar as fêmeas para acasalar".
E por quê os machos mais machos permitiriam esta manobra, indaga a matéria? "Uma resposta possível seria a de que machos típicos podem achar vantajoso ter um vizinho tranquilo, pois assim teria menos trabalho para defender seu território. Além disso, machos típicos também teriam chances de copular com as fêmeas destes machos mais submissos".
O outro fato pitorescamente narrado é a separação anunciada do casal de pinguins "gays" (termos da matéria da Folha online) para fins de reprodução. Moradores de um zoológico da cidade de Toronto, no Canadá, os pinguins africanos Pedro e Buddy são um prato cheio para a comoção pública de milhares de ativistas LGBTS daquele país e de outros que lhe sejam solidários: "Os tratadores alegam que constataram um relacionamento gay na dupla e farão a separação para auxiliar na preservação da espécie ameaçada de extinção".
Vista de ângulos distintos, a "homossexualidade" e a "transexualidade" (seja ela fingida ou desempenhada) acaba sugerindo duas visões distintas dos papéis sexuais dos animais descritos nessas matérias: um viés puramente estratégico (falcões que agem como fêmeas para fugir dos concorrentes e ter acesso privilegiado às mesmas) e um viés afetivo (pinguins que se relacionam com outros do mesmo sexo por "opção").
No fim das contas, a descrição dos falcões machos "travestidos" de hoje se aproxima muito da realidade de certos eunucos da Antiguidade: castrados para tomar conta de esposas e concubinas dos reis, eles acabavam, no fim das contas, agradando a Gregos e Troianos (no sentido propriamente sexual). Só que no caso dos falcões, eles se travestem para agradar exclusivamente Gregos (ou Troianos, como queiram). Já com relação ao casal Pedro & Buddie, temo não haver outra alternativa: eles agora terão de agradar Gregos e Troianos, se quiserem realmente evitar a extinção da espécie.
No caso dos animais domésticos, existem sessões dedicadas ao compartilhamento de fotos que mostram os "peludos" em poses curiosas ou simplesmente cotidianas. E no caso de animais selvagens (in natura ou criados em cativeiro), o ensaio fotográfico costuma então ganhar ares de enquete científica ou de documentário no melhor estilo da National Geographic.
A novidade - penso eu - é que nunca a (homos e trans)sexualidade dos animais foi alvo de tantos comentários pitorescos nos jornais em um só dia.
No Hoje em Dia online, notícia anuncia logo no título: "Falcão macho se traveste de fêmea para maior chance de acasalar" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/falc-o-macho-se-traveste-de-femea-para-maior-chance-de-acasalar-1.366975). Já notícia publicada na Folha online avisa que "Zoológico no Canadá vai separar casal de pinguins com comportamento gay" (http://f5.folha.uol.com.br/bichos/1003946-zoologico-no-canada-vai-separar-pinguins-com-comportamento-gay.shtml).
A primeira notícia, publicada no Hoje em Dia, replica observações retiradas de estudo publicado hoje na revista Biology Letters, pertencente a Sociedade Real Britânica. De acordo com este estudo, uma espécie de falcão pertencente a região de Marais de Brouage, na França, adota a estrategicamente plumagem e comportamento de fêmea para fugir da disputa de território e - claro - ter acesso privilegiado às fêmeas.
Segundo os próprios termos da matéria (que emprega alternadamente o termo "falcão" e "águia-sapeira" como se fossem a mesma coisa), "ao parecer fêmeas e agir de forma menos agressiva, correm menos riscos de ser atacados por competidores, o que lhes dá uma chance maior de abordar as fêmeas para acasalar".
E por quê os machos mais machos permitiriam esta manobra, indaga a matéria? "Uma resposta possível seria a de que machos típicos podem achar vantajoso ter um vizinho tranquilo, pois assim teria menos trabalho para defender seu território. Além disso, machos típicos também teriam chances de copular com as fêmeas destes machos mais submissos".
O outro fato pitorescamente narrado é a separação anunciada do casal de pinguins "gays" (termos da matéria da Folha online) para fins de reprodução. Moradores de um zoológico da cidade de Toronto, no Canadá, os pinguins africanos Pedro e Buddy são um prato cheio para a comoção pública de milhares de ativistas LGBTS daquele país e de outros que lhe sejam solidários: "Os tratadores alegam que constataram um relacionamento gay na dupla e farão a separação para auxiliar na preservação da espécie ameaçada de extinção".
Vista de ângulos distintos, a "homossexualidade" e a "transexualidade" (seja ela fingida ou desempenhada) acaba sugerindo duas visões distintas dos papéis sexuais dos animais descritos nessas matérias: um viés puramente estratégico (falcões que agem como fêmeas para fugir dos concorrentes e ter acesso privilegiado às mesmas) e um viés afetivo (pinguins que se relacionam com outros do mesmo sexo por "opção").
