Ah, as ambiguidades! O que seria do mundo sem elas? No mínimo, seria um mundo com 50% a menos de piadas. E pelo menos uns 80% a mais de stress.
Que a publicidade brasileira sempre tenha explorado - e bem! - as ambiguidades da língua portuguesa, isso é fato sabido até pela minha finada avó, Dona Arlinda, que partiu dessa para melhor aos 94 anos. Mas existem ambiguidades e Ambiguidades, meu caro Watson. Isto é, existe algumas dignas de menção e reverência e outras que nos deixam perturbados.
A publicidade que expus logo acima (Revista Veja, 10-07-91, p. 52-53) é digna menção justamente por ter tocado em cheio nos meus brios anti-discriminatórios. Contudo, não vou fechar a questão sobre seu significado. Vou deixar a conclusão em aberto, na esperança de que o leitor amigo gaste pelo menos 5 minutinhos de seu precioso tempo para refletir sobre ela.
O título, a meu ver, leva a ambiguidade às últimas consequências: "A realidade é dura, negra, quadrada, estéreo e tem 29 polegadas", de acordo com o reclame. Obviamente, quis-se criar um estranhamento no leitor. E tal estranhamento se constrói numa continuidade de qualidades que supostamente descreveriam o substantivo "realidade". Ótimo, acho que todo mundo concorda com isso. A intenção da publicidade é realmente mostrar que a TV da Philco-Hitachi reproduz a realidade com o máximo de fidelidade possível.
Mas examinemos mais de perto o continuum dessas qualidades. O adjetivo "negra" é colocado entre dois outros termos com conotação claramente pejorativa. Ou alguém vai discordar que uma realidade "dura" e "quadrada" não tem nada de atraente? Pois bem, passemos logo ao ponto aonde quero chegar. Na verdade, esse alinhamento de qualidades parece sugerir uma continuidade de coisas ruins, que só surpreende o leitor quando as palavras "estéreo" e "29 polegadas" entram na jogada. Porque até então, todas as qualidades poderiam ser aplicadas a outras coisas que não uma TV.
Isto posto, tudo me leva a crer que a associação de qualidades com vistas a criar um estranhamento inicial - uma descrição da realidade tão negativa e incômoda - partia de um pressusposto básico: uma realidade "negra" não pretendia em hipótese alguma significar algo de bom. Não é à toa que ela vem acompanhada dos termos "dura" e "quadrada".
Concluindo: a meu ver, essa publicidade é calcada em um pressuposto sutilmente racista. Claro, nada, em princípio, atesta que o uso do termo "negra" carregue em si uma conotação negativa. Muito antes pelo contrário: é o contexto em que a associação de qualidades foi feita e o contexto em que ela vai ser lida que vão determinar se ela adquiriu ou não uma conotação negativa, naquele caso particular.
Diga-me com quem andas e lhe direi quem tu és, ó realidade negra! Ou será que são meus olhos que andam vendo demais???
A autora criou esse blog para divagar sobre o que lê diariamente nos jornais, com foco principalmente (mas não exclusivamente) na cobertura diária de ciência. Suas principais armas são a ironia de inspiração machadiana e um computador bacaninha (ela tirou o escorpião do bolso e comprou um de verdade). Ao citar alguma passagem, por favor, dê créditos para a autora: até para as grandes bobagens o direito autoral é inalienável.
quinta-feira, 30 de junho de 2011
quarta-feira, 29 de junho de 2011
O riso em situações adversas
Como experimentar o prazer e o riso em situação de adversidade?
Se você não conseguir responder a esta pergunta até o fim deste comentário, pelo menos vai poder entender, de uma vez por todas, por que as matérias de divulgação científica são sempre as melhores, na minha modesta opinião.
A ideia inicial dos cientistas britânicos da unidade de cognição e ciências cerebrais do Conselho de Pesquisas Médicas daquele país, de acordo com matéria veiculada no site O Globo online, era "ajudar a determinar se pacientes em estado vegetativo são capazes de experimentar emoções positivas" (http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2011/06/28/exame-de-ressonancia-mostra-como-cerebro-processa-piadas-924791209.asp#ixzz1QiTk3x3h).
Até aí, tudo bem. Mas é o caminho escolhido para a demonstração é que me fez rir (e você verá porque a reação é mais que óbvia): ao avaliar com o uso de ressonância magnética "o cérebro de 12 voluntários saudáveis", tentou-se verificar como estes reagiam a piadas.
Os achados da pesquisa são ainda mais hilários: "eles notaram que as áreas de recompensa no cérebro se acendem muito mais ao processarem piadas do que ao processarem uma fala normal". Em vernáculo vulgar, isto quer dizer basicamente que uma luzinha acendia em determinado lugar conforme a graça da piada.
Claro, como todo bom experimento científico (pois não se faz pesquisa qualitativa em vão nas áreas Biomédicas, como costuma acontecer nas Humanas...), as variáveis de controle foram escolhidas a dedo: para cada tipo de piada, encontrou-se um padrão de atividade cerebral. A conclusão é atribuída a um dos coordenadores do experimento, o Sr. Matt Davis, que "explicou que a resposta também era diferente quando frases que não eram engraçadas continham palavras com mais de um sentido".
Como pode notar o leitor atento, para se chegar à questão "pode alguém em estado vegetativo reagir a uma emoção positiva?" o caminho foi um tanto tortuoso. Antecipando essa crítica, o cooordenador da pesquisa se defende: "Mapear a forma como o cérebro processa as piadas e as frases mostra como a linguagem contribui para o prazer de entender uma piada. Podemos usar isso como parâmetro para entender como as pessoas que não conseguem se comunicar normalmente reagem a piadas". Ele só se esqueceu de me explicar em que medida um cérebro em estado vegetativo está propenso a manter as mesmas atividades cerebrais que os cérebros ditos "normais" - o que está longe de ser consenso na área, diga-se de passagem...(http://chrisbarnes.blogharbor.com/blog/_archives/2007/10/1/3264102.html).
Piadas longas, piadas curtas, piadas com efeitos sonoros, mímicas e suspense. Neurocientistas do mundo inteiro, entendam: em que pese a estrutura determinante da linguagem cerebral, a química da piada precisa de um meio condutor para acontecer e esse meio é a cultura. Polêmicas à parte, a motivação inicial da pesquisa não deixa de ter lá a sua relevância existencial. Rir em caso de adversidade é coisa para poucos. Espero, sinceramente, que ela passe a ser coisa para muitos.
Se você não conseguir responder a esta pergunta até o fim deste comentário, pelo menos vai poder entender, de uma vez por todas, por que as matérias de divulgação científica são sempre as melhores, na minha modesta opinião.
A ideia inicial dos cientistas britânicos da unidade de cognição e ciências cerebrais do Conselho de Pesquisas Médicas daquele país, de acordo com matéria veiculada no site O Globo online, era "ajudar a determinar se pacientes em estado vegetativo são capazes de experimentar emoções positivas" (http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2011/06/28/exame-de-ressonancia-mostra-como-cerebro-processa-piadas-924791209.asp#ixzz1QiTk3x3h).
Até aí, tudo bem. Mas é o caminho escolhido para a demonstração é que me fez rir (e você verá porque a reação é mais que óbvia): ao avaliar com o uso de ressonância magnética "o cérebro de 12 voluntários saudáveis", tentou-se verificar como estes reagiam a piadas.
Os achados da pesquisa são ainda mais hilários: "eles notaram que as áreas de recompensa no cérebro se acendem muito mais ao processarem piadas do que ao processarem uma fala normal". Em vernáculo vulgar, isto quer dizer basicamente que uma luzinha acendia em determinado lugar conforme a graça da piada.
Claro, como todo bom experimento científico (pois não se faz pesquisa qualitativa em vão nas áreas Biomédicas, como costuma acontecer nas Humanas...), as variáveis de controle foram escolhidas a dedo: para cada tipo de piada, encontrou-se um padrão de atividade cerebral. A conclusão é atribuída a um dos coordenadores do experimento, o Sr. Matt Davis, que "explicou que a resposta também era diferente quando frases que não eram engraçadas continham palavras com mais de um sentido".
Como pode notar o leitor atento, para se chegar à questão "pode alguém em estado vegetativo reagir a uma emoção positiva?" o caminho foi um tanto tortuoso. Antecipando essa crítica, o cooordenador da pesquisa se defende: "Mapear a forma como o cérebro processa as piadas e as frases mostra como a linguagem contribui para o prazer de entender uma piada. Podemos usar isso como parâmetro para entender como as pessoas que não conseguem se comunicar normalmente reagem a piadas". Ele só se esqueceu de me explicar em que medida um cérebro em estado vegetativo está propenso a manter as mesmas atividades cerebrais que os cérebros ditos "normais" - o que está longe de ser consenso na área, diga-se de passagem...(http://chrisbarnes.blogharbor.com/blog/_archives/2007/10/1/3264102.html).
Piadas longas, piadas curtas, piadas com efeitos sonoros, mímicas e suspense. Neurocientistas do mundo inteiro, entendam: em que pese a estrutura determinante da linguagem cerebral, a química da piada precisa de um meio condutor para acontecer e esse meio é a cultura. Polêmicas à parte, a motivação inicial da pesquisa não deixa de ter lá a sua relevância existencial. Rir em caso de adversidade é coisa para poucos. Espero, sinceramente, que ela passe a ser coisa para muitos.
terça-feira, 28 de junho de 2011
Sobre crianças e calamidades naturais
Os fãs mais ávidos das notícias sobre calamidades naturais - aqueles que acham que quanto mais anteciparem o fim do mundo, mais chances terão de saírem ilesos - jamais poderiam imaginar uma coisa dessas... Mas as maiores sequelas sociais ocasionadas pelas castástrofes naturais acontecem justamente quando as luzes e as câmeras de TV se apagam e a dura realidade de um local totalmente devastado deixa de ser notícia na imprensa de massa. É nesse momento, por exemplo, que outras "redes de ajuda" menos ortodoxas, como o tráfico de crianças, começam a trabalhar na surdina.
Matéria mais que oportuna do O Globo Online alerta que "redes de sequestro e desvio de crianças para adoção ilegal começam a aproveitar situações de calamidade para tentar agir no país" (http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2011/06/28/desastres-naturais-aumentam-risco-de-trafico-de-criancas-no-brasil-diz-secretaria-nacional-de-direitos-humanos-924784677.asp#ixzz1QczIEG7P).
Ainda segundo a matéria, a situação veio à tona na época dos desmoronamentos ocorridos na região serrana do Rio de Janeiro. De acordo com a coordenadora da Polícia de Convivência Familiar e Comunitária da Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SNDH), Alice Alvina, a adoção ilegal é a terceira maior causa de desaparecimento de crianças no mundo, atrás da exploração sexual e do tráfico de órgãos - isso sem contar com o crescimento dos sequestros vinculados à pedofilia. Do total das vítimas do tráfico de pessoas, 90% são do sexo feminino.
Uma forma de combater o tráfico de crianças, além da formação de um cadastro nacional de crianças desaparecidas, é a criação de um cadastro fotográfico dos alunos da rede de ensino pelo país afora. A razão? "Em muitos casos, quando uma criança desaparece, a maior dificuldade das autoridades é obter uma foto recente dela", explica a matéria. A ideia - que está sendo discutida pelo Ministério da Educação juntamente com as secretarias de cada estado e prefeituras - é que até 2012 todas as escolas no país tenham iniciado seu cadastro fotográfico.
E por falar em crianças em perigo, acabei de ler que o Papa Bento XVI - sempre cheio de dedos quando o assunto é investigação de casos de pedofilia pelo seu ditoso clero - andou twittando hoje pela primeira vez (http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2011/06/28/papa-bento-xvi-twitta-pela-primeira-vez-924788957.asp). Aliás, quem quiser acessar o perfil "@news_va_en" no Twitter terá a partir de hoje um canal a mais para pressionar a autoridade máxima da Igreja Católica. Pelo bem das crianças do mundo inteiro!
Matéria mais que oportuna do O Globo Online alerta que "redes de sequestro e desvio de crianças para adoção ilegal começam a aproveitar situações de calamidade para tentar agir no país" (http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2011/06/28/desastres-naturais-aumentam-risco-de-trafico-de-criancas-no-brasil-diz-secretaria-nacional-de-direitos-humanos-924784677.asp#ixzz1QczIEG7P).
Ainda segundo a matéria, a situação veio à tona na época dos desmoronamentos ocorridos na região serrana do Rio de Janeiro. De acordo com a coordenadora da Polícia de Convivência Familiar e Comunitária da Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SNDH), Alice Alvina, a adoção ilegal é a terceira maior causa de desaparecimento de crianças no mundo, atrás da exploração sexual e do tráfico de órgãos - isso sem contar com o crescimento dos sequestros vinculados à pedofilia. Do total das vítimas do tráfico de pessoas, 90% são do sexo feminino.
Uma forma de combater o tráfico de crianças, além da formação de um cadastro nacional de crianças desaparecidas, é a criação de um cadastro fotográfico dos alunos da rede de ensino pelo país afora. A razão? "Em muitos casos, quando uma criança desaparece, a maior dificuldade das autoridades é obter uma foto recente dela", explica a matéria. A ideia - que está sendo discutida pelo Ministério da Educação juntamente com as secretarias de cada estado e prefeituras - é que até 2012 todas as escolas no país tenham iniciado seu cadastro fotográfico.
E por falar em crianças em perigo, acabei de ler que o Papa Bento XVI - sempre cheio de dedos quando o assunto é investigação de casos de pedofilia pelo seu ditoso clero - andou twittando hoje pela primeira vez (http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2011/06/28/papa-bento-xvi-twitta-pela-primeira-vez-924788957.asp). Aliás, quem quiser acessar o perfil "@news_va_en" no Twitter terá a partir de hoje um canal a mais para pressionar a autoridade máxima da Igreja Católica. Pelo bem das crianças do mundo inteiro!
segunda-feira, 27 de junho de 2011
Sobre radares e imprudências no trânsito
Um par de telescópios robóticos da NASA identificou, na 4a feira da semana passada, a passagem de um asteróide próximo ao nosso querido planeta (http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2011/06/27/pequeno-asteroide-passara-perto-da-terra-nesta-segunda-feira-924770329.asp).
