UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: Segredo comercial

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Segredo comercial

Eu nem sou lá tão vidrada assim com tecnologia: aliás, nem gosto, nem desgosto. Mas tem sido inevitável comentar determinadas notícias celebracionistas que fazem alarde de novas tecnologias em desenvolvimento. Antes de ontem mesmo eu tinha comentado o prognóstico da IBM de desenvolver tecnologia capaz de os pensamentos dentro de um prazo de cinco anos (http://cronicasdejuvenal.blogspot.com/2011/12/prognosticos-alexitimicos.html). Agora, é a vez da Apple e do Google desenvolverem "secretamente" computadores de bolso que serão usados como roupa de vestir.

Nada contra também. As duas empresas têm o direito de desenvolverem aquilo que bem entenderem. Mas anunciar nos jornais que os produtos estão sendo desenvolvidos "secretamente" é fazer troça da nossa inteligência. A matéria de Nick Bilton, traduzida do New York Times e publicada em segunda mão na Folha online de hoje, por exemplo, carrega nas tintas para ressaltar este aspecto: "Ao longo dos últimos 12 meses, a Apple e o Google começaram secretamente a trabalhar em projetos que resultarão em computadores de vestir. O objetivo principal das duas empresas é vender mais smartphones" (ww1.folha.uol.com.br/tec/1024198-apple-e-google-trabalham-em-aparelhos-para-usarmos-como-roupa.shtml).

Se, por um lado, fica clara a intenção de nos fazer crer que o desenvolvimento do produto acontece a sete chaves, o mesmo não pode ser dito do seu objetivo final: vender mais não é segredo para ninguém em plena era de capitalismo avançado. Mas como a necessidade de venda dispensa confirmação, tamanha sua obviedade, o jeito encontrado pelo autor da matéria foi não dar trégua na estratégia de manter o segredo comercial: "No Google X, o laboratório secreto do Google, pesquisadores estão trabalhando em periféricos que, ligados ao seu corpo ou à sua roupa, transmitiriam informações a um celular Android".

Como se não bastasse o "laboratório secreto", bem aos moldes dos filmes do 007, a matéria insinua que "o segredo" tenha sido obtido graças ao contato com fontes bem-informadas: "Pessoas que conhecem o trabalho dizem que o Google contratou engenheiros eletrônicos da Nokia Labs, da Apple e de cursos universitários de engenharia especializados em pequenos computadores de vestir". Mas quem são essas pessoas? Pouco importa. Quando se trata de tecnologias em vias de serem tornadas realidade, o segredo ainda é o grande charme do negócio.

E o segredo aqui é uma estratégia compartilhada, diga-se de passagem. Após uma breve descrição geral dos trabalhos realizados pela Apple - que "também realizou experiências com protótipos de produtos capazes de transmitir informações ao iPhone" - aprende-se um pouco mais sobre aquilo que ninguém pode dizer abertamente, porque é "segredo" comercial: "uma pessoa que conhece os planos da empresa me disse que 'um pequeno grupo de funcionários da Apple' vem conceituando e até desenvolvendo protótipos de aparelhos de vestir".

Aliás, segredo comercial ou delação premiada? Ora, o segredo só vale a pena porque foi contado pela tal pessoa bem-informada, que conhece todos os planos da empresa e não hesita em delatá-los para o jornal mais próximo. Uma piada só: a única coisa nessa matéria que permanece realmente em segredo são os nomes dos informantes - claro, senão o jogo perde a graça.

O resto da matéria publicada na Folha, amigos leitores, é pura prospecção de um futuro onde eu só vejo incerteza: "Ao longo dos dez próximos anos, diz, é possível que as pessoas passem a usar óculos com telas incorporadas e, eventualmente, lentes de contato com telas funcionais". O objetivo das telas "é misturar o mundo real e o virtual", alerta o pesquisador sênior especializado em computadores de vestir no Instituto do Futuro, em Palo Alto (USA), Sr. Michael Liebhold. Isto é, as realidade virtuais se sobreporiam a um ambiente real, numa espécie de "RPG" digital.

Tarde demais! Agora que já sabemos de tudo, o jeito vai ser aguardar ansiosamente na fila de espera com os nossos cartões de crédito em punho. Mas já não havia sido dito desde o princípio que o objetivo final do Google e da Apple era realmente vender? Então... Só que para saber disso, nem precisava de delação premiada.

2 comentários:

  1. Saudade do tempo em que a Apple era só uma gravadora dos Beatles ou uma quitanda de frutas do Forrest Gump...

    ResponderExcluir
  2. Saudades de quando "Apple" era só maçã em inglês...

    Abraços procê, Fernando.

    ResponderExcluir