No fim das contas, a descrição dos falcões machos "travestidos" de hoje se aproxima muito da realidade de certos eunucos da Antiguidade: castrados para tomar conta de esposas e concubinas dos reis, eles acabavam, no fim das contas, agradando a Gregos e Troianos (no sentido propriamente sexual). Só que no caso dos falcões, eles se travestem para agradar exclusivamente Gregos (ou Troianos, como queiram). Já com relação ao casal Pedro & Buddie, temo não haver outra alternativa: eles agora terão de agradar Gregos e Troianos, se quiserem realmente evitar a extinção da espécie.
terça-feira, 8 de novembro de 2011
Jornando no asteróide
Pronto, passou! E nada de anormal aconteceu. Não que não tenha acontecido eventos trágicos, impestivos ou tristes ao longo do dia de hoje. Mas isso sempre acontece, com ou sem a passagem do asteróide 2005 YU55, aquele que passaria (e de fato passou) a uma distância menor do que a que separa a Terra da lua.
Pois eu posso dizer que no espaço dos 325 mil km que nos separaram do 2005 YU55 precisamente às 21h28 (horário de Brasília) faltou mesmo foi lirismo (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1003781-em-rara-aproximacao-asteroide-passa-a-300-mil-km-da-terra-diz-nasa.shtml). Isso mesmo! Faltou poesia, versinhos, sonetos, operetas ou cantigas de ninar que falem de um asteróide esférico, cor de carvão, pobre fragmento errante que viaja só desde a formação do Sistema Solar há cerca de 4,5 bilhões de anos (http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2011/11/08/asteroide-passa-de-raspao-pela-terra-pouco-mais-de-325-mil-km-h-925766185.asp).
É muita solidão para um pequenino astro. Estava então prestes a imaginar um diálogo enternecido com o pobre 2005 YU55, quando uma coletânea de poemas de Wislawa Szymborska me cai no colo (obra do acaso quântico escondido na poeira do asteróide? Talvez). O problema é que alguém muito mais genial do que eu - a autora em questão - já tinha imaginado um diálogo com uma pedra. Neste diálogo entre uma poeta curiosa e um pedra durona, o desfecho é surpreendente.
O poema é o seguinte:
"Conversa com a Pedra
Bato à porta da pedra.
- Sou eu, me deixa entrar.
Quero penetrar no teu interior
olhar em volta,
te aspirar como o ar.
- Vai embora - diz a pedra. -
Sou hermeticamente fechada.
Mesmo partida em pedaços
seremos hermeticamente fechadas.
Mesmo reduzidas a pó
não deixaremos ninguém entrar.
Bato à porta da pedra.
- Sou eu, me deixa entrar.
Venho por curiosidade pura.
A vida é minha ocasião única.
Pretendo percorrer teu palácio
e depois visitar ainda a folha e a gota d'água.
Pouco tempo tenho para tudo isso.
Minha mortalidade devia te comover.
- Sou de pedra - diz a pedra -
e forçosamente devo manter a seriedade
Vai embora.
Não tenho o músculo do riso.
Bato à porta da pedra.
- Sou eu, me deixa entrar.
Soube que há em ti grandes salas vazias,
nunca vistas, inutilmente belas,
surdas, sem ecos de quaisquer passos.
Admite que mesmo tu sabes pouco disso.
- Salas grandes e vazias - diz a pedra -
mas nelas não há lugar.
Belas, talvez, mas para além do gosto
dos teus pobres sentidos.
Podes me reconhecer, nunca me conhecer.
Com toda a minha superfície me volto para ti
mas com todo o meu interior permaneço de costas.
Bato à porta da pedra.
- Sou eu, me deixa entrar.
Não busco em ti refúgio eterno.
Não sou infeliz.
Não sou uma sem-teto.
O meu mundo merece retorno.
Entro e saio de mãos vazias.
E para provar que de fato estive presente,
não apresentarei senão palavras,
a que ninguém dará crédito.
- Não vais entrar - diz a pedra. -
Te falta o sentido da participação.
Nenhum sentido te substitui o sentido da participação.
Mesmo a vista aguçada até a onividência
de nada te adianta sem o sentido da participação.
Não vais entrar, mal tens ideia desse sentido,
mal tens o seu germe, a sua concepção.
Bato à porta da pedra.
- Sou eu, me deixa entrar.
Não posso esperar dois mil séculos
para estar sob o teu teto.
- Se não me acreditas - diz a pedra -
fala com a folha, ela dirá o mesmo que eu.