Apelidado "2011 MD", o asteróide possui a mesma dimensão de um ônibus e passará a uma distância de aproximadamente 12 mil KM da terra - distância considerada pequena, mas de pouco risco para a Terra .
Na verdade, a chamada da matéria do O Globo Online me encheu foi de esperança. Ótimo, pensei com os meus botões. Vamos ver se com ele eu consigo fugir do trânsito de Belo Horizonte.
Trânsito de roça grande tem seus percalços próprios. A verve centralista e autoritária do projeto de cidade que vingou no final do Séc. XIX, por exemplo, deixou herança no traçado da cidade. A prova disso é que basta um carrinho de pipoca estragar na calçada para todo o resto do trânsito naquela região e nas circunvizinhas ficar totalmente tumultuado. O que não dizer então de fatalidades mais sérias, como o motorista que sofreu enfarto dirigindo em plena avenida Afonso Pena esta manhã (http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/minas/acidente-com-morte-deixa-transito-lento-na-afonso-pena-1.301125).
Claro, esse acidente não passou de uma fatalidade. Mas vários outros não o são. A maioria é fruto da imprudência, da falta de atenção ou da agressividade gratuita. Foi para estes últimos, inclusive, que a BHTrans pretende instalar 60 radares em diversos pontos de alto risco na capital, 23 dos quais já estão vigorando a partir do dia de hoje, 27 de junho (http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/minas/radares-de-avanco-de-sinal-fecham-cerco-a-motoristas-infratores-1.301310).
"As alterações de locais dos aparelhos será feita, aleatoriamente, de acordo com a necessidade e mudança de comportamento dos motoristas", explica a matéria. Para os mais incorrigíveis, a onda dos radares vai ficar parecendo jogo de advinhação: "onde será que o radar vai estar esta noite?". Impossível saber de antemão. Melhor assim! E se acharem ruim, que voltem para casa de carona no 2011 MD.
Apelidado "2011 MD", o asteróide possui a mesma dimensão de um ônibus e passará a uma distância de aproximadamente 12 mil KM da terra - distância considerada pequena, mas de pouco risco para a Terra .
Na verdade, a chamada da matéria do O Globo Online me encheu foi de esperança. Ótimo, pensei com os meus botões. Vamos ver se com ele eu consigo fugir do trânsito de Belo Horizonte.
Trânsito de roça grande tem seus percalços próprios. A verve centralista e autoritária do projeto de cidade que vingou no final do Séc. XIX, por exemplo, deixou herança no traçado da cidade. A prova disso é que basta um carrinho de pipoca estragar na calçada para todo o resto do trânsito naquela região e nas circunvizinhas ficar totalmente tumultuado. O que não dizer então de fatalidades mais sérias, como o motorista que sofreu enfarto dirigindo em plena avenida Afonso Pena esta manhã (http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/minas/acidente-com-morte-deixa-transito-lento-na-afonso-pena-1.301125).
Claro, esse acidente não passou de uma fatalidade. Mas vários outros não o são. A maioria é fruto da imprudência, da falta de atenção ou da agressividade gratuita. Foi para estes últimos, inclusive, que a BHTrans pretende instalar 60 radares em diversos pontos de alto risco na capital, 23 dos quais já estão vigorando a partir do dia de hoje, 27 de junho (http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/minas/radares-de-avanco-de-sinal-fecham-cerco-a-motoristas-infratores-1.301310).
"As alterações de locais dos aparelhos será feita, aleatoriamente, de acordo com a necessidade e mudança de comportamento dos motoristas", explica a matéria. Para os mais incorrigíveis, a onda dos radares vai ficar parecendo jogo de advinhação: "onde será que o radar vai estar esta noite?". Impossível saber de antemão. Melhor assim! E se acharem ruim, que voltem para casa de carona no 2011 MD.
sexta-feira, 24 de junho de 2011
Nobreza e reverência
Assim... globalmente falando, eu tenho uma grande preguiça da nobreza!
Não acho a menor graça em casamentos reais, não acredito em linhagem, nem em privilégio de sangue. Acho que procedência é coisa para ser olhada, quando muito, em cavalo e boi; e por melhor que ela fosse, todo ser humano deveria ter chances iguais de se dar bem nesse mundo.
Porém, tem um sentido específico da palavra "nobreza" do qual não consigo me desvencilhar, apesar dos meus brios republicanos. Ele tem a ver com uma espécie de superioridade moral que, em princípio, não depende de hereditariedade, podendo (e devendo) ser cultivada pela vida afora. Com alguma licença poética, podemos até emprestar um sentido mais igualitário ao termo e nele ver um misto de elevação de sentimentos, generosidade e grandeza de espírito, totalmente livres das amarras da origem.
O mais interessante, a meu ver, é que "nobreza" guarda também uma conexão íntima com a palavra "reverência". Esta última, coitada, por ser injustamente associada à "submissão", corre o risco de acabar seus dias na lata de lixo dos usos e costumes. Acho, inclusive, que essa cassação sumária da "reverência" está assentada em um erro interpretativo crasso: porque se nos fiarmos naquela acepção mais iguálitária de nobreza que tanto gosto, nobre não é aquele aceita reverências; nobre é aquele que sabe fazê-las a quem de direito. Trocando em miúdos: reverenciar a grandeza alheia é também sinal de grandeza interior.
Isto posto, não posso deixar de dar crédito à reverência prestada pelos bombeiros do Rio de Janeiro na manhã desta 6a feira: 75 homens da corporação doaram sangue no Hemorio nesta manhã, em "agradecimento à população do Rio pelo apoio ao movimento da categoria, após a prisão de lideranças que reivindicavam reajuste salarial" (http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2011/06/24/estudante-que-disparou-chumbinho-em-criancas-mantinha-arsenal-de-verdade-em-casa-924761225.asp). Por ser a causa nobre e a greve justa, a população do Rio que contrariou o boicote de uma boa parte da imprensa nacional para se posicionar a favor da categoria. Palmas para ela. Nobre gesto digno de reverência.
Nada a ver, contudo, o gesto espúrio (pensei em outros termos mais vulgares, mas desistir de postá-los) do estudante de Direito Lucas Corrêa Bontempo Leite - guardem bem esse nome, pois daqui a alguns anos ele estará no mercado de trabalho (http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2011/06/24/estudante-que-disparou-chumbinho-em-criancas-mantinha-arsenal-de-verdade-em-casa-924761225.asp).
De linhagem (ao menos em princípio) "nobre" - dado que o meliante em questão é "filho de médicos", de acordo com a matéria do O Globo online - Leite prestou-se ao desserviço de "testar" uma arma carregada com chumbinho em três crianças que brincavam em um praça próxima de sua residência, em Santo André (SP). "Segundo testemunhas, ele disparou mais de uma vez em direção ao chafariz do parque, onde as crianças brincavam, e se escondeu".
Mas a bricandeira de mau-gosto não parou por aí. Numa varredura empreendida pela polícia militar, foi encontrado um verdadeiro arsenal na casa do infrator: "uma pistola automática, uma garrucha calibre 32, uma espingarda e um rifle para munição de chumbo. Também foram apreendidas uma máquina de choque, três punhais, cinco espadas, um machado de artes marciais, três canivetes e um soco inglês". É mole?
Se bem que o gesto irresponsável de Leite prestou ao menos um grande favor à população de Santo André. Visto que a atitude estúpida não deixou vítimas fatais, ela acabou possibilitando uma intervenção rápida e ativa da polícia. Afinal, antes agora do que mais tarde, quando ele obtivesse seu brevê de sniper.
Bom... se ele prestou mesmo um favor, que fique claro então que este foi totalmente destituído de nobreza. Sobrou-lhe arrogância e crença na impunidade. Duas atitudes, por sinal, bem características das pessoas que agem movidas por privilégios da origem... nada nobre!
Não acho a menor graça em casamentos reais, não acredito em linhagem, nem em privilégio de sangue. Acho que procedência é coisa para ser olhada, quando muito, em cavalo e boi; e por melhor que ela fosse, todo ser humano deveria ter chances iguais de se dar bem nesse mundo.
Porém, tem um sentido específico da palavra "nobreza" do qual não consigo me desvencilhar, apesar dos meus brios republicanos. Ele tem a ver com uma espécie de superioridade moral que, em princípio, não depende de hereditariedade, podendo (e devendo) ser cultivada pela vida afora. Com alguma licença poética, podemos até emprestar um sentido mais igualitário ao termo e nele ver um misto de elevação de sentimentos, generosidade e grandeza de espírito, totalmente livres das amarras da origem.
O mais interessante, a meu ver, é que "nobreza" guarda também uma conexão íntima com a palavra "reverência". Esta última, coitada, por ser injustamente associada à "submissão", corre o risco de acabar seus dias na lata de lixo dos usos e costumes. Acho, inclusive, que essa cassação sumária da "reverência" está assentada em um erro interpretativo crasso: porque se nos fiarmos naquela acepção mais iguálitária de nobreza que tanto gosto, nobre não é aquele aceita reverências; nobre é aquele que sabe fazê-las a quem de direito. Trocando em miúdos: reverenciar a grandeza alheia é também sinal de grandeza interior.
Isto posto, não posso deixar de dar crédito à reverência prestada pelos bombeiros do Rio de Janeiro na manhã desta 6a feira: 75 homens da corporação doaram sangue no Hemorio nesta manhã, em "agradecimento à população do Rio pelo apoio ao movimento da categoria, após a prisão de lideranças que reivindicavam reajuste salarial" (http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2011/06/24/estudante-que-disparou-chumbinho-em-criancas-mantinha-arsenal-de-verdade-em-casa-924761225.asp). Por ser a causa nobre e a greve justa, a população do Rio que contrariou o boicote de uma boa parte da imprensa nacional para se posicionar a favor da categoria. Palmas para ela. Nobre gesto digno de reverência.
Nada a ver, contudo, o gesto espúrio (pensei em outros termos mais vulgares, mas desistir de postá-los) do estudante de Direito Lucas Corrêa Bontempo Leite - guardem bem esse nome, pois daqui a alguns anos ele estará no mercado de trabalho (http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2011/06/24/estudante-que-disparou-chumbinho-em-criancas-mantinha-arsenal-de-verdade-em-casa-924761225.asp).
De linhagem (ao menos em princípio) "nobre" - dado que o meliante em questão é "filho de médicos", de acordo com a matéria do O Globo online - Leite prestou-se ao desserviço de "testar" uma arma carregada com chumbinho em três crianças que brincavam em um praça próxima de sua residência, em Santo André (SP). "Segundo testemunhas, ele disparou mais de uma vez em direção ao chafariz do parque, onde as crianças brincavam, e se escondeu".
Mas a bricandeira de mau-gosto não parou por aí. Numa varredura empreendida pela polícia militar, foi encontrado um verdadeiro arsenal na casa do infrator: "uma pistola automática, uma garrucha calibre 32, uma espingarda e um rifle para munição de chumbo. Também foram apreendidas uma máquina de choque, três punhais, cinco espadas, um machado de artes marciais, três canivetes e um soco inglês". É mole?
Se bem que o gesto irresponsável de Leite prestou ao menos um grande favor à população de Santo André. Visto que a atitude estúpida não deixou vítimas fatais, ela acabou possibilitando uma intervenção rápida e ativa da polícia. Afinal, antes agora do que mais tarde, quando ele obtivesse seu brevê de sniper.
Bom... se ele prestou mesmo um favor, que fique claro então que este foi totalmente destituído de nobreza. Sobrou-lhe arrogância e crença na impunidade. Duas atitudes, por sinal, bem características das pessoas que agem movidas por privilégios da origem... nada nobre!
quinta-feira, 23 de junho de 2011
No túnel do tempo da publicidade 8
Publicidade e questões de gênero são, sem dúvida, temas que dão muito pano para manga.
No último comentário que fiz sobre publicidades de cigarro voltadas especificamente para o público feminino, lembrei que a indústria do tabaco passou a privilegiar as mulheres em função da sua maior propensão ao vício com o cigarro (http://cronicasdejuvenal.blogspot.com/2011/06/no-tunel-do-tempo-da-publicidade-7.html).
Bem, por mais excusos que fossem os motivos que levassem a indústria do tabaco a privilegiar o público consumidor feminino, ao menos em um aspecto aquelas publicidades eram mais respeitossas do que outras veículadas na mesma época: nas primeiras, a mulher era considerada um pólo decisório importante no processo de consumo, ao passo que, nas últimas, ela encarnava o próprio objeto de desejo, numa complexa rede de significados que a relacionavam com um produto específico.
As publicidades que mostrarei mais abaixo foram veículadas no início dos anos 1980 e dão uma dimensão do ponto ao qual a associação entre a mulher e o objeto de consumo pode chegar. Na verdade, essas publicidades constroem, expressam e reforçam um determinado imaginário masculino. O expectador ideal dessas publicidades, claro, são homens, ou melhor: elas se dirigem a uma parcela de homens com um perfil bastante definido. Vejamos como é esse imaginário por meio de alguns exemplos.
Exemplo 1: o homem potente (Revista Isto É, 23-10-85, p. 45)
Esta interessante publicidade de secadores da Philips consegue um feito publicitário inédito: associar, numa mesma publicidade, a potência sexual masculina a dois produtos diferentes - moto e secador de cabelo. Isso equivale a acender uma vela para o santo e outra para o diabo na mesma publicidade. Na pior das hipóteses, foram as motos que ganharam uma publicidade involuntária.
Reparem em duas sutilezas que fazem o elo com a potência sexual masculina: estar em cima de uma moto de 450cc a 140km/h; estar embaixo dos 1300 watts de potência do "hot machine". Alguma dúvida sobre a associação entre as duas experiências (estar ora embaixo, ora em cima) com a potência sexual do homem? Então dêem uma olhada na ilustração do secador: o cabo dobrável do secador remete a uma ereção. É muita sutileza para uma publicidade só, credo em cruz!
Exemplo 2: o homem poligâmico (Revista Isto É, 22-08-84, p. 12)
Senhoras e senhores: se nos fiarmos a esta publicidade da vodka Eristoff, o homem poligâmico é, antes de tudo, um homem ousado, um homem que consegue "sentir o prazer de seguir os próprios impulsos".
Compromissos? Só com ele mesmo, ressalta a publicidade. Basta olhar para a foto para concluir: "uma experiência é sempre uma experiência a mais". E s'imbora que a fila tá andando!
