UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: O pente

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O pente

Caro leitor: alguma vez na vida você já foi questionado sobre sua aparência ou indumentária em algum espaço de frequentação pública? Ou será que você se compraz na ideia de que sempre se vestiu ou se comportou "adequadamente", seguindo estritamente as regras do jogo?

Bem, aqueles que já escutaram a famosa pergunta "qual o pente que te penteia?", com certeza, já sabem aonde essa conversa vai dar: naquilo que eu e mais alguns consideram como sendo casos flagrantes de discriminação fenotípica - mas que muitos outros ainda consideram simplesmente uma questão de "adequação funcional".

O assunto virou a bola da vez depois que um escândalo de dimensões meramente facebookeanas ultrapassou os limites desta rede social para ser acolhido, sob a forma de denúncia, nas páginas da grande imprensa. A notícia publicada hoje no Folha online narra o caso da assistente de marketing Ester Elisa da Silva Cesário, 19 anos, e encarna bem um drama bastante comum aos afro-brasileiros.

Segundo matéria da Folha Cotidiano, Ester teria sido questionada pela diretora do colégio Internacional Anhembi Morumbi, localizado no bairro Brooklin (São Paulo), sobre a aparência do seu cabelo. É pelo intermédio do depoimento de Ester que o leitor toma conhecimento da solicitação do empregador: "Como você pode representar nosso colégio com esse cabelo crespo?", teria indigado a diretora do estabelecimento (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1018334-ator-diz-estar-enojado-com-chefe-que-mandou-negra-alisar-o-cabelo.shtml).

Além de dar crédito para a suposta vítima, a matéria faz aquilo que todo jornal deveria fazer: ouvir os dois lados da contenda. É aí, justamente, que reside a parte mais preocupante da história: o argumentário da defesa é tão raso e incongruente, que ele não deixa ao leitor outra alternativa senão concordar em gênero, número e grau com a atitude da vítima de prestar queixa à polícia.

Em primeiro lugar, a direção do colégio se defende da acusação, alegando ausência de intenção de constranger: "O colégio Internacional Anhembi Morumbi afirma, em nota, que a direção da escola e o restante da equipe de funcionários com a qual Ester trabalha nunca teve a intenção de causar qualquer constrangimento". O argumento não pode ser digerido facilmente. Ninguém ousaria discordar, por exemplo, do fato de que piadas racistas sejam contadas com a intenção de divertir um certo número de pessoas - às custas, claro, da integridade de outros. Mas o divertimento de uns não os isenta de seu quinhão de responsabilidade pelos ataques à honra e à integridade de outros. Mas o caso em questão é ainda mais grave do que o do engraçadinho que defende o direito de rir às custas dos outros: alegar que o cabelo "black power" é inadequado à instituição em questão poderia ter sido dito com outra intenção senão a de constranger a moça a efetivamente mudar o corte e sua aparência. Ou seja: foi uma atitude tomada tende em vista uma mudança no comportamento da destinatária. Por isto, a ausência de intenção é, a meu ver, o argumento que já nasceu morto.

Em segundo lugar - e isto é ainda mais preocupante - como os termos "inclusão" e "diversidade" fazem agora parte do vocabulário da moda, a tendência é que as duas noções sejam tratadas como mera formalidade curricular (inclui-se certos temas na grade curricular e está tudo bem) ou representacional ("aceitar" formalmente funcionários ou alunos desta ou daquela procedência não isenta ninguém, em tese, da possibilidade de tratar discriminatoriamente um grupo em relação a outro). A matéria prossegue neste sentido: "De acordo com a nota, o colégio possui um modelo de aprendizagem inclusivo, que abriga professores, estudantes e funcionários de várias origens e tradições religiosas".

Ora, abrigá-los é apenas um primeiro passo. O segundo - definitivamente mais importante - é abrigar pessoas "de origens e tradições religiosas diversas" respeitando suas diferenças, isto é, valorizado-as justamente pela especificidade que elas trazem consigo. E nenhum momento a escola disse que ouve respeito à especificidade estética da jovem Ester. O mesmo argumento vale para certas "inovações" na grade curricular: "O colégio também afirma que entende que o respeito às diferenças é um assunto sério e, por isso, colocou formalmente esse tema em seu estatuto e na grade curricular".

O terceiro argumento, a meu ver totalmente desconectado da realidade à qual ele tenta responder, insiste na tese de que "o uso de uniformes por alunos e funcionários é exigido para que o foco da atenção saia da aparência". Ora, e o que isto tem a ver com a imposição (mais ou menos implícita) de um modelo estético que se apoia, por exemplo, na prática de alisamento dos cabelos? Cabelo não é uniforme. E não pode ser, que fique bem entendido.

Concluindo: ao que parece, Ester foi parar no Brooklin errado.

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