Com a gota d'água, ela dirá o mesmo que a folha.
Por fim pergunta ao cabelo da tua própria cabeça.
O riso se expande em mim, o riso, um riso enorme,
eu que não sei rir.
Bato à porta da pedra.
- Sou eu, me deixa entrar.
- Não tenho porta - diz a pedra."
(Wyslawa Szymborska, Poemas. São Paulo, Companhia das Letras, 2011: 33-35).
Senhoras e senhores, uma coisa é certa: eu hoje daria tudo para ser esta pedra!
Pois eu posso dizer que no espaço dos 325 mil km que nos separaram do 2005 YU55 precisamente às 21h28 (horário de Brasília) faltou mesmo foi lirismo (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1003781-em-rara-aproximacao-asteroide-passa-a-300-mil-km-da-terra-diz-nasa.shtml). Isso mesmo! Faltou poesia, versinhos, sonetos, operetas ou cantigas de ninar que falem de um asteróide esférico, cor de carvão, pobre fragmento errante que viaja só desde a formação do Sistema Solar há cerca de 4,5 bilhões de anos (http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2011/11/08/asteroide-passa-de-raspao-pela-terra-pouco-mais-de-325-mil-km-h-925766185.asp).
É muita solidão para um pequenino astro. Estava então prestes a imaginar um diálogo enternecido com o pobre 2005 YU55, quando uma coletânea de poemas de Wislawa Szymborska me cai no colo (obra do acaso quântico escondido na poeira do asteróide? Talvez). O problema é que alguém muito mais genial do que eu - a autora em questão - já tinha imaginado um diálogo com uma pedra. Neste diálogo entre uma poeta curiosa e um pedra durona, o desfecho é surpreendente.
O poema é o seguinte:
"Conversa com a Pedra
Bato à porta da pedra.
- Sou eu, me deixa entrar.
Quero penetrar no teu interior
olhar em volta,
te aspirar como o ar.
- Vai embora - diz a pedra. -
Sou hermeticamente fechada.
Mesmo partida em pedaços
seremos hermeticamente fechadas.
Mesmo reduzidas a pó
não deixaremos ninguém entrar.
Bato à porta da pedra.
- Sou eu, me deixa entrar.
Venho por curiosidade pura.
A vida é minha ocasião única.
Pretendo percorrer teu palácio
e depois visitar ainda a folha e a gota d'água.
Pouco tempo tenho para tudo isso.
Minha mortalidade devia te comover.
- Sou de pedra - diz a pedra -
e forçosamente devo manter a seriedade
Vai embora.
Não tenho o músculo do riso.
Bato à porta da pedra.
- Sou eu, me deixa entrar.
Soube que há em ti grandes salas vazias,
nunca vistas, inutilmente belas,
surdas, sem ecos de quaisquer passos.
Admite que mesmo tu sabes pouco disso.
- Salas grandes e vazias - diz a pedra -
mas nelas não há lugar.
Belas, talvez, mas para além do gosto
dos teus pobres sentidos.
Podes me reconhecer, nunca me conhecer.
Com toda a minha superfície me volto para ti
mas com todo o meu interior permaneço de costas.
Bato à porta da pedra.
- Sou eu, me deixa entrar.
Não busco em ti refúgio eterno.
Não sou infeliz.
Não sou uma sem-teto.
O meu mundo merece retorno.
Entro e saio de mãos vazias.
E para provar que de fato estive presente,
não apresentarei senão palavras,
a que ninguém dará crédito.
- Não vais entrar - diz a pedra. -
Te falta o sentido da participação.
Nenhum sentido te substitui o sentido da participação.
Mesmo a vista aguçada até a onividência
de nada te adianta sem o sentido da participação.
Não vais entrar, mal tens ideia desse sentido,
mal tens o seu germe, a sua concepção.
Bato à porta da pedra.
- Sou eu, me deixa entrar.
Não posso esperar dois mil séculos
para estar sob o teu teto.
- Se não me acreditas - diz a pedra -
fala com a folha, ela dirá o mesmo que eu.
Com a gota d'água, ela dirá o mesmo que a folha.
Por fim pergunta ao cabelo da tua própria cabeça.
O riso se expande em mim, o riso, um riso enorme,
eu que não sei rir.
Bato à porta da pedra.
- Sou eu, me deixa entrar.
- Não tenho porta - diz a pedra."
(Wyslawa Szymborska, Poemas. São Paulo, Companhia das Letras, 2011: 33-35).
Senhoras e senhores, uma coisa é certa: eu hoje daria tudo para ser esta pedra!