Exemplo no. 3: o homem de perspectiva (Revista Veja, 06-01-82, p. 5)
O Homem ao qual apela esta publicidade é basicamente um homem de perspectiva. E enquanto tal, ele sabe colocar seu objeto de interesse na posição que mais lhe convém.
A foto desta publicidade do jeans de lycra Beltramo não deixa a menor dúvida! Contra um bumbum desprevenido, nada como um expectador atento, cuidadoso e bem intencionado: "é bom prevenir os traseiros que usam jeans" contra "o falso índigo" que "desbota nas lavagens", alerta o reclame. Ai, ai... É tanto altruísmo que chega a me encher os olhos de lágrimas!... Passemos então à próxima publicidade.
Exemplo no. 4: o homem apaixonado por futebol (Revista Veja, 04-03-81, p.5)
Homem que é homem adora futebol! E homem que é homem mesmo, de verdade, vivencia sua paixão por futebol em todas as situações possíveis: até na hora de obter sua declaração de renda!
Essa pérola publicitária do Banco Bradesco é, sem dúvida, um hino de amor ao futebol. Aliás, esse banco só escala craque que "está treinado, atende rápido e domina a área". Alguma dúvida? Olhe bem para a moça da foto e veja se ela não te inspira confiança. A assinatura da marca diz tudo: "garantia de bons serviços". Com uma atendente dessas, derrubou na área do cliente Bradesco, é pênalti!
Passemos agora ao último exemplo da série.
Exemplo 5: o bom condutor (Revista Isto é, 21-10-81, p. 54)
A máxima da publicidade que apela ao protótipo do bom condutor é: "hay que endurecer, pero sin perder la ternura". Trocando em miúdos: até o mais macho dos machos deve saber ser bonzinho quando a ocasião lhe for favorável.
Portanto, machos do mundo inteiro, aprendam com a publicidade do cinturaço Pirelli, aquele que "é forte, mas ao mesmo tempo macio, segura bem nas curvas e ajuda a economizar combustível"! Tá aí a Kate Lyra que não me deixa mentir: "que categoria"!
No último comentário que fiz sobre publicidades de cigarro voltadas especificamente para o público feminino, lembrei que a indústria do tabaco passou a privilegiar as mulheres em função da sua maior propensão ao vício com o cigarro (http://cronicasdejuvenal.blogspot.com/2011/06/no-tunel-do-tempo-da-publicidade-7.html).
Bem, por mais excusos que fossem os motivos que levassem a indústria do tabaco a privilegiar o público consumidor feminino, ao menos em um aspecto aquelas publicidades eram mais respeitossas do que outras veículadas na mesma época: nas primeiras, a mulher era considerada um pólo decisório importante no processo de consumo, ao passo que, nas últimas, ela encarnava o próprio objeto de desejo, numa complexa rede de significados que a relacionavam com um produto específico.
As publicidades que mostrarei mais abaixo foram veículadas no início dos anos 1980 e dão uma dimensão do ponto ao qual a associação entre a mulher e o objeto de consumo pode chegar. Na verdade, essas publicidades constroem, expressam e reforçam um determinado imaginário masculino. O expectador ideal dessas publicidades, claro, são homens, ou melhor: elas se dirigem a uma parcela de homens com um perfil bastante definido. Vejamos como é esse imaginário por meio de alguns exemplos.
Exemplo 1: o homem potente (Revista Isto É, 23-10-85, p. 45)
Esta interessante publicidade de secadores da Philips consegue um feito publicitário inédito: associar, numa mesma publicidade, a potência sexual masculina a dois produtos diferentes - moto e secador de cabelo. Isso equivale a acender uma vela para o santo e outra para o diabo na mesma publicidade. Na pior das hipóteses, foram as motos que ganharam uma publicidade involuntária.
Reparem em duas sutilezas que fazem o elo com a potência sexual masculina: estar em cima de uma moto de 450cc a 140km/h; estar embaixo dos 1300 watts de potência do "hot machine". Alguma dúvida sobre a associação entre as duas experiências (estar ora embaixo, ora em cima) com a potência sexual do homem? Então dêem uma olhada na ilustração do secador: o cabo dobrável do secador remete a uma ereção. É muita sutileza para uma publicidade só, credo em cruz!
Exemplo 2: o homem poligâmico (Revista Isto É, 22-08-84, p. 12)
Senhoras e senhores: se nos fiarmos a esta publicidade da vodka Eristoff, o homem poligâmico é, antes de tudo, um homem ousado, um homem que consegue "sentir o prazer de seguir os próprios impulsos".
Compromissos? Só com ele mesmo, ressalta a publicidade. Basta olhar para a foto para concluir: "uma experiência é sempre uma experiência a mais". E s'imbora que a fila tá andando!
Exemplo no. 3: o homem de perspectiva (Revista Veja, 06-01-82, p. 5)
O Homem ao qual apela esta publicidade é basicamente um homem de perspectiva. E enquanto tal, ele sabe colocar seu objeto de interesse na posição que mais lhe convém.
A foto desta publicidade do jeans de lycra Beltramo não deixa a menor dúvida! Contra um bumbum desprevenido, nada como um expectador atento, cuidadoso e bem intencionado: "é bom prevenir os traseiros que usam jeans" contra "o falso índigo" que "desbota nas lavagens", alerta o reclame. Ai, ai... É tanto altruísmo que chega a me encher os olhos de lágrimas!... Passemos então à próxima publicidade.
Exemplo no. 4: o homem apaixonado por futebol (Revista Veja, 04-03-81, p.5)
Homem que é homem adora futebol! E homem que é homem mesmo, de verdade, vivencia sua paixão por futebol em todas as situações possíveis: até na hora de obter sua declaração de renda!
Essa pérola publicitária do Banco Bradesco é, sem dúvida, um hino de amor ao futebol. Aliás, esse banco só escala craque que "está treinado, atende rápido e domina a área". Alguma dúvida? Olhe bem para a moça da foto e veja se ela não te inspira confiança. A assinatura da marca diz tudo: "garantia de bons serviços". Com uma atendente dessas, derrubou na área do cliente Bradesco, é pênalti!
Passemos agora ao último exemplo da série.
Exemplo 5: o bom condutor (Revista Isto é, 21-10-81, p. 54)
A máxima da publicidade que apela ao protótipo do bom condutor é: "hay que endurecer, pero sin perder la ternura". Trocando em miúdos: até o mais macho dos machos deve saber ser bonzinho quando a ocasião lhe for favorável.
Portanto, machos do mundo inteiro, aprendam com a publicidade do cinturaço Pirelli, aquele que "é forte, mas ao mesmo tempo macio, segura bem nas curvas e ajuda a economizar combustível"! Tá aí a Kate Lyra que não me deixa mentir: "que categoria"!
quarta-feira, 22 de junho de 2011
Rodovia interditada e telhado furado
É, acho que andaram enterrando uma caveira de burro a cada quilômetro da BR-381!
Para a alegria dos viajantes do feriado prolongado (dentre os quais eu infelizmente não me incluo), a rodovia volta a ser interditada em véspera do feriado: "Uma peça da nova estrutura da ponte sobre o Rio das Velhas tombou de uma carreta, na altura do quilômetro 366, em São Gonçalo do Rio Abaixo, na Região Central do Estado, na tarde desta quarta-feira (22)", relata matéria do Hoje em Dia (http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/minas/peca-de-43-toneladas-cai-sobre-a-br-381-e-para-o-transito-na-rodovia-1.299080).
A peça em questão, para deixar todo mundo mais feliz ainda, mede 42m de cumprimento por 3,6m de largura, e pesa algo em torno de 43 toneadas. Dá para imaginar o tempo que leva para tirar uma peça dessas do caminho?
A outra notícia que me fez parar para pensar na vida foi essa da morte de dois adolescentes que caíram do telhado Shopping Pantanal, em Cuiabá (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/933846-dois-adolescentes-morrem-ao-cair-de-teto-de-shopping-em-cuiaba.shtml).
Eles faziam parte de um grupo de cinco adolescentes - duas meninas e três meninos - que se aventuraram a passar por uma área restrita do último andar do shopping, lá onde fica o maquinário de climatização, para tentar chegar a uma das salas de cinema. "Quando o grupo passou por um telhado, a estrutura não suportou o peso e eles caíram de uma altura de oito metros". O balanço desta trágica aventura: duas mortes, uma internação, e duas vítimas com escoriações leves.
Diante desses dois eventos, não pude, obviamente, deixar de pensar nos atrasos, nas quedas e nos vacilos que todos nós experimentamos durante nosso percurso nesse mundo (alguns deles custando nada menos do que a própria vida). Sim, porque os percalços que vivenciamos são da mesma ordem dos dois acidentes acima: ou algo nos cai sobre a cabeça, ou caímos nós mesmos, em função das nossas próprias atitudes.
Bem, se fizemos por merecer um ou outro evento, isso é uma outra questão que não me cabe aqui responder. Porque nem sei ao certo se percalços tem mesmo a ver com merecimento. Na falta de provas convincentes nesse sentido, prefiro pensar nas estratégias para a superação do problema.
Um recomeço, quem sabe? Talvez seja então necessário voltar ao comentário de ontem e dar mais graças à vida...
Para a alegria dos viajantes do feriado prolongado (dentre os quais eu infelizmente não me incluo), a rodovia volta a ser interditada em véspera do feriado: "Uma peça da nova estrutura da ponte sobre o Rio das Velhas tombou de uma carreta, na altura do quilômetro 366, em São Gonçalo do Rio Abaixo, na Região Central do Estado, na tarde desta quarta-feira (22)", relata matéria do Hoje em Dia (http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/minas/peca-de-43-toneladas-cai-sobre-a-br-381-e-para-o-transito-na-rodovia-1.299080).
A peça em questão, para deixar todo mundo mais feliz ainda, mede 42m de cumprimento por 3,6m de largura, e pesa algo em torno de 43 toneadas. Dá para imaginar o tempo que leva para tirar uma peça dessas do caminho?
A outra notícia que me fez parar para pensar na vida foi essa da morte de dois adolescentes que caíram do telhado Shopping Pantanal, em Cuiabá (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/933846-dois-adolescentes-morrem-ao-cair-de-teto-de-shopping-em-cuiaba.shtml).
Eles faziam parte de um grupo de cinco adolescentes - duas meninas e três meninos - que se aventuraram a passar por uma área restrita do último andar do shopping, lá onde fica o maquinário de climatização, para tentar chegar a uma das salas de cinema. "Quando o grupo passou por um telhado, a estrutura não suportou o peso e eles caíram de uma altura de oito metros". O balanço desta trágica aventura: duas mortes, uma internação, e duas vítimas com escoriações leves.
Diante desses dois eventos, não pude, obviamente, deixar de pensar nos atrasos, nas quedas e nos vacilos que todos nós experimentamos durante nosso percurso nesse mundo (alguns deles custando nada menos do que a própria vida). Sim, porque os percalços que vivenciamos são da mesma ordem dos dois acidentes acima: ou algo nos cai sobre a cabeça, ou caímos nós mesmos, em função das nossas próprias atitudes.
Bem, se fizemos por merecer um ou outro evento, isso é uma outra questão que não me cabe aqui responder. Porque nem sei ao certo se percalços tem mesmo a ver com merecimento. Na falta de provas convincentes nesse sentido, prefiro pensar nas estratégias para a superação do problema.
Um recomeço, quem sabe? Talvez seja então necessário voltar ao comentário de ontem e dar mais graças à vida...
terça-feira, 21 de junho de 2011
Sobre fins e recomeços
Pequenas mortes e recomeços acontecem aos borbotões, todos os dias. Mas só alguns deles nos fazem parar para pensar. Casos mais raros ainda são aqueles em que a morte dá margem à celebração da vida.
Por exemplo, a mulher mais velha do mundo - a Sra Maria Gomes Valentim, por sinal, mineira de Carangola - faleceu no auge dos seus 114 anos e 313 dias (morre-brasileira-de-114-anos-eleita-mulher-mais-velha-do-mundo-pelo-guinness-924734615). Ela teve a sorte de morrer a tempo de ser a primeira brasileira a provar sua longevidade ao Guiness Book of Records.
Aliás, se formos pensar bem, entrar para o Guiness por longevidade é uma verdadeira façanha: uma autêntica corrida contra o relógio, algo como marcar o gol nos últimos segundos da prorrogação. Uma existência dessas tem mais que ser comemorada, quem sabe até com uma cerveja Guiness, em homenagem ao grande feito.
No mesmo dia, em Curitiba, mulher dá à luz filha gerada por inseminação artificial (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/933267-mulher-da-a-luz-filha-gerada-com-semen-do-marido-morto.shtml). Até aí, nada demais.
A novidade aqui é que o pai biológico já falecido de câncer oito meses antes do início da gestação, justamente quando sua esposa, mãe da criança, fazia tratamento para engravidar. Para realizar o intento, foi necessário uma autorização da Justiça para que o sêmen do falecido pudesse ser utilizado na inseminação. O resultado prático dessa iniciativa é "um novo recomeço" para vida da mãe, segundo as palavras da própria.
Assim sendo, e aproveitando o súbito clima que otimismo que passou a reinar nesse blog, vou ficar por aqui, agradecendo à vida, mas reclamando só um pouquinho (que é para não perder o hábito): por que eu não nasci com uma voz dessas???
Por exemplo, a mulher mais velha do mundo - a Sra Maria Gomes Valentim, por sinal, mineira de Carangola - faleceu no auge dos seus 114 anos e 313 dias (morre-brasileira-de-114-anos-eleita-mulher-mais-velha-do-mundo-pelo-guinness-924734615). Ela teve a sorte de morrer a tempo de ser a primeira brasileira a provar sua longevidade ao Guiness Book of Records.
Aliás, se formos pensar bem, entrar para o Guiness por longevidade é uma verdadeira façanha: uma autêntica corrida contra o relógio, algo como marcar o gol nos últimos segundos da prorrogação. Uma existência dessas tem mais que ser comemorada, quem sabe até com uma cerveja Guiness, em homenagem ao grande feito.
No mesmo dia, em Curitiba, mulher dá à luz filha gerada por inseminação artificial (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/933267-mulher-da-a-luz-filha-gerada-com-semen-do-marido-morto.shtml). Até aí, nada demais.
