UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Conto de final de ano

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Conto de final de ano

Nada mais do que um conto. E ele começa assim:

"Tinha um vale bonito entre montanhas. Era o início de uma tarde de sol e estava tudo verde, mas desse verde fresco que só aparece depois de um período muito prolongado de chuvas. O vale era lindo: era rodeado por montanhas que foram ficando arredondadas ao longo de milhões e milhões de anos. No fundo dele corria um córrego de águas límpidas, nem muito largo, nem muito fundo - e aqui digo que "corria" mais por hábito do que por adequação. Na verdade, ele não corria, ele caminhava. E seguia assim, sem pressa nenhuma, andando devagar, formando pequenos remansos que morriam de preguiça de virar correnteza. A água era tão limpa que até dava para ver o fundo: seixos rolados aqui, areia branca ali na frente, uma vegetaçãozinha rente à borda.

Mais à frente, as copas das árvores de uma pequena mata ciliar se fechavam sobre o leito do córrego. Eu, que ia caminhando pela margem da direita, rente ao curso d'água, acabei entrando na mata, que era rasa. As árvores eram espaçadas o suficiente para deixar passar um pouco da luz do sol, o que tornava a caminhada entre elas tranquila e aprazível. Sempre seguindo pela direita, tomei o rumo da montanha mais alta de todas aquelas que circundavam o córrego naquele trecho. Depois de um tempo curto de caminhada, fui chegando rente ao pé da montanha. Ali, a mata se abria ainda mais e deixava ver lá embaixo, bem no pé da montanha, lá no fundo de uma baixada, a entrada de uma gruta.

Fui então descendo até a entrada da gruta. As paredes internas eram tão claras que pareciam de calcáreo puro. O terreno, bastante inclinado do lado de fora, não deixava a gente ter uma ideia da amplidão do salão inicial daquela gruta: ele era simplesmente imenso, excepcionalmente iluminado graças aos buracos no teto, que permitiam a passagem de luz natural em diversas partes. O chão do salão já estava completamente seco, sinal de que toda a aguaceira acumulada com as últimas chuvas já tinha se secado por ali.

Tinha um canto ali na gruta que era especial porque não tinha folha, nem terra, nem galho: parecia até que tinha sido varrido de tão limpo. O canto era abaulado e formava um pequeno trono, só que um pouco mais largo, com uma luz indireta vertida por uma claraboia natural. Dava para sentar umas três pessoas adultas tranquilamente, sem precisar apertar. Sentei e esperei.

Esperei mais um pouco até que os acontecimentos desse ano começaram a desfilar, um a um, na minha mente. O reveillon com dois amigos lá em casa, o jantar de gala feito por mim, a conversa animada, dois livros ganhados de presente. As chuvas dos dias seguintes, fisioterapia, decisões. Curso de meditação, viagem nas pedras, começo na biodança. Decisões profissonais envolvendo rupturas, um adeus, um carnaval atípico no túmulo do samba que é a Roça Grande, a espera de um novo amor. Não veio. Mas vieram viagens a Recife, ao Rio - a primeira para um casamento, a segunda profissional, mas com desdobramentos importantes para a vida do espírito: teve a visita ao antigo FLAI e o curso com o Kaká Werá! Depois vi o longo período de reclusão que se iniciava. Mudança de endereço para viver só, em paz entre quatro paredes. Provações, muitas provações: rupturas também. O mundo quase cessa lá fora: se não fosse a biodança, a yoga, a natação, as aulas de francês e inglês que ia dando, pouco sairia de casa. Inverno frio na alma reclusa. Veio julho e uma cartomante me disse um monte de coisas que duvidei logo de cara. Aí, ela nem cobrou a consulta: mandou voltar quando tudo acontecesse. Falou de uma escola onde ensinaria, de um faraó que se aproximaria. E um mês e meio depois veio o amor. Extasiada de felicidade, pulei de cabeça no abismo. Uma segunda viagem às pedras abriram novos caminhos no campo profissional. E um mês depois, o objeto do amor se foi. Onde é que eu estava mesmo? Ah, pulando de cabeça no abismo. Hora de visitar as sombras, minha cara. Então levei 17 dias desenhando uma águia, só para lembrar quem eu era. De águia passei para urso e comecei a hibernar. Mais uma viagem a trabalho até Vitória da Conquista. Vixe, não para de chover. O espírito cresce, se expande, a intuição fica cada vez mais aguçada. E veio chegando o último mês do ano. Mais resoluções.

Essa gruta é que nem o meu espírito: ampla, ventilada, espaçosa, misto de luz e sombra. No canto abaulado do espírito, sentado bem lá no fundo, tem um velho sábio, com ares de druida, que fala para mim: 'Minha filha, mil vidas eu vivi, mil vidas eu perdi. Já vi de tudo nesse mundo, mas poucas vezes vi tenacidade que nem a sua. Por isso, dou-lhe um conselho: volte para o alto do abismo onde tudo começou e pule de novo. Só a iminência da queda poderá lhe fazer voltar a acreditar no poder das suas asas. Então volte lá e pule de novo. E de cabeça'.

Nesse momento, jurei ter ouvido uma flauta".

Fim do conto.

2 comentários:

  1. Puxa... que ano! Lindo e profundo, Jujuba querida. Um grande beijo! Toy

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  2. Ei, Toy.

    Tomara que no ano que vem você volte para testemunhar mais um conto de fim de ano!

    Obrigada pela visita!

    Beijos, beijos, beijos.

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