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
Sinal dos tempos
Retiro tudo o que eu havia dito sobre o profeta do Fim do Mundo, Harold Camping (http://cronicasdejuvenal.blogspot.com/2011/04/camping-versus-shiva-o-grande-duelo.html). Tudo mesmo! É que eu acabo de descobrir que o mundo está acabando de verdade.
É que claro que, ao contrário de Camping, eu nem ouso a fixar uma data precisa. Mas a notícia que foi publicada hoje na seção Digital & Midia do O Globo online me deixou estarrecida a ponto de já poder ouvir da minha janela as trombetas do Armagedon!
Chupem essa manga: dois assaltos espectaculares - desses que não deixam nada a dever aos filmes de Hollywood - foram impetrados neste fim de semana na França. Agora pasmem! Sabem qual foi o objeto furtado? "Milhares de cópias do jogo Call of Duty: Modern Warfare 3, que será lançado na quarta-feira", isto é, depois de amanhã (http://oglobo.globo.com/tecnologia/mat/2011/11/07/milhares-de-copias-de-call-of-duty-modern-warfare-3-sao-roubadas-na-franca-as-vesperas-do-lancamento-925747547.asp).
Se bem que as cenas dos dois assaltos, tal como descritas na matéria, até mereciam virar roteiro de cinema: "no primeiro ataque, dois carros fecharam um caminhão que transportava uma carga com seis mil unidades do jogo por uma rodovia próxima a Paris. Mascarados e armados com facas e bombas de gás, os bandidos renderam o motorista e levaram o caminhão". Já o segundo ataque, que visou "um outro caminhão que entregaria os jogos em uma loja no distrito de Yvelines, na região metropolitana da capital, foi levado por três assaltantes armados".
Para quem já ouviu falar na saga de Ronald Biggs - ou pelo menos viu seu filho Mike cantando no Balão Mágico - há de concordar comigo que assaltar caminhões ou trens cargueiros em busca de dinheiro, ouro, joias ou pedras preciosas ficou parecendo coisa do tempo do onça (aquela unidade de peso do tempo da extração de ouro aqui nas Gerais).
Mas tanta manobra de risco e tanto esforço por conta de um simples joguinho? Bem... talvez valesse a pena dar uma olhada no conteúdo do joguinho para saber que "Call of Duty: Modern Warfare 3 é o mais novo título da série de jogos de tiro em primeira pessoa de maior sucesso na história". Não me supreenderia se os assaltantes do "O Call of Duty" tiverem sido treinados com versões anteriores do próprio jogo. Bem, aí, vocês hão de convir que o problema não é nem as seis mil cópias que caíram nas mãos dos assaltantes, mas as outras tantas que serão vendidas legalmente.
Enfim, enfim... Tomada de surpresa por este prenúncio de fim de mundo, fica aqui a minha pergunta, coroada de algum resto de lirismo que ainda me corre nas veias: "Existirmos: a que será que se destina?"
Diante do inexplicável (e irrespondível), deixemos o poeta nos embalar com seus versos, enquanto os anjos do apocalipse dançam cirandinha no céu.
É que claro que, ao contrário de Camping, eu nem ouso a fixar uma data precisa. Mas a notícia que foi publicada hoje na seção Digital & Midia do O Globo online me deixou estarrecida a ponto de já poder ouvir da minha janela as trombetas do Armagedon!
Chupem essa manga: dois assaltos espectaculares - desses que não deixam nada a dever aos filmes de Hollywood - foram impetrados neste fim de semana na França. Agora pasmem! Sabem qual foi o objeto furtado? "Milhares de cópias do jogo Call of Duty: Modern Warfare 3, que será lançado na quarta-feira", isto é, depois de amanhã (http://oglobo.globo.com/tecnologia/mat/2011/11/07/milhares-de-copias-de-call-of-duty-modern-warfare-3-sao-roubadas-na-franca-as-vesperas-do-lancamento-925747547.asp).
Se bem que as cenas dos dois assaltos, tal como descritas na matéria, até mereciam virar roteiro de cinema: "no primeiro ataque, dois carros fecharam um caminhão que transportava uma carga com seis mil unidades do jogo por uma rodovia próxima a Paris. Mascarados e armados com facas e bombas de gás, os bandidos renderam o motorista e levaram o caminhão". Já o segundo ataque, que visou "um outro caminhão que entregaria os jogos em uma loja no distrito de Yvelines, na região metropolitana da capital, foi levado por três assaltantes armados".
Para quem já ouviu falar na saga de Ronald Biggs - ou pelo menos viu seu filho Mike cantando no Balão Mágico - há de concordar comigo que assaltar caminhões ou trens cargueiros em busca de dinheiro, ouro, joias ou pedras preciosas ficou parecendo coisa do tempo do onça (aquela unidade de peso do tempo da extração de ouro aqui nas Gerais).