A novidade aqui é que o pai biológico já falecido de câncer oito meses antes do início da gestação, justamente quando sua esposa, mãe da criança, fazia tratamento para engravidar. Para realizar o intento, foi necessário uma autorização da Justiça para que o sêmen do falecido pudesse ser utilizado na inseminação. O resultado prático dessa iniciativa é "um novo recomeço" para vida da mãe, segundo as palavras da própria.
Assim sendo, e aproveitando o súbito clima que otimismo que passou a reinar nesse blog, vou ficar por aqui, agradecendo à vida, mas reclamando só um pouquinho (que é para não perder o hábito): por que eu não nasci com uma voz dessas???
segunda-feira, 20 de junho de 2011
No espírito da lei
Tribunais e delegacias andam criando uma grande perplexidade nos leitores de jornais: ao que parece, espíritos humanos reencarnados em animais andam frequentando os recintos da lei. Já vou logo me explicando: duas notícias veiculadas no dia de hoje trazem à tona casos de reencarnação humana em animais (e vice-versa) jamais vistos antes nos autos legais!
A primeira notícia é resultado de uma espécie de "dança do dominó" das notícias de segunda mão. É que a matéria da Folha Online repassa notícia da agência France Presse que, por sua vez, cita o site de notícias israelense Ynet, para dar a conhecer ao mundo esta estranha notícia: cão de grande porte e raça indefinida foi condenado a apedrejamento por Tribunal Rabínico em Jerusalém (http://www1.folha.uol.com.br/bichos/932531-tribunal-ortodoxo-de-jerusalem-condena-cao-a-apedrejamento.shtml).
Se você já está achando a situação um tanto absurda - um tribunal condenar um cão à morte e por apedrejamento - aqui vão mais alguns agravantes: 1) o tribunal em questão julga litígios econômicos (!!!) em um bairro judeu ortodoxo; 2) o cão foi condenado por ter entrado no tribunal e atemorizado "os juízes e os presentes, permanecendo no local mesmo sendo ameaçado"; e 3) ele foi considerado a reencarnação presumida de um advogado (!!!!!!) blasfêmio.
Segundo a matéria, "um dos juízes presentes recordou então que há 20 anos, no mesmo tribunal, um célebre advogado fez insultos aos presentes, e por isso foi amaldiçoado pelos mesmos a reencarnar como cachorro após sua morte". Faltou eles dizerem qual foi o método de aferição utilizado para comprovar que aquele cachorro era a reencarnação daquele advogado, e não de algum outro.
Enquanto isso, aqui na nossa roça grande, também chamada de Belo Horizonte, um motorista é detido no bairro Prado com sinais de embriaguez (http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/minas/bebi-bebi-bebi-e-preso-novamente-dirigindo-bebado-1.297971).
O curriculum vitae do Sr. Elisson Alain Miranda, o infrator em questão, é extenso. Além de ter "atingido uma bomba de gasolina ao fazer uma manobra num posto de combustíveis", na manhã de hoje, 2a feira, ele já havia sido detido uma vez em 2009, por se recusar a pagar a conta em um posto de gasolina, dirigir em alta velocidade e fazer manobras perigosas; e duas vezes em 2008, respectivamente, por bater com sua picape em três carros parados próximo a uma loja de conveniência e por bater em um outro veículo quando dirigia na contramão.
Com uma trajetória dessas, o Sr. Miranda deveria levantar as mãos para o céus por não trazer na bagagem nenhum caso de óbito. Isto é, pelo menos por enquanto, se algo não for feito para tirá-lo das ruas.
Quanto à conduta do infrator no volante, ela não deixa a menor dúvida: ela é realmente a de um espírito de porco! Agora eu entendo porque dizem por aí que exite a lei e o espírito da lei.
A primeira notícia é resultado de uma espécie de "dança do dominó" das notícias de segunda mão. É que a matéria da Folha Online repassa notícia da agência France Presse que, por sua vez, cita o site de notícias israelense Ynet, para dar a conhecer ao mundo esta estranha notícia: cão de grande porte e raça indefinida foi condenado a apedrejamento por Tribunal Rabínico em Jerusalém (http://www1.folha.uol.com.br/bichos/932531-tribunal-ortodoxo-de-jerusalem-condena-cao-a-apedrejamento.shtml).
Se você já está achando a situação um tanto absurda - um tribunal condenar um cão à morte e por apedrejamento - aqui vão mais alguns agravantes: 1) o tribunal em questão julga litígios econômicos (!!!) em um bairro judeu ortodoxo; 2) o cão foi condenado por ter entrado no tribunal e atemorizado "os juízes e os presentes, permanecendo no local mesmo sendo ameaçado"; e 3) ele foi considerado a reencarnação presumida de um advogado (!!!!!!) blasfêmio.
Segundo a matéria, "um dos juízes presentes recordou então que há 20 anos, no mesmo tribunal, um célebre advogado fez insultos aos presentes, e por isso foi amaldiçoado pelos mesmos a reencarnar como cachorro após sua morte". Faltou eles dizerem qual foi o método de aferição utilizado para comprovar que aquele cachorro era a reencarnação daquele advogado, e não de algum outro.
Enquanto isso, aqui na nossa roça grande, também chamada de Belo Horizonte, um motorista é detido no bairro Prado com sinais de embriaguez (http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/minas/bebi-bebi-bebi-e-preso-novamente-dirigindo-bebado-1.297971).
O curriculum vitae do Sr. Elisson Alain Miranda, o infrator em questão, é extenso. Além de ter "atingido uma bomba de gasolina ao fazer uma manobra num posto de combustíveis", na manhã de hoje, 2a feira, ele já havia sido detido uma vez em 2009, por se recusar a pagar a conta em um posto de gasolina, dirigir em alta velocidade e fazer manobras perigosas; e duas vezes em 2008, respectivamente, por bater com sua picape em três carros parados próximo a uma loja de conveniência e por bater em um outro veículo quando dirigia na contramão.
Com uma trajetória dessas, o Sr. Miranda deveria levantar as mãos para o céus por não trazer na bagagem nenhum caso de óbito. Isto é, pelo menos por enquanto, se algo não for feito para tirá-lo das ruas.
Quanto à conduta do infrator no volante, ela não deixa a menor dúvida: ela é realmente a de um espírito de porco! Agora eu entendo porque dizem por aí que exite a lei e o espírito da lei.
sexta-feira, 17 de junho de 2011
Constrangimentos legais da vontade legítima
Opa, mais uma 6a feira! Este foi o último dia útil de uma semana longa, dessas que custam a passar. É que quando a gente espera da vida uma definição, ela custa mesmo a passar. É sempre assim.
Viver a vida em compasso de espera com certeza não é o melhor dos mundos, mas não é o pior também. É apenas uma fase de transição, uma passagem de algo para alguma coisa que não sabemos ainda o que é. Claro, sempre temos algumas projeções de como as coisas poderão se passar, ou, quando muito, de como a gente gostaria que elas acontecessem. Mas nunca sabemos, de antemão, com 100% de segurança, o que estar por vir. Manter a serenidade nesses momentos é essencial, senão a própria condição para a manutenção da sanidade. No final da contas, o grande desafio é saber balizar as vontades: nem todas podem ser satisfeitas, sempre. E a possibilidade da negação de uma vontade, mesmo eternamente presente no nosso cotidiano, nunca deixa de causar calafrios na coluna vertebral.
Foi ao sabor desses pensamentos que andei passeando pelas páginas dos jornais online de hoje. Uma notícia grotesca me fez parar e franzir a testa: tribunal italiano obriga casal a se separar porque ele, o marido, resolveu mudar de sexo (http://www1.folha.uol.com.br/bbc/931296-italia-obriga-casal-a-se-separar-apos-marido-mudar-de-sexo.shtml).
A decisão judicial cria um precedente interessante: se, por um lado, ela toma como base a ilegalidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo naquele país, por outro, não existe também nenhum imperativo legal que capaz de obrigar pessoas a se divorciarem contra a vontade delas. A questão, a meu ver, deveria ser analizada pela perspectiva do bom senso: gente, pra que mexer em time que tá ganhando? Deixem os dois (ou as duas) em paz, seja qual lá a opção sexual de cada um. E se a experiência não cabe na definição legal de uma relação conjugal, quem sabe não é chegada a hora de rever a própria definição?
Cotinuando a leitura, outra notícia relacionada com o constrangimento de uma vontade legítima: mulheres em Dubai saem em carreata para protestar contra proibição de dirigir carros no país(http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2011/06/17/mulheres-sauditas-desafiam-proibicao-de-dirigir-fazem-protesto-ao-volante-924706257.asp).
Aqui, o constrangimento não releva da esfera jurídica propriamente dita - já que a matéria do O Globo Online afirma não haver "lei específica contra motoristas do sexo feminino" - mas tão somente da esfera religiosa: alguém (muito provavelmente do sexo masculino) baixou um fatwa proibindo as mulheres de dirigirem veículos automotores.
Sem dúvida, os clérigos locais deram uma autêntica aula de hermenêutica contorcionista: é o famoso pega-estica-e-puxa (que não é o da Xuxa) com as palavras do Corão que os tem levado a impor tal norma. Quanta elasticidade interpretativa, Alá do céu! Moral da história: mulheres no volante, perigo constante. Nunca imaginei isso antes na minha vida, mas hoje eu assino embaixo desse ditado besta!
E para continuar no mesmo espírito da discussão, eu - que ia postar um vídeo do Eric Clapton cantando Layla - acabei constrangendo a minha própria vontade em prol de outro mais condizente com o tema do dia. Com vocês, "O Quereres", de Caetano Veloso:
"Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alto, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão (...)"
Viver a vida em compasso de espera com certeza não é o melhor dos mundos, mas não é o pior também. É apenas uma fase de transição, uma passagem de algo para alguma coisa que não sabemos ainda o que é. Claro, sempre temos algumas projeções de como as coisas poderão se passar, ou, quando muito, de como a gente gostaria que elas acontecessem. Mas nunca sabemos, de antemão, com 100% de segurança, o que estar por vir. Manter a serenidade nesses momentos é essencial, senão a própria condição para a manutenção da sanidade. No final da contas, o grande desafio é saber balizar as vontades: nem todas podem ser satisfeitas, sempre. E a possibilidade da negação de uma vontade, mesmo eternamente presente no nosso cotidiano, nunca deixa de causar calafrios na coluna vertebral.
Foi ao sabor desses pensamentos que andei passeando pelas páginas dos jornais online de hoje. Uma notícia grotesca me fez parar e franzir a testa: tribunal italiano obriga casal a se separar porque ele, o marido, resolveu mudar de sexo (http://www1.folha.uol.com.br/bbc/931296-italia-obriga-casal-a-se-separar-apos-marido-mudar-de-sexo.shtml).
A decisão judicial cria um precedente interessante: se, por um lado, ela toma como base a ilegalidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo naquele país, por outro, não existe também nenhum imperativo legal que capaz de obrigar pessoas a se divorciarem contra a vontade delas. A questão, a meu ver, deveria ser analizada pela perspectiva do bom senso: gente, pra que mexer em time que tá ganhando? Deixem os dois (ou as duas) em paz, seja qual lá a opção sexual de cada um. E se a experiência não cabe na definição legal de uma relação conjugal, quem sabe não é chegada a hora de rever a própria definição?
Cotinuando a leitura, outra notícia relacionada com o constrangimento de uma vontade legítima: mulheres em Dubai saem em carreata para protestar contra proibição de dirigir carros no país(http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2011/06/17/mulheres-sauditas-desafiam-proibicao-de-dirigir-fazem-protesto-ao-volante-924706257.asp).
Aqui, o constrangimento não releva da esfera jurídica propriamente dita - já que a matéria do O Globo Online afirma não haver "lei específica contra motoristas do sexo feminino" - mas tão somente da esfera religiosa: alguém (muito provavelmente do sexo masculino) baixou um fatwa proibindo as mulheres de dirigirem veículos automotores.
Sem dúvida, os clérigos locais deram uma autêntica aula de hermenêutica contorcionista: é o famoso pega-estica-e-puxa (que não é o da Xuxa) com as palavras do Corão que os tem levado a impor tal norma. Quanta elasticidade interpretativa, Alá do céu! Moral da história: mulheres no volante, perigo constante. Nunca imaginei isso antes na minha vida, mas hoje eu assino embaixo desse ditado besta!
E para continuar no mesmo espírito da discussão, eu - que ia postar um vídeo do Eric Clapton cantando Layla - acabei constrangendo a minha própria vontade em prol de outro mais condizente com o tema do dia. Com vocês, "O Quereres", de Caetano Veloso:
"Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alto, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão (...)"
quinta-feira, 16 de junho de 2011
No túnel do tempo da publicidade 7
(Fonte Revista Veja, 07-01-1981, contra-capa).
Agora é vez delas e do cigarro!
Lembram quando eu falei das propagandas do cigarro Hollywood e sua longa história de associação com esportes radicais? Se durante algum tempo e para um público mais amplo, o cigarro teve que se agarrar à aspiração humana à liberdade para se fazer aceito pelos consumidores, com as mulheres a coisa ganhou uma especidade de gênero: a propaganda dirigida especificamente ao público feminino teve que valorizar outros aspectos, tais como suavidade, mudança e afirmação de estilo.
No entanto, antes de passar ao conteúdo dessas publicidades, algumas menções ao contexto se fazem necessárias. Em primeiro lugar, as publicidades que mostrarei a seguir correspondem a algumas mudanças no padrão do próprio produto, que passa a incorporar menos alcatrão e nicotina com vistas a atender a esse público específico. Não é a toa, portanto, que pelo menos duas dessas publicidades valorizam as experiências de "mudança", como se às modificações no produto corresponder modificações no comportamento das consumidoras.
Neste contexto, mudar de cigarro e começar a fazer ginástica fazem parte do mesmo rol de mudanças.
(Fonte: Revista Veja, 01-07-1981, p.7)
(Fonte: Revista IstoÉ, 15-12-1982, p.5)
(Fonte: Revista Veja,26-09-1979, p.83)
(Fonte: Revista Manchete, 13-06-1981, p.106).
