UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Velhas contendas

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Velhas contendas

Você já se perguntou por que torce a cara em sinal de desgosto ou por que infla o peito para demonstrar orgulho? Sim? Não?

Pois saiba que pesquisadores da Universidade de Oregon (EUA) e de British Columbia (Canadá) chegaram a uma "conclusão" interessante sobre a expressão facial das emoções: "a expressão facial de emoções, além de ser uma forma de comunicação não verbal, tem razão biológica e evolutiva, preparando o organismo para possíveis armadilhas do ambiente" (http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1027387-cara-de-medo-ou-de-vergonha-tem-razao-biologica-diz-estudo.shtml).

A matéria publicada hoje na Folha Equilíbrio sinaliza mais uma tomada de posição em um debate que é antigo: o limite entre a ordem das determinações biológicas (muitas vezes erroneamente tidas como inatas, universais e imutáveis) e a das determinações culturais (adquiridas via socialização, cambiantes, relativas, culturalmente circunscritas). E a posição tomada é a seguinte: determinadas expressões faciais não são exclusivamente determinadas pela dimensão cultural porque têm função biológica bastante clara.

O ato de arregalar os olhos de medo ou susto é um exemplo de reação fisiologicamente motivada: "Arregalar os olhos aumenta o campo visual e a velocidade do movimento do globo ocular, permitindo identificar melhor objetos que estejam em volta". Estas faculdades seriam valiosas para "situações ameaçadoras, como o ataque de um predador, essa capacidade pode ser determinante para a sobrevivência", explica a matéria.

De maneira análoga, "quando uma pessoa não gosta de algo, aquela cara de nojo com o nariz 'torcido' e os dentes cerrados é uma forma de inibir o paladar e o olfato, afastando o risco de contato com venenos ou contaminantes", prossegue a notícia.

O mesmo valeria para outras expressões emocionais como o ato de inflar o peito em sinal de orgulho: "inflar o peito de orgulho aumentaria a produção de testosterona e a capacidade pulmonar, deixando qualquer pessoa mais preparada para interagir socialmente".

Claro, os achados de pesquisa que foram publicados originalmente na Revista Current in Psychological Science e replicados na matéria da Folha Equilíbrio são muito menos conclusivos do que deixa entrever as primeiras linhas desta última. Somente no penúltimo parágrafo é que se revela uma ressalva importante, feita pelos próprios pesquisadores em questão: "No entanto, os autores admitem que são necessárias mais pesquisas para identificar a explicação biológica para fisionomias comuns, como raiva, tristeza e felicidade".

Em outros termos, o que autores fizeram foi encontrar uma motivação biológica na expressão de algumas emoções, o que não quer dizer que todas as emoções tenham uma motivação biológica. Além disso, a notícia da Folha poderia ter levantado uma série de questões de ordem experimental que não ficaram claras no texto (e que nem sabemos se foram abordadas na publicação original da Revista Current in Psychological Science).

Poderíamos argumentar, por exemplo, que as emoções não são expressas em estado puro, mas amalgamadas em formas expressivas complexas, nas quais predominam sentimentos muitas vezes paradoxais. Como explicar a motivação biológica quando coexistem sentimentos díspares, como prazer e ódio, medo e atração, etc, etc, etc? O que equivaleria a dizer que, do ponto de vista meramente fisiológico, a realidade expressiva da maioria das pessoas normais é uma "bagunça": motivações diversas e díspares coexistem e podem até mesmo entrar em conflito, o que pode, a meu ver, fragilizar um pouco a teoria da motivação fisiológica.

De qualquer forma, fica difícil imaginar um corpo "sábio" no sentido mais restrito da resposta adaptativa eficaz, isto é, capaz de tomar uma resolução clara em um sentido unívoco, na qual ele pudesse otimizar suas estratégias de sobrevivência... Não que o corpo não seja sábio. Mas, neste processo expressivo, outras motivações interagem com a função biológica. O que - reconheço - em nada contradiz a proposição inicial dos autores: a expressão das emoções continuam sendo (também) uma forma de comunicação não-verbal. E pronto. Fim da contenda?

Talvez. Mas, no final das contas, a impressão que fica é a seguinte: ler as matérias de divulgação científica nos jornais atualmente é um desafio parecido com o de ver uma peça de teatro pela buraco da fechadura. A visão parcial de algumas cenas limita- quando não impede - uma plena compreensão da narrativa completa. Ressalto que o efeito de simplificação de uma matéria que tenta (em princípio) vulgarizar um conhecimento científico altamente especializado para um público leigo não é em si um problema - os traillers de filme exibidos nos cinemas estão aí para provar que a amostra grátis é muitas vezes melhor do que o produto final. O problema é quando questões importantes e pertinentes deixam de ser levantadas em prol da mera "objetividade" na tradução deste conhecimento.

Resumindo: não faltam apenas mais informações que podem estar presentes na publicação original; faltam perguntas mais estimulantes.

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