Mas tanta manobra de risco e tanto esforço por conta de um simples joguinho? Bem... talvez valesse a pena dar uma olhada no conteúdo do joguinho para saber que "Call of Duty: Modern Warfare 3 é o mais novo título da série de jogos de tiro em primeira pessoa de maior sucesso na história". Não me supreenderia se os assaltantes do "O Call of Duty" tiverem sido treinados com versões anteriores do próprio jogo. Bem, aí, vocês hão de convir que o problema não é nem as seis mil cópias que caíram nas mãos dos assaltantes, mas as outras tantas que serão vendidas legalmente.
Enfim, enfim... Tomada de surpresa por este prenúncio de fim de mundo, fica aqui a minha pergunta, coroada de algum resto de lirismo que ainda me corre nas veias: "Existirmos: a que será que se destina?"
Diante do inexplicável (e irrespondível), deixemos o poeta nos embalar com seus versos, enquanto os anjos do apocalipse dançam cirandinha no céu.
sexta-feira, 4 de novembro de 2011
Problemas de autoria indevida
Para falar discutir ciência é preciso ter rigor e método. A frase até parece um disparate de tão óbvia, mas não é. A falta de clareza quanto aos aspectos metodológicos demonstrada em certos artigos de divulgação científica foi a conclusão à qual cheguei após ler o artigo publicado na Folha online intitulado "Um em cada cinco estudos médicos tem autor indevido" (http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1001551-um-em-cada-cinco-estudos-medicos-tem-autor-indevido.shtml).
A matéria em questão replica dados de um estudo da Associação Médica Americana, que analisou seis periódicos internacionais de prestígio na área para chegar à seguinte conclusão: "Um em cada cinco artigos científicos das principais revistas médicas do mundo tem problemas de autoria".
Para quem chegou as franzir as sombrancelhas com o dado acima, cabe aqui algumas explicações. Duas classes de problemas de autoria são descritos no artigo: de um lado, a presença de autores "fantasma", "que participaram do trabalho, mas não são citados"; de outro, estão os chamados autores "indevidos", isto é, os "que assinam a pesquisa sem ter contribuído".
A questão, meu caro Watson, é saber como os autores do trabalho chegaram a essa conclusão. Uma subsessão da matéria, intitulada "metodologia", ficou encarregada dar o recado: "O levantamento dos dados da Associação Médica Americana foi feito por um questionário respondido por e-mail por 630 autores principais de trabalhos publicados em 2008 nas principais revistas médicas do mundo".
Como se teve acesso ao questionário e, portanto, à forma como a pergunta foi formulada para os autores principais, infelizmente teremos que trabalhar apenas com hipóteses de formulação do instrumento de coleta, tentando imaginar se são ou não são adequadas ao fim ao qual se prestaram.
Pois bem, a primeira pergunta que surge é de cunho estritamente ético: o que me garante que um autor que tenha incorrido em práticas de autoria indevida (ou que incorra regularmente) vá responder sincera e honestamente a um questionário que identifica esses mesmos delizes? Como a questão que está sendo formulada é de caráter intrisecamente ético e expõe o respondente ao julgo externo, o pressuposto de sinceridade na resposta deveria ser olhado com um olhos mais críticos e mais céticos. Não acreditar na neutralidade do instrumento de coleta - já que este pode interferir diretamente na realidade que tenta descrever - é o primeiro passo para se resguardar de uma visão que beira o "realismo" ingênuo.
O problema, por um lado, é que a matéria é superficial demais para que se tenha uma ideia mais palpável dos detalhes mais "técnicos" da enquete. Mas se o tal pressuposto de sinceridade tiver existido, isto é, se realmente acreditou-se que os respondentes falariam ou reconheceriam de maneira franca e aberta práticas que são comumente desqualificadas pelos parâmetros éticos do grupo ao qual pertencem, então a enquete já começou mal.
Mas vamos imaginar que este pressuposto não existiu e que se tentou, de fato, encontrar maneiras alternativas de identificar as práticas de autoria indevidas. Vamos imaginar, por exemplo, que ao invés de perguntar ao respondente se ele pratica ou já praticou este ou aquele ato eticamente condenável, passa-se a perguntar se ele tem conhecimento de alguém que o tenha feito. Esta formulação indireta é um pouco menos ingênua do que a primeira, mas não deixa de ter lá os seus próprios percalços: é que nessa fogueira de vaidades que é o meio acadêmico, apontar defeitos na publicação do seu concorrente ganha ares de "delação premiada".