Vale aqui lembrar que a especificidade de gênero não foi isoladamente criada nem pelo produto, nem pela publicidade: existe uma dinãmica orgânica própria, específica das mulheres, no processamento da nicotina. Matéria citando estudo do Hospital do Câncer A. C. Camargo, de São Paulo, revela que "o tabaco gera nas mulheres efeitos mais intensos quando comparado aos homens, causando dificuldades adicionais para o abandono do vício"(http://www.diariodasaude.com.br/news.php?article=mulheres-tem-mais-dificuldade-de-abandonar-o-cigarro-do-que-os-homens&id=3967).
O que não deixa de ser, trocando em miúdos, uma forma torpe de "fidelização da clientela": publicidade específica para um público ainda mais propenso ao vício!
Agora é vez delas e do cigarro!
Lembram quando eu falei das propagandas do cigarro Hollywood e sua longa história de associação com esportes radicais? Se durante algum tempo e para um público mais amplo, o cigarro teve que se agarrar à aspiração humana à liberdade para se fazer aceito pelos consumidores, com as mulheres a coisa ganhou uma especidade de gênero: a propaganda dirigida especificamente ao público feminino teve que valorizar outros aspectos, tais como suavidade, mudança e afirmação de estilo.
No entanto, antes de passar ao conteúdo dessas publicidades, algumas menções ao contexto se fazem necessárias. Em primeiro lugar, as publicidades que mostrarei a seguir correspondem a algumas mudanças no padrão do próprio produto, que passa a incorporar menos alcatrão e nicotina com vistas a atender a esse público específico. Não é a toa, portanto, que pelo menos duas dessas publicidades valorizam as experiências de "mudança", como se às modificações no produto corresponder modificações no comportamento das consumidoras.
Neste contexto, mudar de cigarro e começar a fazer ginástica fazem parte do mesmo rol de mudanças.
(Fonte: Revista Veja, 01-07-1981, p.7)
(Fonte: Revista IstoÉ, 15-12-1982, p.5)
(Fonte: Revista Veja,26-09-1979, p.83)
(Fonte: Revista Manchete, 13-06-1981, p.106).
Vale aqui lembrar que a especificidade de gênero não foi isoladamente criada nem pelo produto, nem pela publicidade: existe uma dinãmica orgânica própria, específica das mulheres, no processamento da nicotina. Matéria citando estudo do Hospital do Câncer A. C. Camargo, de São Paulo, revela que "o tabaco gera nas mulheres efeitos mais intensos quando comparado aos homens, causando dificuldades adicionais para o abandono do vício"(http://www.diariodasaude.com.br/news.php?article=mulheres-tem-mais-dificuldade-de-abandonar-o-cigarro-do-que-os-homens&id=3967).
O que não deixa de ser, trocando em miúdos, uma forma torpe de "fidelização da clientela": publicidade específica para um público ainda mais propenso ao vício!
quarta-feira, 15 de junho de 2011
Antas solidárias
Em dia de eclipse lunar, tudo parece possível.
Leilão coloca a venda pinturas de 13 antas "artistas", em exposição a partir de hoje no Espaço Dom Pedro, Zoológico de São Paulo (http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2011/06/15/quadros-pintados-por-antas-vao-leilao-com-lance-minimo-de-200-em-sp-924689963.asp#ixzz1POIr34i1).
Não, meus senhores, não estou ofendendo os artistas. São antas mesmo, de casco e osso! "Radicadas" em seis zoológicos distintos nos Estados Unidos, as artistas produziram seus quadros a partir de uma técnica aparentemente simples: elas "pintaram os quadros com o focinho e com o queixo utilizando tinta orgânica e não-tóxica", estimuladas por "pequenos pedaços de frutas colocados juntos às telas, que ficavam nas mãos de tratadores".
Resultado: cada quadro será vendido por uma lance mínimo de R$200. "A proposta é que os animais que estão nos zoológicos ajudem os que estão na natureza. Antas ajudando antas", avisa a curadora da exposição "Antas Pintoras 2011", Patrícia Médici.
Enquanto isso, na sala sem justiça do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, em Brasília, um inquérito é instaurado para apurar a quebra de decoro parlamentar do deputado federal Jair Bolsonaro(PP-RJ) (http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/06/15/conselho-de-etica-da-camara-instaura-processo-contra-bolsonaro-924690316.asp).
A suposta quebra de decoro teria ocorridoem pelo menos duas ocasiões. Assim sendo, além de ter de se defeder da acusação de ter emitido declarações de teor racista e homofóbico em entrevista ao programa CQC, Bolsonaro terá de se justificar perante a comissão sobre uma série de ofensas que teriam sido proferidas contra a senadora Marinor Brito (PSOL-PA), durante uma reunião na Comissão de Direitos Humanos em que se discutia projeto de lei de criminalização da homofobia.
Os pormenores dessa discussão são atribuídos ao próprio deputado pela matéria do O Globo : "Às acusações, respondo com o vídeo", afirma o deputado. "Ela [senadora Marinor] se voltou para trás, dá um tapa, me xinga. Eu disse que ela não pode ver macho que fica doida. E que ela é muito feia. Estou tranquilo porque parlamentar é para falar e porque a maioria dos conselheiros é heterossexuais (sic!) e têm preocupação com os costumes e a família".
É, pelo teor do depoimento do deputado, a comissão vai ter que fazer muito esforço para não punir um réu confesso. E por falar em esforço, infelizmente, fãs e detratores mais contumazes do deputado terão que aguardar mais um pouco para ver o circo pegar fogo: é que o julgamento do Sr. Bolsonaro só sairá no próximo semestre, "devido às festas juninas e ao feriado de Corpus Christi". É o próprio presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PDT-BA), quem justifica: "É festa de São João. É impossível não participar quer seja político ou não".
Outro caso de solidariedade entre pares? Meus caros, em dia de eclipse lunar, tudo É possível!
Leilão coloca a venda pinturas de 13 antas "artistas", em exposição a partir de hoje no Espaço Dom Pedro, Zoológico de São Paulo (http://oglobo.globo.com/cidades/mat/2011/06/15/quadros-pintados-por-antas-vao-leilao-com-lance-minimo-de-200-em-sp-924689963.asp#ixzz1POIr34i1).
Não, meus senhores, não estou ofendendo os artistas. São antas mesmo, de casco e osso! "Radicadas" em seis zoológicos distintos nos Estados Unidos, as artistas produziram seus quadros a partir de uma técnica aparentemente simples: elas "pintaram os quadros com o focinho e com o queixo utilizando tinta orgânica e não-tóxica", estimuladas por "pequenos pedaços de frutas colocados juntos às telas, que ficavam nas mãos de tratadores".
Resultado: cada quadro será vendido por uma lance mínimo de R$200. "A proposta é que os animais que estão nos zoológicos ajudem os que estão na natureza. Antas ajudando antas", avisa a curadora da exposição "Antas Pintoras 2011", Patrícia Médici.
Enquanto isso, na sala sem justiça do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, em Brasília, um inquérito é instaurado para apurar a quebra de decoro parlamentar do deputado federal Jair Bolsonaro(PP-RJ) (http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/06/15/conselho-de-etica-da-camara-instaura-processo-contra-bolsonaro-924690316.asp).
A suposta quebra de decoro teria ocorridoem pelo menos duas ocasiões. Assim sendo, além de ter de se defeder da acusação de ter emitido declarações de teor racista e homofóbico em entrevista ao programa CQC, Bolsonaro terá de se justificar perante a comissão sobre uma série de ofensas que teriam sido proferidas contra a senadora Marinor Brito (PSOL-PA), durante uma reunião na Comissão de Direitos Humanos em que se discutia projeto de lei de criminalização da homofobia.
Os pormenores dessa discussão são atribuídos ao próprio deputado pela matéria do O Globo : "Às acusações, respondo com o vídeo", afirma o deputado. "Ela [senadora Marinor] se voltou para trás, dá um tapa, me xinga. Eu disse que ela não pode ver macho que fica doida. E que ela é muito feia. Estou tranquilo porque parlamentar é para falar e porque a maioria dos conselheiros é heterossexuais (sic!) e têm preocupação com os costumes e a família".
É, pelo teor do depoimento do deputado, a comissão vai ter que fazer muito esforço para não punir um réu confesso. E por falar em esforço, infelizmente, fãs e detratores mais contumazes do deputado terão que aguardar mais um pouco para ver o circo pegar fogo: é que o julgamento do Sr. Bolsonaro só sairá no próximo semestre, "devido às festas juninas e ao feriado de Corpus Christi". É o próprio presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PDT-BA), quem justifica: "É festa de São João. É impossível não participar quer seja político ou não".
Outro caso de solidariedade entre pares? Meus caros, em dia de eclipse lunar, tudo É possível!
terça-feira, 14 de junho de 2011
O grande baile das hemácias
Já faz dias que não comento um único artigo de vulgarização científica. Não que me faltasse vontade, mas é que eu andei tendo coisa mais interessante (ou mais absurda) para comentar nesses últimos dias. Só que a notícia que li agora há pouco na Folha Online, baseada em um artigo publicado na revista científica "Nature Photonics", me deu vontade de quebrar meu jejum de semanas.
A notícia em questão fala do brilhante (literalmente!) experimento dos cientistas Malte Gather e Seok Hyun Yun, do Wellman Center for Photomedicine do Hosptial Geral de Massachusetts (EUA): a programação genética de células do rim humano para a produção de luz laser (http://www1.folha.uol.com.br/bbc/929617-cientistas-programam-geneticamente-celula-para-emitir-luz-laser.shtml).
Mas como isso é possível? Segundo a matéria, as células do rim humano foram programadas geneticamente para produzirem uma proteína muito commum em águas-vivas - a Green Fluorescent Protein (GFP) - que, quando iluminadas por uma luz azul, são capazes de emitir luz verde fluorescente.
Até aí, tudo bem. O experimento, que tem seu quê de exotismo, também tem outro de utilidade: "em terapias baseadas em luz, diagnóstico e geração de imagens", cita a matéria, a luz é trazida de um ponto exterior para o tecido; agora, com esta nova técnica genética, a luz pode ser amplificada pelo próprio tecido, mesmo em cavidades mais profundas.
Bem, como eu ando caçando motivo para rir à toa (já que nem sempre esses motivos caem sentados no nosso colo), já pude prever uma série de incovenientes futuros com o advento da nova técnica:
1. Grande baile das hemácias na boca do Esôfago: as células do rim, apesar de convidadas, não conseguiriam se deslocar a tempo e chegariam quando o baile já tivesse acabado;
2. Na época de Natal, nunca teria proteína GFP que chegue para manter a decoração acesa;
3. Na hora "H" da fecundação do óvulo pelo espermatozóide, campeão da grande maratona intravaginal, é ela quem vai ficar segurando vela, ou melhor, luz verde fluorescente?
4. Quanto aos óvulos não-fecundados, estes serão ainda mais infelizes: eles não poderão dormir à noite por conta da luz fluorescente emitida pelas células renais; a menos, claro, que eles usem máscaras para dormir...
5. Quer cor será o xixi de quem tem proteína GFP nas células do rim? Verde fluorescente?
6. Haverá conversão em massa das células renais a alguma religião quando estas atingirem a Iluminação?
Por essas e outras tantas questões deixadas em aberto, vou preferir aguardar estudos comportamentais mais conclusivos. Uma boa noite para todos!
A notícia em questão fala do brilhante (literalmente!) experimento dos cientistas Malte Gather e Seok Hyun Yun, do Wellman Center for Photomedicine do Hosptial Geral de Massachusetts (EUA): a programação genética de células do rim humano para a produção de luz laser (http://www1.folha.uol.com.br/bbc/929617-cientistas-programam-geneticamente-celula-para-emitir-luz-laser.shtml).
Mas como isso é possível? Segundo a matéria, as células do rim humano foram programadas geneticamente para produzirem uma proteína muito commum em águas-vivas - a Green Fluorescent Protein (GFP) - que, quando iluminadas por uma luz azul, são capazes de emitir luz verde fluorescente.
Até aí, tudo bem. O experimento, que tem seu quê de exotismo, também tem outro de utilidade: "em terapias baseadas em luz, diagnóstico e geração de imagens", cita a matéria, a luz é trazida de um ponto exterior para o tecido; agora, com esta nova técnica genética, a luz pode ser amplificada pelo próprio tecido, mesmo em cavidades mais profundas.
Bem, como eu ando caçando motivo para rir à toa (já que nem sempre esses motivos caem sentados no nosso colo), já pude prever uma série de incovenientes futuros com o advento da nova técnica:
1. Grande baile das hemácias na boca do Esôfago: as células do rim, apesar de convidadas, não conseguiriam se deslocar a tempo e chegariam quando o baile já tivesse acabado;
2. Na época de Natal, nunca teria proteína GFP que chegue para manter a decoração acesa;
3. Na hora "H" da fecundação do óvulo pelo espermatozóide, campeão da grande maratona intravaginal, é ela quem vai ficar segurando vela, ou melhor, luz verde fluorescente?
4. Quanto aos óvulos não-fecundados, estes serão ainda mais infelizes: eles não poderão dormir à noite por conta da luz fluorescente emitida pelas células renais; a menos, claro, que eles usem máscaras para dormir...
5. Quer cor será o xixi de quem tem proteína GFP nas células do rim? Verde fluorescente?
6. Haverá conversão em massa das células renais a alguma religião quando estas atingirem a Iluminação?
Por essas e outras tantas questões deixadas em aberto, vou preferir aguardar estudos comportamentais mais conclusivos. Uma boa noite para todos!
segunda-feira, 13 de junho de 2011
Identidades roubadas
Alguém aí lembra uns dias atrás todo a celeuma criada em torno de uma suposta blogueira lésbica síria - Amina Abdallah - que teria sido também supostamente sequestrada por criticar o presidente Bashar al-Assad? Não? Então nem precisa lembrar! Mesmo porque ela não existe. Isso mesmo: ela foi a criação literário-ficcional de uma estudante americano de 40 anos, Tom MacMaster (http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2011/06/13/estudante-americano-assume-autoria-de-blogueira-gay-siria-que-teria-sido-sequestrada-924669270.asp).