Voltamos, portanto, à estaca zero: por falta de acesso ao instrumento de coleta, tecemos conjecturas que só podem ser respondidas com uma análise mais acurado do questionário empregado. A única coisa que se sabe, pela matéria, é que "os cientistas responderam a 30 questões sobre a definição dos autores dos estudos dos quais participaram. No resultado, 21% dos trabalhos apresentaram autoria indevida". E ponto final.
É claro que a matéria da Folha teve, pelo menos, o cuidado de procurar fontes no Brasil para discutir os problemas de autoria indevida. As questões levantadas pelas fontes brasileiras são pertinentes, mas nem por isso vão ao cerne da questão: como estes dados foram levantados pela Associação Médica Americana?
Uma coisa, no entanto, me parece certa: dificilmente alguém admitiria de maneira franca ter adotado práticas de autoria indevida, mesmo porque disso depende a sobrevida institucional do autor. Contar quando e como mentiu sobre a autoria de um artigo seria o mesmo que dar um tiro no pé; ou pior, seria matar a galinha dos ovos de ouro.
A matéria em questão replica dados de um estudo da Associação Médica Americana, que analisou seis periódicos internacionais de prestígio na área para chegar à seguinte conclusão: "Um em cada cinco artigos científicos das principais revistas médicas do mundo tem problemas de autoria".
Para quem chegou as franzir as sombrancelhas com o dado acima, cabe aqui algumas explicações. Duas classes de problemas de autoria são descritos no artigo: de um lado, a presença de autores "fantasma", "que participaram do trabalho, mas não são citados"; de outro, estão os chamados autores "indevidos", isto é, os "que assinam a pesquisa sem ter contribuído".
A questão, meu caro Watson, é saber como os autores do trabalho chegaram a essa conclusão. Uma subsessão da matéria, intitulada "metodologia", ficou encarregada dar o recado: "O levantamento dos dados da Associação Médica Americana foi feito por um questionário respondido por e-mail por 630 autores principais de trabalhos publicados em 2008 nas principais revistas médicas do mundo".
Como se teve acesso ao questionário e, portanto, à forma como a pergunta foi formulada para os autores principais, infelizmente teremos que trabalhar apenas com hipóteses de formulação do instrumento de coleta, tentando imaginar se são ou não são adequadas ao fim ao qual se prestaram.
Pois bem, a primeira pergunta que surge é de cunho estritamente ético: o que me garante que um autor que tenha incorrido em práticas de autoria indevida (ou que incorra regularmente) vá responder sincera e honestamente a um questionário que identifica esses mesmos delizes? Como a questão que está sendo formulada é de caráter intrisecamente ético e expõe o respondente ao julgo externo, o pressuposto de sinceridade na resposta deveria ser olhado com um olhos mais críticos e mais céticos. Não acreditar na neutralidade do instrumento de coleta - já que este pode interferir diretamente na realidade que tenta descrever - é o primeiro passo para se resguardar de uma visão que beira o "realismo" ingênuo.
O problema, por um lado, é que a matéria é superficial demais para que se tenha uma ideia mais palpável dos detalhes mais "técnicos" da enquete. Mas se o tal pressuposto de sinceridade tiver existido, isto é, se realmente acreditou-se que os respondentes falariam ou reconheceriam de maneira franca e aberta práticas que são comumente desqualificadas pelos parâmetros éticos do grupo ao qual pertencem, então a enquete já começou mal.
Mas vamos imaginar que este pressuposto não existiu e que se tentou, de fato, encontrar maneiras alternativas de identificar as práticas de autoria indevidas. Vamos imaginar, por exemplo, que ao invés de perguntar ao respondente se ele pratica ou já praticou este ou aquele ato eticamente condenável, passa-se a perguntar se ele tem conhecimento de alguém que o tenha feito. Esta formulação indireta é um pouco menos ingênua do que a primeira, mas não deixa de ter lá os seus próprios percalços: é que nessa fogueira de vaidades que é o meio acadêmico, apontar defeitos na publicação do seu concorrente ganha ares de "delação premiada".
Voltamos, portanto, à estaca zero: por falta de acesso ao instrumento de coleta, tecemos conjecturas que só podem ser respondidas com uma análise mais acurado do questionário empregado. A única coisa que se sabe, pela matéria, é que "os cientistas responderam a 30 questões sobre a definição dos autores dos estudos dos quais participaram. No resultado, 21% dos trabalhos apresentaram autoria indevida". E ponto final.
É claro que a matéria da Folha teve, pelo menos, o cuidado de procurar fontes no Brasil para discutir os problemas de autoria indevida. As questões levantadas pelas fontes brasileiras são pertinentes, mas nem por isso vão ao cerne da questão: como estes dados foram levantados pela Associação Médica Americana?
Uma coisa, no entanto, me parece certa: dificilmente alguém admitiria de maneira franca ter adotado práticas de autoria indevida, mesmo porque disso depende a sobrevida institucional do autor. Contar quando e como mentiu sobre a autoria de um artigo seria o mesmo que dar um tiro no pé; ou pior, seria matar a galinha dos ovos de ouro.
quinta-feira, 3 de novembro de 2011
Tombamentos de toda ordem
Cotinuando a conversa inciada na 6a feira passada, quando aquela diarista grávida que caiu do décimo andar de um prédio e saiu ilesa - ela e o bebê (http://cronicasdejuvenal.blogspot.com/2011/10/bendita-arvore.html).
Pois bem, ela teve alta hoje, segundo nota divulgada pelo Hoje em Dia online: "A diarista deixou o hospital por volta das 9 horas. De acordo com a Secretaria de Saúde de Santa Catarina, ela não sofreu nenhuma fratura e nas próximas semanas terá de ficar em repouso. O bebê passa bem" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/2.349/gravida-que-caiu-do-10-andar-recebe-alta-em-sc-1.364353). A jovem de 25 anos pode agora ir para casa gozar de seu mais que merecido repouso.
O mesmo não aconteceu com os moradores do bairro Glória, no Rio de Janeiro, que perderam o sono tentando entender um furto: "Uma estátua de ferro de 400 kg desapareceu misteriosamente de um casarão na Glória que abrigava o asilo São Cornélio, na zona sul do Rio, na madrugada desta quarta-feira" (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1001375-estatua-de-400-kg-desaparece-de-casarao-na-zona-sul-do-rio.shtml).
A pobre da estátua nada mais fazia do que ornar a entrada do asilo, uma construção do ano de 1868, que é tombada pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), mas que infelizmente beira também aquele outro tipo de tombamento. O depoimento é do delegado da Delegacia de Meio Ambiente e Patrimônio Histórico da Polícia Federal do Rio, Fábio Scliar, encarregado de investigar o caso: "Encontramos um quadro desolador. Parte do telhado está destruída, há infiltrações nas paredes [...]. O casarão está muito deteriorado."
Mas quando a questão é cobrar pela responsabilidade, a coisa vira um autêntico jogo de empurra-empurra: o delegado da PF acha que, para muito além do desaparecimento da estátua, é o estado de conservação do imóvel que merece ser investigado; para o IPHAN, a manutenção do casarão é de responsabilidade da Santa Casa de Misericórdia; e segundo a assessoria da Santa Casa, a responsabilidade pela manutenção do casarão de responsabilidade da empresa particular que aluga o imóvel.
E enquanto o joguinho corre solto, o casarão - já tombado e desfalcado de seu belo ornamento - corre o risco de tombar ainda mais: so que desta vez será irremediavelmente rumo ao chão. Se for este o caso, o know-how da diarista pouco poderá ajudar. É que ela foi amparada por um bendita árvore antes de chegar ao chão. Mas quantas árvores aparariam o descaso com patrimônio histórico mal-cuidado? Nem a Floresta Amazônica, penso eu.
Pois bem, ela teve alta hoje, segundo nota divulgada pelo Hoje em Dia online: "A diarista deixou o hospital por volta das 9 horas. De acordo com a Secretaria de Saúde de Santa Catarina, ela não sofreu nenhuma fratura e nas próximas semanas terá de ficar em repouso. O bebê passa bem" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/2.349/gravida-que-caiu-do-10-andar-recebe-alta-em-sc-1.364353). A jovem de 25 anos pode agora ir para casa gozar de seu mais que merecido repouso.
O mesmo não aconteceu com os moradores do bairro Glória, no Rio de Janeiro, que perderam o sono tentando entender um furto: "Uma estátua de ferro de 400 kg desapareceu misteriosamente de um casarão na Glória que abrigava o asilo São Cornélio, na zona sul do Rio, na madrugada desta quarta-feira" (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1001375-estatua-de-400-kg-desaparece-de-casarao-na-zona-sul-do-rio.shtml).
A pobre da estátua nada mais fazia do que ornar a entrada do asilo, uma construção do ano de 1868, que é tombada pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), mas que infelizmente beira também aquele outro tipo de tombamento. O depoimento é do delegado da Delegacia de Meio Ambiente e Patrimônio Histórico da Polícia Federal do Rio, Fábio Scliar, encarregado de investigar o caso: "Encontramos um quadro desolador. Parte do telhado está destruída, há infiltrações nas paredes [...]. O casarão está muito deteriorado."