Bem, todos sabemos que usar pseudôminos é coisa mais velha do que andar para frente. Assim fez Tomás Antônio Gonzaga com as os poemos satíricos Cartas Chilenas, numa estratégia deliberada para criticar o então governador de Minas Gerais, Luís da Cunha Menezes. A lista de adeptos de pseudônimos é extensa e nela entram outros nomes famosos como Emily Dickinson, Fernando Pessoa e até o grande mestre (salve, salve!) Machado de Assis. Até Cazuza já usou o Codinome Beija-flor em prosa e verso. O grande problema, a meu ver, da farsa identitária idealizada pelo americano mitômano não está no uso do pseudômino em si, mas em outros deslizes éticos que ele andou cometendo.
Em primeiro lugar, o blogueiro disfarçado de lésbica andou roubando a foto de uma mulher britânica para utilizá-la em seu blog, obviamente sem o consentimento da mesma (!!!!!). Desse deslize, ele se defende dizendo que já pediu desculpas.
Em segundo lugar, vem o argumento utilizado para justificar a utilização de uma identidade forjada. A matéria do O Globo transcreve o depoimento dado pelo blogueiro à BBC da seguinte forma: "Há alguns anos, em discussões sobre o Oriente Médio nos EUA, eu reparava que sempre que eu apresentava a minha opinião, alguém reagia, perguntando por que eu era antiamericano ou antisemita. Então, eu inventei essa personagem, para que as pessoas parassem de se importar com o interlocutor e começassem a prestar atenção nos fatos em si".
Se levarmos a sério o argumento, entenderemos que a idealização da identidade em questão - uma militante lésbica, crítica de um regime autoritário - foi utilizada como um subterfúgio para defender das possíveis críticas às suas posições. Aí, vocês poderiam dizer que até aqui a estratégia do blogueiro em nada difere daquela adotada nas Cartas Chilenas. E eu diria que sim, com uma única ressalva: Tomás Antônio Gonzaga o fez num contexto de dominação política em que a crítica era punida com a morte; o senhor MacMaster o fez com medo de responder pelo teor das suas próprias posições em um país laico e democrático (bem, pelo menos em princípio...). Entre um exemplo e outro, existe, portanto, duas diferenças básicas: o sistema político em voga em cada contexto e a responsabilidade assumida pelo autor pelos próprios atos. Essas duas "pequenas" diferenças separam um herói de um impostor.
Mas o mais grotesco mesmo dessa estratégia deliberada de querer se passar pelo que não é reside na dimensão ética dessa "adoção" identitária : utilizar da vulnerabilidade de uma determinada identidade em um dado contexto sócio-político - ser mulher e lésbica em um país muçulmano - para se promover. Pior, MacMaster quis vitimizar essa posição "subalterna" - já que uma suposta "prima" da falsa blogueira havia publicado um comentário no blog, dizendo que Amina havia sido sequestrada por seguranças do presidente Assad - para promover as suas próprias ideias acerca do regime sírio.
Moral da história: o que está a prêmio agora não é a cabeça da blogueira lésbica, mas a do próprio MacMaster, que desagradou profundamente os verdadeiros ativistas e blogueiros pró-direitos humanos sírios. O depoimento a seguir é atribuído a Sami Hamwi, ele próprio adepto de um pseudônimo e editor do site GayMiddleEast.com: "Os blogueiros na Síria estão tentando divulgar ao máximo o que está acontecendo no país. Temos que lidar com problemas muito maiores do que você (MacMaster) pode imaginar. Você nos prejudicou, colocou a vida de nós (ativistas) em perigo e nos deixou receosos em relação à nossa própria causa". É... Tem doido e mau-caráter para tudo neste mundo...
Bem, todos sabemos que usar pseudôminos é coisa mais velha do que andar para frente. Assim fez Tomás Antônio Gonzaga com as os poemos satíricos Cartas Chilenas, numa estratégia deliberada para criticar o então governador de Minas Gerais, Luís da Cunha Menezes. A lista de adeptos de pseudônimos é extensa e nela entram outros nomes famosos como Emily Dickinson, Fernando Pessoa e até o grande mestre (salve, salve!) Machado de Assis. Até Cazuza já usou o Codinome Beija-flor em prosa e verso. O grande problema, a meu ver, da farsa identitária idealizada pelo americano mitômano não está no uso do pseudômino em si, mas em outros deslizes éticos que ele andou cometendo.
Em primeiro lugar, o blogueiro disfarçado de lésbica andou roubando a foto de uma mulher britânica para utilizá-la em seu blog, obviamente sem o consentimento da mesma (!!!!!). Desse deslize, ele se defende dizendo que já pediu desculpas.
Em segundo lugar, vem o argumento utilizado para justificar a utilização de uma identidade forjada. A matéria do O Globo transcreve o depoimento dado pelo blogueiro à BBC da seguinte forma: "Há alguns anos, em discussões sobre o Oriente Médio nos EUA, eu reparava que sempre que eu apresentava a minha opinião, alguém reagia, perguntando por que eu era antiamericano ou antisemita. Então, eu inventei essa personagem, para que as pessoas parassem de se importar com o interlocutor e começassem a prestar atenção nos fatos em si".
Se levarmos a sério o argumento, entenderemos que a idealização da identidade em questão - uma militante lésbica, crítica de um regime autoritário - foi utilizada como um subterfúgio para defender das possíveis críticas às suas posições. Aí, vocês poderiam dizer que até aqui a estratégia do blogueiro em nada difere daquela adotada nas Cartas Chilenas. E eu diria que sim, com uma única ressalva: Tomás Antônio Gonzaga o fez num contexto de dominação política em que a crítica era punida com a morte; o senhor MacMaster o fez com medo de responder pelo teor das suas próprias posições em um país laico e democrático (bem, pelo menos em princípio...). Entre um exemplo e outro, existe, portanto, duas diferenças básicas: o sistema político em voga em cada contexto e a responsabilidade assumida pelo autor pelos próprios atos. Essas duas "pequenas" diferenças separam um herói de um impostor.
Mas o mais grotesco mesmo dessa estratégia deliberada de querer se passar pelo que não é reside na dimensão ética dessa "adoção" identitária : utilizar da vulnerabilidade de uma determinada identidade em um dado contexto sócio-político - ser mulher e lésbica em um país muçulmano - para se promover. Pior, MacMaster quis vitimizar essa posição "subalterna" - já que uma suposta "prima" da falsa blogueira havia publicado um comentário no blog, dizendo que Amina havia sido sequestrada por seguranças do presidente Assad - para promover as suas próprias ideias acerca do regime sírio.
Moral da história: o que está a prêmio agora não é a cabeça da blogueira lésbica, mas a do próprio MacMaster, que desagradou profundamente os verdadeiros ativistas e blogueiros pró-direitos humanos sírios. O depoimento a seguir é atribuído a Sami Hamwi, ele próprio adepto de um pseudônimo e editor do site GayMiddleEast.com: "Os blogueiros na Síria estão tentando divulgar ao máximo o que está acontecendo no país. Temos que lidar com problemas muito maiores do que você (MacMaster) pode imaginar. Você nos prejudicou, colocou a vida de nós (ativistas) em perigo e nos deixou receosos em relação à nossa própria causa". É... Tem doido e mau-caráter para tudo neste mundo...
sexta-feira, 10 de junho de 2011
Dos antídotos e outros auto-enganos
E eis que aqui finda uma semana estranha. Ficou na pele a sensação de ter sido assolada por um tornado de amplas proporções. Mas, passados os dias (e as turbulências), parece que entre mortos e feridos, todos se salvaram - exceto por algumas árvores caídas pelo chão após a chuva de ontem.
Mas só agora que as coisas parecem estar se acalmando é que percebi que uma estranha sensação me acompanhou a semana toda: foi como se uma nuvem de cinzas flutuasse, de fato, em cima da minha cabeça.
Na esperança de espantá-la de lá, tentei pensar em algumas coisas agradáveis. Por exemplo, acolhi com alegria o anúncio feito pelos jornais de que a nuvem de cinzas, responsável pelo atraso e cancelamento de diversos vôos, sairia de cima do Brazil ainda hoje, sexta-feira(http://oglobo.globo.com/economia/mat/2011/06/09/nuvem-de-cinzas-deve-sair-do-brasil-nesta-sexta-feira-companhias-aereas-retomam-voos-924654686.asp).
Também pensei, comovida, na absolvição dos pepinos, alfaces e tomates crus da lista de possíveis responsáveis pelo surto de E.coli na Alemanha(http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2011/06/10/brotos-cultivados-na-alemanha-sao-origem-mais-provavel-do-surto-de-coli-924657398.asp).
Num arroubo quase epifânico, cheguei a comemorar o recuo de 1,34% no preço do etanol, mesmo não tendo carro, nem moto (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/928530-preco-do-etanol-recua-134-na-semana-e-acumula-queda-de-17.shtml).
Finalmente, para acabar de vez com aquela nuvem tóxica pairando sobre os meus pensamentos, eis que resolvo sacar a derradeira arma letal. Com essa não tem erro, nem engano: com vocês, a genial, fabulosa, indescritível e inenarrável Nina Simone cantando "Ain't got no... I got life".
E para quem não sabe: essa letra sou eu!
Mas só agora que as coisas parecem estar se acalmando é que percebi que uma estranha sensação me acompanhou a semana toda: foi como se uma nuvem de cinzas flutuasse, de fato, em cima da minha cabeça.
Na esperança de espantá-la de lá, tentei pensar em algumas coisas agradáveis. Por exemplo, acolhi com alegria o anúncio feito pelos jornais de que a nuvem de cinzas, responsável pelo atraso e cancelamento de diversos vôos, sairia de cima do Brazil ainda hoje, sexta-feira(http://oglobo.globo.com/economia/mat/2011/06/09/nuvem-de-cinzas-deve-sair-do-brasil-nesta-sexta-feira-companhias-aereas-retomam-voos-924654686.asp).
Também pensei, comovida, na absolvição dos pepinos, alfaces e tomates crus da lista de possíveis responsáveis pelo surto de E.coli na Alemanha(http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2011/06/10/brotos-cultivados-na-alemanha-sao-origem-mais-provavel-do-surto-de-coli-924657398.asp).
Num arroubo quase epifânico, cheguei a comemorar o recuo de 1,34% no preço do etanol, mesmo não tendo carro, nem moto (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/928530-preco-do-etanol-recua-134-na-semana-e-acumula-queda-de-17.shtml).
Finalmente, para acabar de vez com aquela nuvem tóxica pairando sobre os meus pensamentos, eis que resolvo sacar a derradeira arma letal. Com essa não tem erro, nem engano: com vocês, a genial, fabulosa, indescritível e inenarrável Nina Simone cantando "Ain't got no... I got life".
E para quem não sabe: essa letra sou eu!
quinta-feira, 9 de junho de 2011
Você, a um click do estrelato!
Sorria: você pode estar sendo marcado! Não por mim, aqui, agora, mas por alguém no Facebook.
Eis aqui a bola da vez na edição da Folha Online de hoje: O Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, ligado ao Ministério da Justiça, em Brasília, andou notificando o Facebook por suposta quebra de sigilo dos dados dos usuários; ou melhor, por lançar uma ferramenta que marca o rosto dos usuários nas fotos, sem que estes tenham conhecimento do fato (http://www1.folha.uol.com.br/tec/927890-justica-notifica-facebook-por-violacao-de-privacidade.shtml).
Segundo a matéria, "há indícios de que a ferramenta viole a privacidade dos usuários porque permite que eles sejam marcados em fotos de álbuns de outras pessoas sem autorização". Para piorar a "situation" do Facebook, além da acusação de violação da privacidade, a empresa vai ter que se defender também da acusação de "modificação unilateral sem aviso prévio dos termos de uso da rede social".
Em tempos em que a pessoas fazem de tudo para aparecer um pouco, o fato pode até não chocar tantos usuários assim. O problema, meu caro Watson, é que o buraco é mais embaixo: alguém pode estar postando uma foto sua em outro perfil, e marcando a danada sem que você seja notificado. Lembra daquela fantasia absurdamente brega que você vestiu aos 12 numa gincana de colégio? Ou aquele porre homérico tomado aos 18, com você babando, desacordado, abraçado a um vaso de sambaia? Pois é, todos eles podem estar na roda, sem o seu conhecimento e/ou consentimento. Isso sem contar outras "cositas" piores, fotografadas em momentos íntimos, e que não deveriam nunca ir parar numa rede social onde família, amigos e colegas de trabalho passeiam diariamente.
Mas se você, depois de todo este terrorismo que acabo de fazer, ainda não ligou o desconfiômetro dos riscos que estamos todos correndo com essa ferramenta aí, então só me resta cantar aquela musiquinha do Zé Ramalho: "Ê ô ô, vida de gado. Povo marcado, ê, povo feliz." E se for me marcar, por favor, ao menos me notifique.
Eis aqui a bola da vez na edição da Folha Online de hoje: O Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, ligado ao Ministério da Justiça, em Brasília, andou notificando o Facebook por suposta quebra de sigilo dos dados dos usuários; ou melhor, por lançar uma ferramenta que marca o rosto dos usuários nas fotos, sem que estes tenham conhecimento do fato (http://www1.folha.uol.com.br/tec/927890-justica-notifica-facebook-por-violacao-de-privacidade.shtml).
Segundo a matéria, "há indícios de que a ferramenta viole a privacidade dos usuários porque permite que eles sejam marcados em fotos de álbuns de outras pessoas sem autorização". Para piorar a "situation" do Facebook, além da acusação de violação da privacidade, a empresa vai ter que se defender também da acusação de "modificação unilateral sem aviso prévio dos termos de uso da rede social".
Em tempos em que a pessoas fazem de tudo para aparecer um pouco, o fato pode até não chocar tantos usuários assim. O problema, meu caro Watson, é que o buraco é mais embaixo: alguém pode estar postando uma foto sua em outro perfil, e marcando a danada sem que você seja notificado. Lembra daquela fantasia absurdamente brega que você vestiu aos 12 numa gincana de colégio? Ou aquele porre homérico tomado aos 18, com você babando, desacordado, abraçado a um vaso de sambaia? Pois é, todos eles podem estar na roda, sem o seu conhecimento e/ou consentimento. Isso sem contar outras "cositas" piores, fotografadas em momentos íntimos, e que não deveriam nunca ir parar numa rede social onde família, amigos e colegas de trabalho passeiam diariamente.