Mas quando a questão é cobrar pela responsabilidade, a coisa vira um autêntico jogo de empurra-empurra: o delegado da PF acha que, para muito além do desaparecimento da estátua, é o estado de conservação do imóvel que merece ser investigado; para o IPHAN, a manutenção do casarão é de responsabilidade da Santa Casa de Misericórdia; e segundo a assessoria da Santa Casa, a responsabilidade pela manutenção do casarão de responsabilidade da empresa particular que aluga o imóvel.
E enquanto o joguinho corre solto, o casarão - já tombado e desfalcado de seu belo ornamento - corre o risco de tombar ainda mais: so que desta vez será irremediavelmente rumo ao chão. Se for este o caso, o know-how da diarista pouco poderá ajudar. É que ela foi amparada por um bendita árvore antes de chegar ao chão. Mas quantas árvores aparariam o descaso com patrimônio histórico mal-cuidado? Nem a Floresta Amazônica, penso eu.
terça-feira, 1 de novembro de 2011
Heranças e legados
Fonte: "Auto-retrato", feito por mim mesma (29-10-2011).
Dia de Finados, dia de velar pela memória dos nossos entes queridos que já fizeram a passagem deste plano para o(s) outro(s) lado(s).
Mas, para quem fica do lado de cá, a notícia publicada hoje na Folha online traz um novo alento: especialistas em "direito digital" afirmam que dados hospedados em sites e arquivos digitais já podem ser incluídos em testamentos no Brasil. "Ou seja, acervos de músicas, filmes, livros e documentos armazenados na nuvem, em serviços como iCloud, Dropbox e Google Docs, podem ser deixados a herdeiros" (http://www1.folha.uol.com.br/tec/1000274-no-brasil-heranca-digital-ja-pode-ser-incluida-em-testamentos.shtml).
Para quem ainda não gerou descendência como eu, a notícia é ao mesmo tempo motivo de alegria e aflição. Alegria de saber que as maltraçadas linhas deste blog podem virar "herança digital" e ir parar na mão de meus herdeiros. Aflição de ter que cooptar "herdeiros potenciais" para que o acervo seja mantido para as gerações futuras.
É com este intuito, portanto, que inicio desde já uma campanha de aliciamento das minhas duas sobrinhas, de 10 e 8 anos, respectivamente, cujos nomes reais omitirei para preservar-lhes a intimidade. Neste intuito, incluirei mais desenhos e mais ornamentos a fim de tornar este blog atrativo para elas.
Minha primeira tentativa de aliciamento começa, portanto, com a inclusão do meu auto-retrato - um deseinho de minha própria lavra - que passará a compor meu acervo digital. Com ele, deixo meu desejo desenfreado de continuar alçando vôos cada vez mais altos. Se possível, para um daqueles lugares psicológicos onde a imperam a serenidade e a paz de espírito e, principalmente, uma grande liberdade para consigo mesmo.
Dia de Finados, dia de velar pela memória dos nossos entes queridos que já fizeram a passagem deste plano para o(s) outro(s) lado(s).
Mas, para quem fica do lado de cá, a notícia publicada hoje na Folha online traz um novo alento: especialistas em "direito digital" afirmam que dados hospedados em sites e arquivos digitais já podem ser incluídos em testamentos no Brasil. "Ou seja, acervos de músicas, filmes, livros e documentos armazenados na nuvem, em serviços como iCloud, Dropbox e Google Docs, podem ser deixados a herdeiros" (http://www1.folha.uol.com.br/tec/1000274-no-brasil-heranca-digital-ja-pode-ser-incluida-em-testamentos.shtml).
Para quem ainda não gerou descendência como eu, a notícia é ao mesmo tempo motivo de alegria e aflição. Alegria de saber que as maltraçadas linhas deste blog podem virar "herança digital" e ir parar na mão de meus herdeiros. Aflição de ter que cooptar "herdeiros potenciais" para que o acervo seja mantido para as gerações futuras.
É com este intuito, portanto, que inicio desde já uma campanha de aliciamento das minhas duas sobrinhas, de 10 e 8 anos, respectivamente, cujos nomes reais omitirei para preservar-lhes a intimidade. Neste intuito, incluirei mais desenhos e mais ornamentos a fim de tornar este blog atrativo para elas.
Minha primeira tentativa de aliciamento começa, portanto, com a inclusão do meu auto-retrato - um deseinho de minha própria lavra - que passará a compor meu acervo digital. Com ele, deixo meu desejo desenfreado de continuar alçando vôos cada vez mais altos. Se possível, para um daqueles lugares psicológicos onde a imperam a serenidade e a paz de espírito e, principalmente, uma grande liberdade para consigo mesmo.
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