Mas se você, depois de todo este terrorismo que acabo de fazer, ainda não ligou o desconfiômetro dos riscos que estamos todos correndo com essa ferramenta aí, então só me resta cantar aquela musiquinha do Zé Ramalho: "Ê ô ô, vida de gado. Povo marcado, ê, povo feliz." E se for me marcar, por favor, ao menos me notifique.
quarta-feira, 8 de junho de 2011
Pesos e medidas
Todos os dias, temos um punhado de razões para nos sentirmos tristes e alegres, confiantes e desesperançados, expansivos ou renitentes. Mas quase sempre a balança pesa para um lado só, via de regra o mais negativo deles.
Foi pensando nessas oscilações, que eu decidi fazer o comentário de hoje sobre o tema "pesos". Duas notícias tangenciando esse tema me chamaram a atenção no dia de hoje.
A primeira delas trata de uma expedição intitulada "Salve o Everest", com o objetivo de recolher o lixo da acumulado no monte de mesmo nome (http://www1.folha.uol.com.br/turismo/927103-alpinistas-retiram-oito-toneladas-de-lixo-do-monte-everest.shtml). Em sua maioria alpinistas, os integrantes da iniciativa "subiram 8.700 metros dos 8.848 da montanha mais alta do mundo, entre os dias 22 de abril e 28 de maio" deste ano e conseguiram retirar nada mais, nada menos, do que oito toneladas de lixo do alto da montanha mais alta do mundo. A maior parte do lixo - "que vai desde cilindros de oxigênio a bujões de combustível passando por latas e todo tipo de baterias, cordas e papéis" - estava acumulada naquele santuário turístico antes de 1996, quando uma legislação mais rigorosa foi implementada para impedir que o lixo se acumulasse nas montanhas.
Passemos agora à segunda notícia: bebê de dois anos cai de prédio de quatro andares hoje no Rio de Janeiro e sofre apenas arranhões (http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/noticias/brasil/bebe-de-dois-anos-cai-de-predio-e-sofre-apenas-arranh-es-1.291945). Após ser resgatado do telhado do segundo andar por um policial militar, o bebê foi levado ao hospital. Já os pais da criança, acusados de alcoolismo pela vizinhança, foram encaminhados à delegacia para prestarem depoimento.
De posse dessas informações, que peso você daria para cada um dos eventos? Pois saiba que esta é uma pergunta sem resposta pronta. "Oito toneladas" ou "alguns poucos quilos": o peso a ser conferido a cada evento não pode ser deduzido a partir de um dado isolado. Assim sendo, o peso do lixo encontrado nas montanhas geladas do Himalaia é impactante - oito toneladas! - mas ele refere-se, ao mesmo tempo, ao lixo que deixou de estar lá. O peso da criança que saiu ilesa de um suposto ato de irresponsabilidade dos pais é pequeno, mas foi por isso mesmo que o impacto da queda não causou maiores danos à vida do bebê.
Fato é que nessa vida, tudo é questão de perspectiva. Melhor assim do que o inverso: poucos quilos de lixo descendo do Himalaia poderia ser o desejável, mas uma queda com o impacto de oito toneladas seria morte na certa.
P.S.= No fundo, no fundo, este comentário apenas denuncia a minha total incapacidade de tirar alguma conclusão do meu dia de hoje. Na dúvida, continue na dúvida. Melhor assim do que o inverso! Vixe...
Foi pensando nessas oscilações, que eu decidi fazer o comentário de hoje sobre o tema "pesos". Duas notícias tangenciando esse tema me chamaram a atenção no dia de hoje.
A primeira delas trata de uma expedição intitulada "Salve o Everest", com o objetivo de recolher o lixo da acumulado no monte de mesmo nome (http://www1.folha.uol.com.br/turismo/927103-alpinistas-retiram-oito-toneladas-de-lixo-do-monte-everest.shtml). Em sua maioria alpinistas, os integrantes da iniciativa "subiram 8.700 metros dos 8.848 da montanha mais alta do mundo, entre os dias 22 de abril e 28 de maio" deste ano e conseguiram retirar nada mais, nada menos, do que oito toneladas de lixo do alto da montanha mais alta do mundo. A maior parte do lixo - "que vai desde cilindros de oxigênio a bujões de combustível passando por latas e todo tipo de baterias, cordas e papéis" - estava acumulada naquele santuário turístico antes de 1996, quando uma legislação mais rigorosa foi implementada para impedir que o lixo se acumulasse nas montanhas.
Passemos agora à segunda notícia: bebê de dois anos cai de prédio de quatro andares hoje no Rio de Janeiro e sofre apenas arranhões (http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/noticias/brasil/bebe-de-dois-anos-cai-de-predio-e-sofre-apenas-arranh-es-1.291945). Após ser resgatado do telhado do segundo andar por um policial militar, o bebê foi levado ao hospital. Já os pais da criança, acusados de alcoolismo pela vizinhança, foram encaminhados à delegacia para prestarem depoimento.
De posse dessas informações, que peso você daria para cada um dos eventos? Pois saiba que esta é uma pergunta sem resposta pronta. "Oito toneladas" ou "alguns poucos quilos": o peso a ser conferido a cada evento não pode ser deduzido a partir de um dado isolado. Assim sendo, o peso do lixo encontrado nas montanhas geladas do Himalaia é impactante - oito toneladas! - mas ele refere-se, ao mesmo tempo, ao lixo que deixou de estar lá. O peso da criança que saiu ilesa de um suposto ato de irresponsabilidade dos pais é pequeno, mas foi por isso mesmo que o impacto da queda não causou maiores danos à vida do bebê.
Fato é que nessa vida, tudo é questão de perspectiva. Melhor assim do que o inverso: poucos quilos de lixo descendo do Himalaia poderia ser o desejável, mas uma queda com o impacto de oito toneladas seria morte na certa.
P.S.= No fundo, no fundo, este comentário apenas denuncia a minha total incapacidade de tirar alguma conclusão do meu dia de hoje. Na dúvida, continue na dúvida. Melhor assim do que o inverso! Vixe...
terça-feira, 7 de junho de 2011
No túnel do tempo da publicidade 6
"Participação dinâmica na vida!". Esta frase foi extraída do trecho de um spot publicitário de TV de um certo produto. Durante pelo menos três décadas, o produto em questão foi associado a esportes radicais, gente jovem, bonita, sorridente. Em todas as campanhas, o dia estava invariavelmente azul e as paisagens eram quase todas paradisíacas. Quem, de posse dessas informações, se arriscaria a dizer o nome do produto?
Pois quem pensou no cigarro "Hollywood, o sucesso", acertou na mosca! Sim, meus caros leitores: até a proibição terminante da publicidade de cigarros em toda e qualquer mídia no Brasil, ocorrida no ano de 2000, a marca de cigarros Hollywood havia sido um ícone publicitário dos mais lembrados, capaz de associar (como nenhuma outra) "geração saúde" com "cigarro".
Se hoje a associação pode parecer absurda aos menores de 20 anos, cabe a todos nós todos tentarmos entender como as campanhas da Hollywood puderam permanecer no ar (e serem admiradas) durante tanto tempo.
Uma primeira explicação rápida e simplória insinuaria que a publicidade manipula tudo e consegue incutir qualquer coisa na cabeça das pessoas. Bola fora! Apesar de muito popular, essa linha de raciocínio não explica muita coisa. Aliás, ela não explica, a bem da verdade, nadica de nada! Ela pré-define o resultado de qualquer processo interpretativo da publicidade, independentemente do tempo e do lugar. Ou seja, ela é conceitualmente e empiricamente equivocada.
Uma segunda explicação, um pouco melhor do que a primeira, tentaria ao menos desmembrar dois aspectos importantes, que podem explicar uma boa parte da popularidade das publicidades daquela marca. Deve-se pensar, de um lado, no consumo da "publicidade Hollywood" e, de outro, no consumo do "cigarro Hollywood". Como assim? Em primeiro lugar, há que se verificar em que medida os amantes das publicidades da Hollywood tornaram-se efetivamente fumantes daquela marca. Eu, por exemplo, gostava da maioria e nem por isso me tornei fumante. E é bem provável que outros também não o tenham, mas para saber ao certo seriam necessários dados epidemiológicos mais robustos que permitissem alguma generalização. Mas este, porém, não é o foco da questão aqui. O nosso problema é entender a publicidade da Hollywood e o porquê do seu sucesso.
Uma terceira explicação, um pouquinho mais sofisticada, tem a ver com a dimensão do imaginário alavancada pelas publicidades da Hollywood. Se, por um lado, fica difícil imaginar que o cigarro pudesse um dia ter sido associado à saúde, por outro fica bem mais fácil entender porque cigarro estivesse sido associado, por exmeplo, à liberdade de ação, de movimento, à beleza, à alegria. Vendo as coisas sob esse ponto de vista, os esportes radicais foram realmente um prato cheio: experimentação, liberdade, curtição no meio de gente cujo padrão de beleza correspondia aos cânones dos filmes de Hollywood (talvez para fazer jus à marca... vai saber!). Assim sendo, os esportes nada mais foram o "elo simbólico" que possibilitou unir o produto "cigarro" aos valores e sentimentos que se quis ver suscitados na imagem publiciária.
Agora, se a pegadinha ainda cola, isso já é outro papo. Digamos, por ora, que o engodo durou no mínimo três décadas. Claro, desacreditar na associação entre esporte-cigarro-saúde ficou muito mais simples depois que a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu o tabagismo como "epidemia global" - responsável por algo em torno de 5 milhões de mortes no mundo somente no ano de 2008, "número bem superior à somatória dos óbitos provocados pela tuberculose, AIDS e malária" (http://airblog-pg.blogspot.com/2010/05/96-aspectos-epidemiologicos-do.html).
Enfim, ainda que a consciência dos riscos do cigarro seja muito maior hoje do que era quando a publicidade deste produto esteva liberada, pelo menos ficaram na memória aqueles belos spots de TV, todos eles regados com belas imagens e trilha sonora de tirar o chapéu. A ironia aqui fica por conta do objeto da própria publicidade: se não fosse o produto anunciado - o cigarro - diríamos que publicidade teria sido perfeita!
Com vocês, uma pequena coletânea de algumas publicidades da Hollywood veiculadas entre 1970 e 1999:
Pois quem pensou no cigarro "Hollywood, o sucesso", acertou na mosca! Sim, meus caros leitores: até a proibição terminante da publicidade de cigarros em toda e qualquer mídia no Brasil, ocorrida no ano de 2000, a marca de cigarros Hollywood havia sido um ícone publicitário dos mais lembrados, capaz de associar (como nenhuma outra) "geração saúde" com "cigarro".
Se hoje a associação pode parecer absurda aos menores de 20 anos, cabe a todos nós todos tentarmos entender como as campanhas da Hollywood puderam permanecer no ar (e serem admiradas) durante tanto tempo.
Uma primeira explicação rápida e simplória insinuaria que a publicidade manipula tudo e consegue incutir qualquer coisa na cabeça das pessoas. Bola fora! Apesar de muito popular, essa linha de raciocínio não explica muita coisa. Aliás, ela não explica, a bem da verdade, nadica de nada! Ela pré-define o resultado de qualquer processo interpretativo da publicidade, independentemente do tempo e do lugar. Ou seja, ela é conceitualmente e empiricamente equivocada.
Uma segunda explicação, um pouco melhor do que a primeira, tentaria ao menos desmembrar dois aspectos importantes, que podem explicar uma boa parte da popularidade das publicidades daquela marca. Deve-se pensar, de um lado, no consumo da "publicidade Hollywood" e, de outro, no consumo do "cigarro Hollywood". Como assim? Em primeiro lugar, há que se verificar em que medida os amantes das publicidades da Hollywood tornaram-se efetivamente fumantes daquela marca. Eu, por exemplo, gostava da maioria e nem por isso me tornei fumante. E é bem provável que outros também não o tenham, mas para saber ao certo seriam necessários dados epidemiológicos mais robustos que permitissem alguma generalização. Mas este, porém, não é o foco da questão aqui. O nosso problema é entender a publicidade da Hollywood e o porquê do seu sucesso.
Uma terceira explicação, um pouquinho mais sofisticada, tem a ver com a dimensão do imaginário alavancada pelas publicidades da Hollywood. Se, por um lado, fica difícil imaginar que o cigarro pudesse um dia ter sido associado à saúde, por outro fica bem mais fácil entender porque cigarro estivesse sido associado, por exmeplo, à liberdade de ação, de movimento, à beleza, à alegria. Vendo as coisas sob esse ponto de vista, os esportes radicais foram realmente um prato cheio: experimentação, liberdade, curtição no meio de gente cujo padrão de beleza correspondia aos cânones dos filmes de Hollywood (talvez para fazer jus à marca... vai saber!). Assim sendo, os esportes nada mais foram o "elo simbólico" que possibilitou unir o produto "cigarro" aos valores e sentimentos que se quis ver suscitados na imagem publiciária.
Agora, se a pegadinha ainda cola, isso já é outro papo. Digamos, por ora, que o engodo durou no mínimo três décadas. Claro, desacreditar na associação entre esporte-cigarro-saúde ficou muito mais simples depois que a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu o tabagismo como "epidemia global" - responsável por algo em torno de 5 milhões de mortes no mundo somente no ano de 2008, "número bem superior à somatória dos óbitos provocados pela tuberculose, AIDS e malária" (http://airblog-pg.blogspot.com/2010/05/96-aspectos-epidemiologicos-do.html).
Enfim, ainda que a consciência dos riscos do cigarro seja muito maior hoje do que era quando a publicidade deste produto esteva liberada, pelo menos ficaram na memória aqueles belos spots de TV, todos eles regados com belas imagens e trilha sonora de tirar o chapéu. A ironia aqui fica por conta do objeto da própria publicidade: se não fosse o produto anunciado - o cigarro - diríamos que publicidade teria sido perfeita!
Com vocês, uma pequena coletânea de algumas publicidades da Hollywood veiculadas entre 1970 e 1999:
segunda-feira, 6 de junho de 2011
Antes que o dia acabe!
Só para não perder o hábito do comentário diário!
Aqui vai uma palavrinha de última hora (e último minuto) sobre a greve dos bombeiros no Estado do Rio de Janeiro. No momento em que as autoridades daquele estado arrancam os pelinhos da cabeça com os atos de insubordinação do proletariado de farda vermelha, matéria da Folha Online expõe as discrepâncias do piso salarial entre os diversos estados (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/926235-bombeiros-do-pr-ba-mg-e-pe-ganham-o-dobro-do-que-os-do-rj.shtml).
Enquanto um bombeiro em início de carreira ganha, no Rio, o equivalente a R$950, seus comparsas de outros estados esbanjam os contra-cheques: R$ 1.948,23 para os da Bahia, R$ 2.041,74 para os de Minas e R$ 2.428,39 para os paranaenses.
Só que reivindicações salariais são como o vulcão Puyehue do Chile: mesmo quando entram em atividade num lugar, elas acabam também causando transtornos em outras paragens (http://www1.folha.uol.com.br/mundo/926221-cinzas-de-vulcao-ainda-causam-transtornos-no-sul-da-argentina.shtml). Assim como atividade do vulcão naquele país tem trazido consequências desastrosas para o turismo da vizinha Argentina, com cancelamento de vôos para Bariloche e outras cidades turísticas, as manifestações dos bombeiros no Rio acionaram a sirene de alerta da classe em outros estados como Minas Gerais, Pernambuco e Rio Grande do Sul, que prometem novas assembléias nos próximos dias.
Fica claro também que quando as desigualdades salariais ficam patentes a tal ponto, dar voz de prisão aos manifestantes é o mesmo que querer reter a erupção de um vulcão com uma rolha gigante. E mesmo se um artefato desses (uma rolha anti-erupção) existisse de fato, seu efeito seria totalmente inócuo: as cinzas serão expelidas com pressão igual ou até mesmo maior àquela empregada na repressão.
Portanto, autoridades do estado do Rio de Janeiro, muita atenção: a medida que as manifestações ganharem corpo nos demais estados, vai ser ainda mais difícil punir a insubordinação apenas com estalo do chicote. O certo é que, quando a lava rolar de verdade, não vai ter um só bombeiro na ativa querendo apagar esse fogo!
Aqui vai uma palavrinha de última hora (e último minuto) sobre a greve dos bombeiros no Estado do Rio de Janeiro. No momento em que as autoridades daquele estado arrancam os pelinhos da cabeça com os atos de insubordinação do proletariado de farda vermelha, matéria da Folha Online expõe as discrepâncias do piso salarial entre os diversos estados (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/926235-bombeiros-do-pr-ba-mg-e-pe-ganham-o-dobro-do-que-os-do-rj.shtml).
Enquanto um bombeiro em início de carreira ganha, no Rio, o equivalente a R$950, seus comparsas de outros estados esbanjam os contra-cheques: R$ 1.948,23 para os da Bahia, R$ 2.041,74 para os de Minas e R$ 2.428,39 para os paranaenses.
Só que reivindicações salariais são como o vulcão Puyehue do Chile: mesmo quando entram em atividade num lugar, elas acabam também causando transtornos em outras paragens (http://www1.folha.uol.com.br/mundo/926221-cinzas-de-vulcao-ainda-causam-transtornos-no-sul-da-argentina.shtml). Assim como atividade do vulcão naquele país tem trazido consequências desastrosas para o turismo da vizinha Argentina, com cancelamento de vôos para Bariloche e outras cidades turísticas, as manifestações dos bombeiros no Rio acionaram a sirene de alerta da classe em outros estados como Minas Gerais, Pernambuco e Rio Grande do Sul, que prometem novas assembléias nos próximos dias.
Fica claro também que quando as desigualdades salariais ficam patentes a tal ponto, dar voz de prisão aos manifestantes é o mesmo que querer reter a erupção de um vulcão com uma rolha gigante. E mesmo se um artefato desses (uma rolha anti-erupção) existisse de fato, seu efeito seria totalmente inócuo: as cinzas serão expelidas com pressão igual ou até mesmo maior àquela empregada na repressão.
Portanto, autoridades do estado do Rio de Janeiro, muita atenção: a medida que as manifestações ganharem corpo nos demais estados, vai ser ainda mais difícil punir a insubordinação apenas com estalo do chicote. O certo é que, quando a lava rolar de verdade, não vai ter um só bombeiro na ativa querendo apagar esse fogo!
sexta-feira, 3 de junho de 2011
No túnel do tempo da publicidade 5
É, os tempos estão mudando! Agora que o Brasil passou a reconhecer a união civil entre pessoas do mesmo sexo e que a modelo transexual Lea T andou causando furor no desfile da Fashion Rio desta semana, não pude me furtar a uma rápida pesquisa nos meus alfarrábios para ver o que houve de "quente" na publicidade brasilera no tocante à temática LGTB.
O balanço, acho, foi positivo. Pois saibam vocês que a primeira publicidade transexual da história da propaganda brasileira data do verão de 1984-85. Por essa, Lea T não esperava!
(Fonte: Revista Isto é - 26-12-1984, p. 14)
O balanço, acho, foi positivo. Pois saibam vocês que a primeira publicidade transexual da história da propaganda brasileira data do verão de 1984-85. Por essa, Lea T não esperava!
(Fonte: Revista Isto é - 26-12-1984, p. 14)
quinta-feira, 2 de junho de 2011
Professores no meu condomínio!
Um comentário pouco antes das 12 badaladas, só para não deixar passar o dia em brancas nuvens.
Notícia da Folha Online celebra a novidade: professores de educação física podem ser contratados pelo condomínio de prédios residenciais (http://classificados.folha.com.br/imoveis/924049-professor-de-educacao-fisica-pode-ser-contratado-para-aula-em-condominio.shtml).
"Mas qual o problema?", perguntariam os mais incautos. Ora, não bastasse o estado de clausura ao qual as pessoas com algum poder econômico vêm se submetendo há algum tempo - a maioria alegando preocupações com a segurança - o processo de feudalização ganha seu ápice nessa versão perversa de como lidar com os espaços reservados: "para melhorar a relação custo-benefício do condomínio", reza a matéria, "os condôminos podem se reunir e contratar professores de educação física ou especialistas em recreação infantil para ter a comodidade dos serviços 'em casa'".
Com o andar da carruagem, em breve a pracinha - aquele lugar que no passado podia ter formato redondo ou quadrado, onde a pessoas se encontravam, passeavam, paqueravam, socializavam - vai virar peça de museu. Bobeando, daqui a pouco até padaria vai passar para o lado de dentro da cerca do condomínio (isso, se já não passou há muito tempo e eu tô aqui comendo mosca!).
Mas as bizarrices da matéria (e das práticas que ela relata) não param por aí. Além de oferecer uma cotação média da hora-aula do dito professor - a "bagatela" de R$ 90! - a matéria traz uma recomendação do diretor de condomínios do Secovi-SP, Sérgio Meira de Castro Neto, que dá margem para interpretações dúbias: "Como o profissional vai frequentar assiduamente o local, ele poderá alegar que possui vínculo empregatício com o condomínio", avisa o especialista na questão.
E ainda que a matéria sugira explicitamente que a decisão deva ser tomada "em reunião entre os usuários do serviço a forma de pagamento do profissional e o modo de contratação", já dá para visualizar a solução aplicada concretamente em casos como este: contrate, mas não gere vínculo empregatício, senão fica caro demais! Legal mesmo é ser chique, ter serviços de primeira e pagar preços de terceira. De preferência, parcelado em 800 vezes no cartão Ouro Master!
Vejam bem: não que eu seja contra a contratação de professores pelos condomínios. Não, de modo algum! Eu mesma, no dia em que me inscrever no "Minha casa, minha vida" e empenhar as minhas (por hora) inexistantes economias em um apartamento, também vou votar na primeira reunião do condomínio pela contratação de um professor em horário integral: só que vai ser um professor de boas maneiras.
Ele poderá ensinar diversas coisas da máxima utilidade à vizinhança. Por exemplo, a dizer "bom dia"; a responder prontamente quando alguém o fizer também; a ouvir aparelhos eletro-eletrônicos em níveis sonoros que não sejam danosos para o ouvido humano, nem canino (e isso aqui vale para os demais animais domésticos); a não ameaçar detonar uma hecatombe nuclear debaixo da janela alheia todas as vezes que alguém estacionar fora de hora naquela vaga presa. Para esse professor aí eu pago até R$900 a hora-aula, pode ter certeza!
Notícia da Folha Online celebra a novidade: professores de educação física podem ser contratados pelo condomínio de prédios residenciais (http://classificados.folha.com.br/imoveis/924049-professor-de-educacao-fisica-pode-ser-contratado-para-aula-em-condominio.shtml).
"Mas qual o problema?", perguntariam os mais incautos. Ora, não bastasse o estado de clausura ao qual as pessoas com algum poder econômico vêm se submetendo há algum tempo - a maioria alegando preocupações com a segurança - o processo de feudalização ganha seu ápice nessa versão perversa de como lidar com os espaços reservados: "para melhorar a relação custo-benefício do condomínio", reza a matéria, "os condôminos podem se reunir e contratar professores de educação física ou especialistas em recreação infantil para ter a comodidade dos serviços 'em casa'".
Com o andar da carruagem, em breve a pracinha - aquele lugar que no passado podia ter formato redondo ou quadrado, onde a pessoas se encontravam, passeavam, paqueravam, socializavam - vai virar peça de museu. Bobeando, daqui a pouco até padaria vai passar para o lado de dentro da cerca do condomínio (isso, se já não passou há muito tempo e eu tô aqui comendo mosca!).
Mas as bizarrices da matéria (e das práticas que ela relata) não param por aí. Além de oferecer uma cotação média da hora-aula do dito professor - a "bagatela" de R$ 90! - a matéria traz uma recomendação do diretor de condomínios do Secovi-SP, Sérgio Meira de Castro Neto, que dá margem para interpretações dúbias: "Como o profissional vai frequentar assiduamente o local, ele poderá alegar que possui vínculo empregatício com o condomínio", avisa o especialista na questão.
E ainda que a matéria sugira explicitamente que a decisão deva ser tomada "em reunião entre os usuários do serviço a forma de pagamento do profissional e o modo de contratação", já dá para visualizar a solução aplicada concretamente em casos como este: contrate, mas não gere vínculo empregatício, senão fica caro demais! Legal mesmo é ser chique, ter serviços de primeira e pagar preços de terceira. De preferência, parcelado em 800 vezes no cartão Ouro Master!
Vejam bem: não que eu seja contra a contratação de professores pelos condomínios. Não, de modo algum! Eu mesma, no dia em que me inscrever no "Minha casa, minha vida" e empenhar as minhas (por hora) inexistantes economias em um apartamento, também vou votar na primeira reunião do condomínio pela contratação de um professor em horário integral: só que vai ser um professor de boas maneiras.
Ele poderá ensinar diversas coisas da máxima utilidade à vizinhança. Por exemplo, a dizer "bom dia"; a responder prontamente quando alguém o fizer também; a ouvir aparelhos eletro-eletrônicos em níveis sonoros que não sejam danosos para o ouvido humano, nem canino (e isso aqui vale para os demais animais domésticos); a não ameaçar detonar uma hecatombe nuclear debaixo da janela alheia todas as vezes que alguém estacionar fora de hora naquela vaga presa. Para esse professor aí eu pago até R$900 a hora-aula, pode ter certeza!
quarta-feira, 1 de junho de 2011
Sobre cozinhas e concessões de rádio e TV
Parece que os ventos da mudança andam arejando os pilares das políticas de concessão das telecomunicações no Brasil neste início do mês de junho. É que hoje de manhã a Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado "aprovou um ato que proíbe que senadores relatem os pedidos de autorização para emissoras dos Estados para os quais foram eleitos" (http://www1.folha.uol.com.br/poder/923808-senado-endurece-regras-para-analise-de-concessoes-para-radio-e-tv.shtml). Na prática, isso impediria que o senador emitisse um parecer favorável à concessão de emissoras de rádio e TV em seu próprio benefício (ou no benefício do seus parentes, chegados e apadrinhados).
Confesso, sem rodeios, que adoro ser supreendida positivamente! Aliás, quem não gosta? Principalmente quando é no início do mês, na época em que vencem as contas de água, luz, condomínio, aluguel e Internet. Mas confesso também que minha dose diária de ceticismo me impede às vezes de gozar das boas notícias com muita euforia.
Quando li, logo nas primeiras linhas, que o senado havia decidido endurecer as regras de concessão de rádio e TV, perguntei logo aos meus botões (que são muito espertos e bons ouvintes): "endurecer para quem, cara pálida?". Porque todos sabem muito bem que tem um punhado de rádio comunitária atuando na ilegalidade por aí que vive aspirando pela concessão regular de um canal de TV ou de rádio. Mas, enfim, o que li nas linhas subsequentes valeu um alegre tamborilar dos dedos na mesa do computador.
Claro, impedir que o relato para uma concessão saia da sua própria cozinha não impede, em essência, que as cozinhas do poder político se comuniquem, se frequentem e troquem favores escusos para garantir tais concessões. Mas já um começo. E não existe nenhuma grande mudança que não tenha tido um "começo". Hora de reverenciá-lo, ora pois, pois. Obra da lua nova, com certeza.
Confesso, sem rodeios, que adoro ser supreendida positivamente! Aliás, quem não gosta? Principalmente quando é no início do mês, na época em que vencem as contas de água, luz, condomínio, aluguel e Internet. Mas confesso também que minha dose diária de ceticismo me impede às vezes de gozar das boas notícias com muita euforia.
Quando li, logo nas primeiras linhas, que o senado havia decidido endurecer as regras de concessão de rádio e TV, perguntei logo aos meus botões (que são muito espertos e bons ouvintes): "endurecer para quem, cara pálida?". Porque todos sabem muito bem que tem um punhado de rádio comunitária atuando na ilegalidade por aí que vive aspirando pela concessão regular de um canal de TV ou de rádio. Mas, enfim, o que li nas linhas subsequentes valeu um alegre tamborilar dos dedos na mesa do computador.
Claro, impedir que o relato para uma concessão saia da sua própria cozinha não impede, em essência, que as cozinhas do poder político se comuniquem, se frequentem e troquem favores escusos para garantir tais concessões. Mas já um começo. E não existe nenhuma grande mudança que não tenha tido um "começo". Hora de reverenciá-lo, ora pois, pois. Obra da lua nova, com certeza.
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